segunda-feira, 14 de agosto de 2006

Casa, Rio de Janeiro
(a guerra acabou?)

Hoje as 8 horas (horario local, daqui a uma hora) o cessar fogo imposto pela resolução 1701 vai entrar em vigor.

A resolução foi aceita durante o fim de semana pelos governos do Líbano (no sabado, fazendo contorcionismo retórico para conceguir o aceite dos ministros do HA e preservar o consenso) e de Israel (no domingo, enfatizando os pontos favoraveis da resolução e relativizando a provável implementacao para lá de problemática). Surprendentemente, até o Nasrallah concordou. O diabo está nos detalhes...

A resolução estipula que o HA vai se retirar/desarmar no sul do Líbano, sendo substituidos por 15000 soldados libaneses e 15000 capacetes azuis da UNIFIL recauchutada, liderados pelos franceses. Haverá ainda um embargo de armas para grupos "não autorizados explicitamente" (provavelmente uma referência às freiras carmelitas de Sidon ou ao clube de bocha de Beit Jabel). A UNIFIL 2.0 estará autorizada a ajudar o exército quando solicitada. A resolução é regida peloo Capítulo 6 da Carta (i.e., resolução pacifica de conflitos: 'larguem suas armas; why can't we all be friends? '), não Cap. 7 (ameaças à paz, que autoriza o uso da força: 'mão na parede ou o pau vai comer!'); mas autoriza explicitamente no texto o uso da força para fazer cumprir o mandato, então é uma espécie de Cap. 6.5.


Outros pontos pendentes (Sheeba, prisioneiros, desarmamento definitivo do HA) são mencionados em diplomatês bem intencionado, mas sem imperativos. Uma outra resolução Cap. 7 é prometida para daqui a 30 dias.

Se implementada na íntegra, a resolução atinge a maior parte dos objetivos de Israel, e alguns dos objetivos dos reformistas Libaneses (inconfessáveis, para preservar a unidade; lembre-se do pavor bem justificado que os libaneses tem de tensões sectárias). O HA topou porque quer que a guerra acabe logo, para preservar mais do seu poderia bélico e poder capitalizar seus ganhos consideráveis em popularidade (no mundo árabe em geral; no Líbano a coisa é mais complicada). Provavelmente não tem a menor intenção de se desarmar ou atravessar o Litani. Hoje a noite uma reunião do gabinete libanes foi cancelada quando os ministros do HA, sob ordens do Nasrallah, se recusaram a aceitar tal retirada. Está claro que o 'aceite' anterior era condicional e bastante seletivo.

O meu medo é que o HA pare com os Katyushas (em troca do fim dos bombardeios), mas tente engatar uma guerrinha de baixa intensidade com os Israelenses no sul do Líbano, que é capaz de prolongar indefinidamente. A resolução exige que Israel se retire a medida que o exercito libanês e a UNIFIL 2.0 se posicionam, que é algo que nenhum dos dois tem a intenção de fazer enquanto o pau estiver comendo solto. Israel diz que não vai se retirar enquanto eles não vierem, e o HA promete continuar lutando enquanto Israel permanecer no Líbano. É uma sinuca de 3 bicos, mas único lado que pode extrair algum beneficio disso é o HA, que vai poder justificar retroativamente suas armas com mais um round de 'resistência' (causalidade obviamente não é o forte do Nasrallah), e taxar seus oponentes Libaneses como vendidos ou covardes.

Obviamente, nada é tão ruim que não possa piorar. Os sírios foram humilhados nessa história toda. As negociações passaram longe de Damasco, e o Assad jr. foi implicita ou explicitamente taxado de irrelevante ou pouco confiável. Os baathistas damascenos são notoriamente paranoicos e vingativos, e não acho improvavel que tentem melar as coisas para demonstrar o quão indispensáveis eles são. O Irã, embora mais influente, é menos perigoso. O seu interesse é manter o HA como uma ameaça estratégica a Israel, mas por isso mesmo não quer uma guerra de desgaste que impeça o seu rearmamento. E de qualquer maneira acho mais provável que deixem estas decisões de final de jogo para o Nasrallah.

Os israelenses querem eliminar o HA como ameaça estratégica. A estabilibidade do Líbano obviamente não foi uma prioridade até agora, no que pode vir a ser o mais desastroso erro estratégico da guerra. Nos últimos dois dias, correndo contra o relógio, as IDF invadiram em força o sul do Líbano (antes haviam 7000 soldados Israelenses ao norte da frontaira; agora são mais de 20000), na direção do Litani. Os israelenses, partidários da politica de que se você quer algo bem feito faça você mesmo, não acredita que o HA se desarme ou retire sozinho, e duvida que os franceses (quanto mais o brancaleônico exército Libanês) o obrigue a isso. Mas é possível que começar a maior ofensiva da guerra (incluido bombardeios hoje em Beirute de alvos sem nenhuma ligação aparente com o HA, que deixaram pelo menos 10 civis mortos) nos momentos finais antes do cessar fogo efetivamente acabe com o frágil consenso que tornou o próprio cf possível; neste caso os Israelenses se verão embrenhados no Líbano novamente, sem perpectivas de um acordo de paz ou uma vitória definitiva, e sem poderem recuar sem dar ao HA outra enorme vitória retórica. Exatamente a repetição do cenário que eles pretendiam evitar.

PS: Excelente artigo de Ali Kamel no Globo, sobre a historia das intervenções israelenses no Líbano, e sobre o que deve acontecer depois que a poeira baixar. E minha admiração pelo Siniora só aumenta. Como a parte mais fraca em uma briga de cachorro grande, ele dançou no fio da navalha para tentar salvar o Líbano e sua democracia incipiente. Me desculpem pelo excesso de metáforas, mas os links valem a pena.

UPDATE: O cessar fogo já começou, entre o momento que comecei a escrever este post e agora.


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*Forças de Defesa de Israel, na sigla em inglês mais usada.

Um comentário:

fmafra disse...

Resolução Enterprise!!!