quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Casa do Paco, Cancun
Massa crítica

Como eu não tinha muita ideia do que esperar aqui em Cancun, a minha programação por aqui está tendo um significativo componente aleatório: Vou fazendo/vendo/experimentando o que me aparece pela frente e soa interessante, em geral no contexto da pedalada de 20km entre o hotel onde ocorre o evento (Gran Meliá e FALAN, respectivamente) e a casa do meu simpático host de couchsurfing. A primeira coisa realmente turística que fiz por aqui, além o passeio cênico, foi visitar as ruinas de uma cidade Maia (do período pós-clássico tardio, quase contemporâneo à chegada dos espanhois) em um lugar chamado El Rey, a alguns poucos quilômetros do Gran Melia. Não vou me alongar muito a respeito do sítio, pois pretendo falar sobre os Maias em maior detalhe em um post subsequente; digo somente que, embora situado na zona hoteleira, o lugar não parece atrair muitos turistas, mas está bombando entre as iguanas locais. Estas últimas lagarteeiam as dezenas nas pedras das ruinas, sem muito receio dos humanos ocasionais (juro que algumas parecem querer posar para fotografias...). É uma sensação interessante escalar os restos de um templo maia, sem nenhum outro humano a vista, e encontrar um iguana se esgueirando para dentro de uma vão entre as pedras que leva a sabe-se lá onde...

Antes de voltar para o congresso (que ocorre ao longo de todo o dia até as 21:00, mas com um buraco de 3-5 horas na programação durante a tarde, dependendo de quão interessante é a palestra após os posteres), resolvi dar uma paradinha na praia do Delfines, logo em frente. Parei para comer um quibe e bater um papo com a velhinas quituteiras locais (que se mostraram fascinadas pela minha bicicleta, e tentaram me ensinar algumas frases em maia), e desci para a praia, onde um mar impossivelmente azul me esperava para me fazer esquecer da neurociência, qual um Lethe caribenho (êta!).

Já deitado na canga e lendo um livro, ouvi uma comoção a alguns metros atrás de mim. Eram quatro gordinhos mascarados anunciando os mérito de sua federação de luta livre. Ou pelo menos um deles anunciava, enquanto os demais grunhiam em concordância. Quando perguntados sobre o que gostariam de dizer ao Brasil (me desculpem, mas não consegui pensar em algo mais inteligente para perguntar; me solidarizo neste momento com os reporteres do tapete vermelho do Oscar...), responderam algo do tipo 'peitos, bundas e caipirinha!'. Uma resposta que carece de comentários; mas acrecento que, se algum dia assistir uma suas lutas, torcerei pelo o que usa uma camiseta do Homer Simpson.


Apesar de todo o esforço da natureza, Cancun não é uma cidade particularmente charmosa. O centro da cidade quase poderia ser confundido com uma cidade do interior de São Paulo. A zona hoteleira, situada no entorno de uma lagoa de água salobra separada do mar por uma barra arenosa, lembra em alguns trechos a filha bastarda da Barra da Tijuca com Las begas. É bem cuidada, mas sofre pelo excesso de generalidade. Mas, como a foto ao lado atesta, não falta aos restaurantes temáticos locais o empenho de fazer os visitantes se sentirem bem vindos...

Ontem, ao retornar do encontro, eu tinha planos de ir direto para casa e descansar um pouco. Parei primeiro em um restaurante um tanto turístico, onde apesar das minhas suspeitas, comi muito bem, notadamente um prato maia ('Reyeno Negro') onde peru, almôndegas de porco e um ovo cozidos são acompanhados por um complexo molho negro feito a base de pimentões doces tostados. Na ausência de muitos outros clientes, acabei entabulando conversa em portunhol com meu garçon, o Ubaldo, cujo avô brasileiro (de Copacabana!) havia fugido para o México por razões políticas e acabou abrindo uma padaria em Veracruz.

De qualquer forma, uma hora depois e um pouco mais redondo, continuei pedalando até o final do Boulevard Kukulcan, onde me deparei com um grupo de ciclistas portando vestes reflexivas, megafones e bicicletas de todos os tipos e condições, e acompanhados de um equipe de filmagem.

Era o grupo local do Massa Crítica, a ponto de iniciar uma pedalada noturna. Me agreguei ao pelotão, e eles não poderiam ter me feito sentir mais bem vindo. O meu portunhol se mostrou surpreendentemente efetivo, e acabei a noite em um segundo jantar em um copo sujo local (muito mais em conta!) com alguns deles. Se tudo der certo, amanhã volto a pedalar com eles...

