quinta-feira, 17 de agosto de 2006

Casa, Rio de Janeiro
Vitória, derrota ou pizza?


(charge do Salt Lake Tribune)

A guerra acabou (ou, mais provavelmente, deu um tempo), e tanto o Nasralah quanto o Olmert já sairam cantando vitória a plenos pulmões. Fica entre o ridículo e o obsceno esta celebração toda. A única definição sensata de vitória ou derrota em um conflito é um computo dos objetivos estrategicos alcançados ou frustrados. Vitórias ou derrotas 'morais', definidas pela humilhação que causam ou a dignidade que restauram, são uma questão de percepção, que pode ser mudada pelo expediente de construir uma narrativa conveniente.

De concreto, só existem objetivos, que quando não são puramente existenciais, são essencialmente políticos, e definidos fora do contexto bélico. A guerra como politica por outros meios é uma ideia cínica, mas garanto que é melhor que a realidade da guerra como terapia coletiva. Neste contexto, esta foi uma luta inconclusiva entre Israel e Hizbolá na qual o Líbano foi o grande derrotado.

De volta aos carnavalescos, por um lado o Olmert (assim como o Peretz) está lutando para sobreviver politicamente; os Israelenses entendem que seus líderes foram indecisos e incompetentes, e não conseguiram obter nenhum resultado decisivo, apesar do apoio quase unânime à ação militar. Depois de mais de um mês, o HA sofreu grandes perdas mas ainda representa ameaça, e os soldados sequestrados ainda não voltaram para casa.

O HA, por outro lado, 'ganhou' a guerra da mesma maneira que o George W. Bush 'ganhou' debates: Estabelecendo espectativas baixissimas (ajudado por Olmert estabelecendo as suas na estratosfera), de modo que qualquer coisa além de obliteração completa ou o Nasralah em uma jaula em Tel Aviv seria considerada uma vitória em comparação. Mas o fato é que o Libaneses, quanto mais os xiitas Libaneses, não tem nenhum resultado positivo para mostrar depois de toda a destruição sofrida. As vitorias retóricas do HA beneficiam unicamente o HA.

Nasralah é provavelmente o lider árabe mais popular atualmente (fora do Líbano, dentro a situação é mais complicada), e o fato de Israel não ter desarmando o HA torna improvável que o exercito libanês ou a UNIFIL jamais o façam. Mas mesmo no plano político, está agora claro que o HA age em favor de interesses a) próprios b) iranianos e c) sírios, nessa ordem. O Líbano fica em algum lugar entre d) e z). Militarmente, apesar de afirmar que defendia o Líbano, a única coisa que o HA conseguiu defender com algum grau de sucesso foi a própria pele.

No final das contas, o resultado mais importante desta guerra nõa depende do número de baixas ou da destruição inflingida. A relação de forças dentro do Líbano está em fluxo, e ninguem sabe realmente se no final o HA sairá enfraquecido ou fortalecido. A insistencia em declarar vitória e prometer reconstruir 15000 moradias, são maneiras de enquadrar a percepção em termos que são favoráveis ao HA (resistência ao invasor, e o HA como a única garantia do bem estar de sua base xiita). Paralelamente, a intimidação dos críticos e daqueles que querem que o HA se desarme, é uma tentativa de forçar um consenso nacional com a ameaça implicita de guerra civil se for contrariado.

Os grupos que se opões ao HA por sua vez tentam moldar as percepções em termo de união nacional, e resistência à interferência extrangeira de modo geral (i.e., incluindo não só Israel, mas também Síria e Irã). Eles também manipulam o temor do retorna a guerra civil, ao dar a entender que outros grupos sectários eventualmente vão se rearmar se o HA insistir em se manter como um grupo armado.

O equilíbrio de poder parece pender para o lado do HA, como suas armas, diciplina e apoio do Irã e dos carros-bomba da Síria. Mas o HA terá também que prestar contas a sua base xiita, que está em grande parte desabrigada, e não pode se alimentar unicamente da retórica do Nasralah. O grosso do dinheiro de reconstrução virá dos sauditas e dos paises ocidentais, que vão tentar ao máximo apoiar o governo central. Nasralah terá que chegar a algum tipo de entendimento com o Siniora antes da chegada do inverno, ou se arrisca a perder sua cerdibilidade junto a sua base de apoio. Entre os não xiitas, apesar do que é dito em vários lugares, os ganhos em popularidade do HA são no máximo dúbios. A blogosfera libanesa criticou o aventurismo do HA durante a guerra, mesmo estando universalmente furiosa com os ataques israelenses. As declarações beligerantes do Nasralah foram muito mal recebidas, para dizer o mínimo.
Blogeiros podem não ser muito representativos (para começar nenhum deles é xiita, até onde eu sei), mas o sentimento certamente reflete uma corrente importante da população libanesa, que pode odiar intensamente Israel, mas provavelmente não quer manter um estado de guerra intermitente com a superpotencia local sem nenhuma perspectiva de ganho concreto.

Como eu disse, o resultado final é incerto. O HA pode neutralizar o governo e transformar o Líbano em uma república islâmica ou na Síria do Leste; ou ele pode ser marginalizado, e ver sua base de apoio migrar para partidos xiitas mais moderados. O mais provável porém é que tudo acabe em pizza, em que de forma tipicamente libanesa todos os lados fazem conceções refletindo o novo equilíbrio de forças, e as tensões são contornadas ao invés de resolvidas. Mas esse samba do levantino doido não pode continuar indefinidamente. Algum dia o Líbano vai ter que deixar de ser uma coisa diferente para cada uma de suas comunidades, e decidir se tornar um país de verdade. Até lá, um HA armado até os dentes às margens do estado é garantia da retomada do conflito, seja daqui a dias, meses ou anos.

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