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domingo, 4 de novembro de 2012

Aeroporto de Tucomen, cidade do Panama
Intersticial

Existem poucos lugares mais intersticiais do que o Panamá, que é quase axiomaticamente definido como o local onde o Atlântico e o Pacífico se encontram na marra. O aeroporto local (simpático e coalhado de duty frees) é o hub da Copa Airlines, então fico aqui intersticialmente em conexão no terminal, esperando meu vôo para Cancun. As três horas que estou passando aqui são o bastante para dizer que estou, e não simplesmente passei por, aqui; mas não são o suficiente para sair do aeroporto, conhecer o canal e voltar em tempo hábil. Isto significa que não passarei pela alfândega local ou terei meu passaporte carimbado. Para as autoridades panamenhas, eu não estou no pais deles. Como eu já sai oficialmente do Brasil, mas ainda não entrei no México, do ponto de vista diplomatico eu estou em lugar nenhum.

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Sala de Embarque Aeroporto do Galeão, Rio de Janeiro
No resort


 Pouco mais de uma semana depois de voltar dos EUA, eis que me encontro novamente a ponto de pegar um avião para o exterior. Desta vez, vou para Cancun, no México. O propósito desta viagem é tentar achar quem ao sul do Rio Grande se interessa por uma abordagem mais matemática da neurociência, tarefa bem mais difícil do que deveria ser. O congresso da vez é o FALAN, o encontro da federação de sociedades latinoamericanas e caribenhas de neurociência, o que significa que gastarei o meu já bastante usado (este ano) portunhol.

Existem poucos destinos com reputação mais turísticas no mundo do que Cancun. Transladado diretamente do aeroporto até um resorts com tudo incluso, de onde emerge somente para ocasionais visitas guiadas, do visitante típico é esperado que relaxe e se deixe envolver pela bolha. A versão pasteurizado do México daí resultante não é muito diferente do que a sua correspondente carioca, que sempre me pareceu bem menos interessante do que a cidade mijada e esburacada, mas fascinante e multifacetada, em que vivo.

A minha intenção é fazer mais ou menos o oposto. Vou fazer couchsurfing com um físico local (que emergiu do eter para me oferecer um lugar para ficar, pois, como ele bem diz, nos físicos temos que nos manter unidos), na própria cidade, e não na zona hoteleira. Levo a minha indefectível bicicleta dobrável, com a qual pretendo precindir de taxis, vans de translado e assemelhados. Vou de ônibus até Chichen Itza, onde pretendo entediar quem estiver por perto discorrendo interminavelmente sobre a civilização Maia.

Em relação a este blog, estou adquirindo o péssimo habito de parar de postar no meio das  viagens. Vamos ver se consigo quebrar esta nefasta tradição aqui. Ainda tenho alguns posts semi-escritos na Espanha e nos EUA que pretendo terminar algum dia; mas tentarei ser mais diligente no México. Embarco em breve, e faço escala no Panama, onde francamente não tenho ideia do que esperar. Não sei se terei tempo de sair do aeroporto, porém.

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quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Convention center, New Orleans
Lista de tarefas

É quase tautológico dizer que viajar sozinho é as vezes solitário.  Mas o isolamento também nos força a interagir mais intensamente com os locais. É certamente mais fácil descobrir o não-óbvio e inusitado longe da bolha criada pela familiaridade. New Orleans é uma cidade cheia de pequenos segredos; pátios escondidos e porões ditos assombrados, músicos obscuros tocando por trocados e restaurantes meio mambembes que (dizem os boatos) servem guaxinim ocasionalmente.


Se a visita é curta, é muito útil ter um(a) guia local. A minha foi a Nandini. Ela é professora na Tulane, originária da Índia, e mora aqui a menos de cinco anos, mas parece já ter estado em cada boteco e beco da cidade. E, até dois dias depois da minha chegada aqui, era uma completa estranha para mim.

Eu sabia que o Alex, de quem fiquei amigo quando ele me hospedou em Nova Iorque (por recomendação de terceiros, i.e., a Mariana) há alguns anos, havia morado na cidade até recentemente. Obviamente, fui me informar com ele sobre lugares interessantes para ir. Ao que ele me respondeu ‘Porque você não pergunta para a minha esposa?’. Ele provavelmente já havia me dito que ela ainda morava por aqui, mas a informação não formou sinapses. Pois bem, depois de mais alguma conversa com o Alex (ao longo da qual ele me ofereceu emprestada uma bicicleta que ele havia deixado por aqui), mandei um email para a Nandini, esperando uma resposta educada com uma ou duas recomendações de restaurantes. Recebi uma enorme missiva, com uma lista detalhada de restaurantes e atrações, comentada e indexada, seguida de uma série de convites para almoços, bar crawls e socials. 

Ainda estou trabalhando com afinco em ambas as listas.

Pode não parecer, mas também tenho aproveitado bastante os congressos científicos. O JB Johnston (lema: ‘We have more brains than you’) é um encontro pequeno, essencialmente sobre neuroanatomia comparada; então assistimos palestras sobre o sistema nervoso de todo tipo de animal que jamais pisou na arca de Noé ou nadou a sua volta: lesmas e sangue-sugas, polvos, tartarugas, elefantes e baleias, etc. O SfN, por outro lado, transforma todo ano um centro de convenções em uma pequena vila habitada por neurocientistas e vendedores de equipamento de laboratório. Para alguém como eu, que vem de outra área, as palestras plenárias são extremamente úteis. Devido à generalidade de assuntos e a sua própria natureza bogdoniana, a SfN não é o tipo de encontro que estimula discussões profissionais mais intimistas; mas por alguma razão este eu tive mais e mais interessantes discussões do que nos eventos anteriores.  De fato, acho que após discutir dismorfia sexual das glias com um professor japonês bêbado, estou apto a debater qualquer assunto.

Em termos pé-na-jáquicos, o mesmo tem acontecido. Explorei a arquitetura local, comi jacaré defumado e insetos fritos no museu homônimo (cobertos de chocolate, não têm muita graça; mas waxworm com temperos mexicanos é interessante, e grilo cajun é delicioso). Eu já saí com gente de tantos países e estados dos EUA diferentes, ouvi tantos estilos de música distintos, e fui a tantos bares e restaurantes de todos os tipos, que já estou dando orientações detalhadas para turistas na rua. Acho que entendo a Nandini um pouco melhor agora...
 

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segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Hotel Villa Convento, New Orleans
Ciência e pé na jaca na Big Easy

Todos os fatores referentes à minha estada aqui em New Orleans até agora contribuíram para que eu poste com menos frequência neste blog. Eu apresentei dois trabalhos diferentes em dois encontros distintos, que têm sido tão interessantes quanto cansativos; esta é uma cidade fascinante, e o único lugar nos EUA onde eu consistentemente comi bem o tempo todo, e sai todas as noites com grupos vários e multinacionais. Entre a dicotomia de participar de congressos e enfiar o pé na jaca, tive pouco tempo e energia para postar no blog ou fazer qualquer outra coisa.

O charme da cidade não vem de alguma atração específica ou vista espetacular, mas da combinação dos charmes culinário, musical e arquitetônicos, sintetizados no (mas não circumscritos ao) French Quarter. Mesmo evitando a já um tanto batida Bourbon Street, aqui é possível ir percolando pela ruas locais, guiado somente pela arquitetura local, durante o dia, ou pela música emanando dos vários bares e congêneres, durante a noite. Como consequência, vamos então  experimentando uma variedade de ambientes, estilos musicais e bebidas alcólicas diferentes, e nos encontrando com pessoas randômicas, entre locais e turistas  (que, em geral, se mostram ser neurocientístas; como somos 30.000 em uma cidade de 300.000, tivemos um impacto demográfico localmente significativo).

Eu cheguei transnoitado no aeroporto, peguei um ônibus até o centro da cidade, e fui andando até a casa do meu anfitrião (couchsurfing!). Tomei um banho, troquei de roupa e tentei explicar para ele brevemente o que eu fazia, nesta ordem. Mas tive que deixar o meu mais novo (e bastante confuso) amigo para trás e ir direto, a pé por me faltar ainda uma bicicleta,  para o hotel onde ocorria a primeira das 3 conferências das quais vim participar*. Hotel alias famoso, o Orleans, onde os senhores das plantações locais iam a procura  de senhoritas mestiças (com exatamente 1/4 de descendência negra, não mais, não menos, e postadas nas extensas varandas rapunzelicamente) com quem formar o que era eufemisticamente conhecido como 'alianças'. A rua homônima termina nos fundos da catedral local (onde a sombra projetada pelos braços levantados de uma estátua de Jesus  deu origem ao apelido 'Touchdown Jesus')
 

A culinaria local é particularmente rica, com três grandes vertentes. A cozinha creole é tradicionalmente urbana, com grande influencia francesa, mas adaptando técnicas e ingrediantes. O mirepoix (cebola, aipo e cenoura refogados) se torna a  holy trinity (com pimentões substituindo as cenouras), os rouxes (farinha frita na manteiga, base de molhos vários) se tornam mais escuros (i.e., aquecidos por mais tempo, ficando mais saborosos mas menos espessos). Aparentada, a culinaria cajun é rural, mais rústica, e e com a fama de transformar em cozido ou churrasco qualquer vertebrado desafortunado o suficiente para se encontrar sob a mira de uma espingarda, preso a um anzol ou debaixo de uma roda de caminhonete. Finalmente, a soul food é a tradicional comida das comunidades negras locais (com influencias indígenas), usando  ingredientes locais e originados do oeste da África (e.g. o quiabo ou o feijão que chamamos fradinho), e que em alguns aspectos lembra bastante a culinária mineira/brasileira (feijão com arroz!). Como New Orleans é, de forma quase única nos EUA, um lugar onde elementos significativos da cultura africana foram preservados, é também um dos centros de difusão da Soul Food. Obviamente, as fronteiras entre os vários estilos são permeáveis. Todos fazem uso extenso dos frutos do mar e usam a baba do quiabo como espessante de molhos, por exemplo, e falam pelo menos a mesma linguagem gastronômica, embora em dialetos bastante distintos.

Este papo está me deixando com fome. Vou fazer um lanche na vizinhança, e depois preciso dormir. Posto mais nos dias seguintes.

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* As duas primeiras ocorreram no mesmo local em dois dias seguidos e foram organizadas pelo JB Johnston Club; me apresentei oralmente na segunda. A terceira é a enorme reunião anual da Society for Neuroscience, onde apresento um poster

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quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Aeroporto Intercontinental GB, Houston
Vampiros a bordo

Estou em Houston, esperando a minha conexão para New Orleans.

Assistir Abraham Lincoln, Vampire Hunter em um vôo noturno no meio de uma tempestade de raios foi épico. Exceto pela inexplicada proficiência de combate em Bullet Time do encartolado Sr. Lincoln, e alguma sequencias de ação CGÍsticas demais, o filme é de um realismo quase documentarial. Eu não certamente sabia da importância da prataria da Casa Branca para a vitória do Norte em Gettysburg na guerra da secessão americana... Espero ansiosamente as continuações: Andrew Jackson, Werewolf Slayer e Teddy Roosevelt vs. Goddzilla.

Viajei ao lado de uma modelo (sim, isto acontece) até aqui, e acabei me desdobrando como tradutor improvisado perante um inquisitivo agente de imigração. Ela está indo para Los Angeles para se encontrar com o namorado, um jogador no futebol europeu, mas algo na história (ou monoglotismo) dela encucou o tal agente. Como é a primeira vez que ela vem aos EUA, é interessante notar através de seus olhos o quão opressivos os procedimentos de segurança por aqui se tornaram. Certamente, é assustador ouvir barbaridades tais como:

'You are reminded that any inappropriate remarks or jokes may result in your arrest'

Que o autofalante local repete a cada 15 minutos (alternadamente com avisos sobre bagagem desacompanhada e exortações a respeito do entusiasmo que agentes de segurança supostamente teriam em responder perguntas de passageiros randômicos).

A voz incorpórea volta a chamar o meu nome, desta vez com sotaque Texano...

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quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Sala de embarque, Aeroporto do Galeão House in New Orleans

Estou a caminho de New Orleans, para dois congressos de neurociência. Depois, atravesso de trem os EUA de sul a norte, para uma reunião em Bloomington, Indiana. Para variar, estão chamando o meu grupo de embarque. Mais informações sobre o meu destino do vídeo abaixo


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quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Limbo onírico, meu cérebro
O horror, o horror

São 5 da manhã e finalmente vou tentar dormir. Os meus padrões de sono estão uma zona; Alguns dias eu tenho a impressão que eu nem adormeci nem fiquei acordado totalmente hora nenhuma. Hoje foi um destes dias. O dia inteiro passou, o Gabriel chegou da escola e a Ceci do trabalho, e eu sem conseguir produzir. Até que apelei, sai para pedalar as 9 da noite, andei 45km, e voltei para casa. Tomei um banho, me sentei na minha cadeira vestido somente com uma toalha, e finalmente consegui trabalhar, ouvindo alternadamente Muse e três versões diferentes das variações de Goldberg (de JS Bach)*, enquanto tropeçava no Bilbo e enchia o quadro de equações. Me sinto como o próprio Kurtz** aqui dentro deste Congo neuronal.


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* As gravações do Glenn Gould de 1955, 1980, e esta nova versão, de Kimiko Ishizawa, disponibilizada gratuitamente na rede. Não confundir com a conjectura de Goldbach.
** I.e, o Marlon Brando no Apocalipse Now.

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segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Vastitas Borealis, Marte
O blues do planeta vermelho

A minha maior fonte de ansiedade no momento é a chegada iminente em Marte de uma sonda sobre rodas que tem o tamanho de um fusca. A Curiosity é a missão de ciência planetária mais ambiciosa das últimas décadas. De fato, nesses tempos de vacas magras, provavelmente todo o futuro do programa de exploração marciana será definido pelo sucesso ou fracasso desta missão.

Historicamente, Marte tem sido um planeta difícil de se explorar. Dificil, e azarado. Os Soviéticos/Russos, que já conseguiram pousar e enviar dados da superfície muito mais hostil de Venus, nunca conseguiram efetuar uma missão completamente bem sucedida por lá. Tiveram alguns sucessos parciais em órbita, e só fracassos na superfície. Os americanos,  embora mais bem sucedidos em ambos os quesitos, também têm um histórico irregular. Em Marte a Lei de Murphy tem pelo menos tanto embasamento empírico quanto a segunda lei da termodinâmica. Quase literalmente tudo que poderia dar errado nas várias missões marcianas, deu. Foguetes explodiram ou colocaram as sondas nas órbitas erradas; erros de programação desorientaram painéis solares; vazamentos de combustível fizeram naves parafusearem fora de controle; baterias se descarregaram. Unidades métricas e imperiais foram confundidas umas com as outras e antenas de alto ganho engastalharam. Algumas sondas simplesmente deixaram de transmitir subitamente, sem explicações ou cartão de despedida.

A exploração marciana robótica começou em 1960, meros três anos após o início da corrida espacial. Com a mesma obstinação férrea e falta de caso com baixas eventuais que os levou à vitória em Estaligrado, os Sovieticos mandaram sonda após sonda para o planeta vermelho ao longo dos anos 60 e 70. E, assim como Dick Vigarista ou Willie E. Coyote, viram cada novo plano ir por água abaixo, pelas mais diferentes razões.

A primeira missão realmente bem sucedida, a Mariner 4 americana (sua gêmea, Mariner 3, se perdeu no lançamento) passou por Marte em 1965. Embora muito limitada tanto em tempo de observação quanto tecnologia, mostrou-se um balde de água fria para os entusiastas dos canais marcianos. Numerosas crateras de impacto, a ausencia de um dipolo magnético sério e cinturões de radiaçao, uma atmosfera com apenas 1% da pressão na superfície terrestre e temperaturas sub-glaciais indicavam um mundo morto, não o agitado Barzoon da ficção pulp ou mesmo o ambiente limitrofe coberto de vegetação sazonal postulado por muitos cientistas. A Mariner 9, em órbita a partir de 1971, mostrou um quadro um pouco mais ambíguo. Verificou-se que, se Marte está morto atualmente, pelo menos esteve vivo no passado. Geologicamente, vulcões extintos e o maior canyon do Sistema Solar (batizado Vales Marineris em homenagem à sonda) atestam uma geologia mais ativa no passado; e aparentes lagos e leitos de rios indicam que, sob uma atmosfera mais densa, agua líquida já existiu no passado (sólida, ela existe atualmente nos polos e sob o solo).

A primeira grande onda de robos exploradores terminou com as Vikings, duas sondas compostas cada uma de um orbitador e um módulo de aterrisagem. Grande parte da massa útil destes últimos era tomado por um conjunto de experimentos para procurar sinais de vida microscópica. Os resultados foram cruelmente irônicos, com três falsos positivos (depois atribuidos aos peróxidos presentes no solo) sendo afinal desenganados pelos instrumentos que atestaram a completa ausência de compostos orgânicos no solo.

A hibernação pós-apollo da Nasa implicou em um hiato de décadas até a próxima visita (neste interím, os soviéticos tiveram um sucesso parcial em uma missão até Phobos, a maior lua de Marte). Em 1997, finalmente, um pequeno e fotogênico robozinho chamado Pathfinder explorou titubiantemente as redondezas de seu ponto de aterrisagem, após quicar algumas vezes pela superfície, envolto em airbags. Desde então, Marte foi praticamente invadido por robos (nenhum dos quais achou Sarah Connor, porém), enviados em pequenas flotilhas a cada dois anos, o período sinódico de Marte em relação à Terra, que corresponde ao intervalo entre as janelas para lançamento em órbitas de energia mínima. Existem atualmente três satélites operacionais em órbita marciana, que serão usadas para monitorar e retransmitir dados da sonda.

Pois bem. Em menos de uma hora, a Curiosity vai chegar em Marte diretamente para uma reentrada atmosférica, sem nem mesmo a cortesia de uma órbita ou duas para aclimatação. Ela é uma criatura diferente do Pathfinder, que é do tamanho de um carrinho de controle remoto, ou de seus sucessores, Opportunity e Spirit, do tamanho de cortadores de grama. Sem contar o escudo térmico ablativo e todo o aparato de trânsito e aterrisagem (amartisagem?), o Curiosity tem o peso e dimensões aproximados de um fusca? Como, afinal, se coloca um fusca na superfície de outro planeta? Devagar e com jeitinho, segundo a Nasa.

O procedimento de aterrisagem é barroco. Após perder a maior parte dos seus 6 km/s de velocidade por fricção com a atmosfera (protegida por um escudo térmico ablativo), um para-quedas irá se abrir, e dissipará um pouco mais de velocidade. O fundo da capsula então ira se abrir, deixando cair a sonda, presa na parte de baixo de uma plataforma dotada de retrofoguetes. Estes irão frear ainda mais a decida enquanto, próximo ao solo, a sonda é guinchada para baixo até ficar pendurada por três cordas a alguns metros abaixo da plataforma. Esta configuração inusitada irá, se tudo der certo, depositar suas 6 rodas diretamente no solo marciano, após o qual a plataforma pirotecnica cortará os cabos e dará um último salto para se espatifar alhures.

Espero muito que tudo ocorra como descrevi acima. Não só pela ciência (em quantidade e qualidade, a intrumentação no tal fusca marciano é sem precendentes, em alguns casos  por ordens de magnitude), mas também pela satisfação de ver dar certo um plano que poderia ser plausivelmente atribuido ao MacGyver, ao Esquadrao Classe A ou ao Visconde de Sabugosa.

Para quem for sonâmbulo ou penitente, é possível acompanhar a modalidade mais nerd das olimpíadas (aterrisagem de sonda em equipe) no SpaceFlightNow, na NASA mesmo, ou no Twitter (hashtag: #MSL). A própria sonda
twita regularmente, o que pode ser considerado inovador ou perturbador, dependendo da perspectiva de cada um e de quantas vezes assistimos 2001 e o Exterminador do Futuro. 

Agora é só esperar. De  uma forma ou de outra, teremos notícias em breve.



PS: Ainda vou postar mais sobre a Espanha. Onde de fato estive, ao contrário de Marte.

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terça-feira, 31 de julho de 2012

Casa, Rio de Janeiro
Fatos e fotos

Ainda tenho vários posts sobre a viagem para subir, mas fisicamente estou de volta ao Brasil. Enquanto enrolo, coloco aqui as fotos que tirei da viagem, que estão todas no Flickr. Separei as fotos em três categorias: As de Barcelona propriamente dita:




A bicicletada catalúnica pela trilha Ripoll-Olot-Girona-Sant Feliu de Guíxols:




 E, finalmente, as fotos do interlúdio francês, em que fui visitar a cidade murada medieval de Carcassonne e pedalar pelo Canal du Midi:



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domingo, 22 de julho de 2012

Hostel Olot, Olot
Fluência

Estou falando um catalão fluente! Fluente, digo, não necessariamente correto ou mesmo inteligível. Mas é fato que em alguns aspectos esta é uma lingua que se aproxima do português mais do que do castelhano (nunca se referem a língua falada em Madri como espanhol por aqui...). Do tchau à linguiça, algumas palavras aparentemente pularam o recheio entre as costas oeste e leste da península ibérica, e a prosódia do catalão lembra muito, e de fato pode ser confundida a baixo volume com, o português de Portugal, com os matutos locais falando em um estacato de erres dentais explosivos que é, francamente, tão difícil de entender quanto o seu equivalente dos rincões lusitanos.

Olot é a menor e mais pacata das cidades que vou visitar. Além de uma um tanto lúgubre igreja local, e de um punhado de prédios modernistas (abaixo) ela tem nas redondezas um grade número de vulcões inativos, um dos quais subi hoje mais cedo. Existe uma pequena abadia no topo, de onde tremula a bandeira da catalunia da foto acima. Supostamente, e se me lembro bem, a bandeira representa as marcas deixada em um estandarte (amarelo, suponho) pelos dedos sangrentos  de um martir nacional mortalmente ferido, cujo nome me escapa. Fora a bandeira e a abadia, havia uma animada velha que entabulava conversas aleatórias com transeúntes randômicos. Eu não entendia bem a discussão, mas pela reação dos tais transeúntes ela parecia estar descrevendo seu plano para aterrisar discos voadores na antiga  cratera do vulcão.

Falando em fluxos piroclásticos, os diversos e deliciosos queijos e embutidos dos quais consistiu a minha dieta até então resolveram escolher esta hora para clamar vingança. Desci lépido o cone basáltico, pedalei célere até o hostel, e assumi prontamente uma posição mais, digamos, contemplativa pelas horas subsequentes. Agora estou melhor, mas parto para Girona bem mais tarde que o planejado.










  

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sábado, 21 de julho de 2012

Hostal del Ripolles, Ripoll
Um Cântico para Vilfredo

Começos são sempre arbitrários. São necessários, porém, para se contar uma história. A da Catalunia, podemos convencionar, começa no século IX, com os esforços de um potentado local para repopular e unificar a devastada região de fronteira entre os reinos mouros e o imperio carolingeo. Vilfredo, conhecido em proporções desconhecidos de afeto e sarcasmo, como 'o Cabeludo' (Guifré el Pilós), era um nobre de modestas posses quando foi nomeado conde de Barcelona e carcanias. O imperio de Carlo Magno se fragmentava, os mouros se retraiam, e ele viu ai a sua chance.

Ripoll se situa no ângulo entre dois rios de margens abruptas. A combinação de acessibilidade  e defensibilidade certamente figuraram no cálculo mental do hirsuto conde, que aqui fundou o monastério de Santa Maria de Ripoll. Em uma época iletrada e politicamente fragmentada, onde o tráfico de bens e informação era difícil e perigoso, e a Pax Romana era uma memória distante já assumindo ares de mito, um monstério era muito mais do que um retiro espiritual (como qualquer um que tenha lido 'Um Cantico para Leibowitz' sabe). Como o único repositório do saber escrito da região, o monastério adquiriu um poder muito maior e mais duradouro do que o advindo de qualquer exército feudal; não um poder sobre pessoas ou territórios, mas sobre informação.

Uma 'idade das trevas' não surge porque os recursos humanos e físicos nescessários para uma civilização coesa deixaram de existir, mas sim porque eles deixaram de ser aplicados de forma coordenada. A ausência de normas culturais e tradições em comum que simplificam e tornam seguros o comércio e o intercambio de ideias transforma vizinhos em estranhos, e atrofia o universo mental a aquilo que é delimitado pelo horizonte e por laços de sangue. Este processo de fragmentação vinha ocorrendo na Europa em geral, e na Catalúnia em particular, desde que os romanos penduraram as chuteiras. Em graus variados de desagregação sob os vários reinos sucessores, dos vândalos, godos e francos, a região era como um conjunto de redes, cada um operando sob os seus próprios protocolos, mas mal se comunicando entre sí. O monastério foi o TCP/IP que unificou todas as redes, o nodo central de um eventual backbone que a partir dele se propagou como pequenos esporos monásticos até povilhar a região de um rede interligada monastérios e conventos. Esta rede criou uma lingua franca cultural baseada no cristianismo monástico ancorado no poder da língua escrita, e protegida por grossas paredes e o braço peludo de um poder secular mais esclarecido. Registros dinásticos eram mantidos, transações comerciais eram registradas e tradições eram propagadas. Aos poucos, a Catalúnia voltou a vida. 

Tenho que terminar aqui porquê preciso desocupar o quarto do hotel antes que a proprietária ponha a porta abaixo. Daqui parto para Olot, cidade conhecida pelas dezenas de vulcões inativos nas redondezas. Chego lá através de Sant Joan de la Abadessa, onde fica um convento fundado pela formidável filha de Vilfredo, o peludo (Santa Emma), e por um passe montanhoso a 1070m de altitude chamado Coll de Santigossa.

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quinta-feira, 19 de julho de 2012

Casa de Javi, Raquel e Aridt, Barcelona
Hiato


"Nos, que somos tão bons quanto você,  juramos a você, que não é melhor que nós, que lhe aceitaremos como nosso rei e senhor soberano, contando que você respeite todas as nossas leis e costumes. Se não, não."

Este é o juramento que os catalões (e aragoneses) juravam para a coroa espanhola em Madri. É um exemplo representativo do sentimento de independência e excepcionalismo local que caracterizava e caracteriza a catalúnia, e a chave para entender a sua história. Muito precocemente, no século XIII, os catalões formaram um proto-governo representativo, cujo orgão deliberativo era  por uma centena da cidadãos de todas as classes sociais, nomeados pelo potentado local, os 'Cent' na língua local (que soa bastante como português de Portugal). A noção de um governo cujo poder deriva do consentimento dos governados, e não da vontade divina, é  profundamente arraigada na cultura local, razão pela qual a Catalúnia, e sua capital Barcelona em particular, sempre foram baluartes do sentimento republicano, anarquista e outros -istas.

Toda esta digressão histórica é para dizer que estou bem hospedado em uma casa de amigos situada na Praça del Cent, em rua homônima. Estou aqui para participar de mais um congresso de neurociência (a FENS, falando sobre redes neuronais desta vez).  Passei 2 3 4 dias sem postar não por falta do que dizer, mas por falta de tempo para dize-lo: Essencialmente, quando não estou no congresso assistindo a algo interessante, estou na cidade pedalando por, fotografando ou visitando algum ponto local de interesse. A combinação de um congresso instigante, uma cidade que parece infinitamente fascinante, e os hábitos noturnos dos locais (e, por consequência, de seus estabelecimentos comerciais) me deixa muito pouco tempo para dormir, quanto mais postar no blog.

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sábado, 14 de julho de 2012

Vôo AA112, em algum lugar sobre o Atlântico Norte

Existem duas '2nd Street' em Miami. Uma SW e outra SE. Passei um bom tempo procurando em uma por um hotel que na verdade ficava na outra. Graças a isto, quase, muito quase, perdi o avião. Depois de uma corrida de taxi que teria sido frenética no Rio, mas em Miami foi apenas um pouco mais dinâmica, e depois de negociar um tanto violentamente com uma extorsiva (US$ 5) e renitente máquina de carrinhos de carga, cheguei no balcão da American. Consegui angariar suficiente simpatia da gestora local da fila para ser passado para a frente, mas o tempo era exíguo. As atendentes (que não manifestaram nenhum interesse em particular por minha mala), prestativas, ficavam me informando quanto tempo eu ainda tinha para conseguir embarcar. 'Você tem 8 minutos para fazer o check-in!'... 'Você precisa chegar na sala de embarque em 5 minutos!'... No final cheguei. E para não dizer que chegar atrasado não tem suas vantagens, me descobri na classe executiva.

Suponho que standbys vários já tivessem sido chamados, e uma das atendentes cronometrantes me colocou no último assento disponível. Provavelmente o pior assento da classe, no meio da última fileira. Mas mesmo assim muito além que qualquer coisa disponível para a hoi poloi nos fundos do avião. Uma análise pseudo-marxista de botequim afirmaria que o meu propósito, como recém-elevado membro da classe executiva, interposto física e socialmente entre a 1a classe e o proletariado aéreo, seria  lutar até meu último folego para preservar os previlégios dos primeiros, cujos maneirismos procuro imitar, contra arroubos revolucionários dos segundos, de quem procuro me distinguir.

Achei portanto mais útil assisitir o filme de bordo (sobre robos lutadores de boxe) e escrever este post do tecer análises pseudo-marxistas de botequim.

PS: Estou subindo o post de um bar comandado e frequentado por Tchecos, e onde mesmo assim fui servido um lauto lanche espanhol. Cheguei na casa dos meus simpáticos anfitriões (um casal com um filho de 2 anos) depois de pedalar do aeroporto até aqui. Andar na estrada não é muito complicado, devido ao acostamento. A única parte mais sinistra foi um elevado, sem aconstamente, que percorri por engano ao errar uma interseção.

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sexta-feira, 13 de julho de 2012

Courtyard Merriot Downtown
Roubando a minha própria bicicleta

O cadeado da minha bicicleta foi arrebentado hoje, em Key Biscayne. O responsável saiu pedalando com ela até sumir no horizonte. Felizmente, já existe um suspeito. É um físico brasileiro em trânsito que trouxe a chave do cadeado errado. Eu cheguei aqui em Miami para uma visita relâmpago. Estou em trânsito, na verdade, por 14 horas entre o Rio e Barcelona. Vim encontrar um amigo meu (e usar o hotel dele como base de operações), pegar um celular novo (Galaxy III; mudou minha vida...) e andar um pouco pela cidade. Que conheço de quando vim em excursão Dísnica quando tinha 11 anos e a minha fraseologia em inglês se limitava a 'Coke, no ice'.

 Cheguei muito cedo, e fui andar de bicicleta até um parque estadual que fica na ponta da Key Biscayne, Passeio agradável por uma série alternada de ilhotas e pontes, com parada para pastel de goiabada e guarapa. Cheguei no tal parque, prendi a minha bicicleta, e fui para a praia...
Miami 2012 013
O mar por lá é calmo, limpo e morno. Fiz por algumas horas o usual que se faz em praias (ou que pelo menos eu usualmente faço). Mas nuvens de chuva se aproximavam, e era hora de ir embora. Exceto que, como reconheci quase imediatamente quando a saquei, a chave que havia trazido era do cadeado de outra bicicleta...
Miami 2012 009
O ranger do parque não demonstrou muita simpatia. Não, ele não dispunha de um alicate ou assemelhado. Não, não havia nada que ele pudesse fazer. Sucks being you, see ya. Resolvi fazer justiça com minhas próprias mãos.

O meu canivete Leatherman tem várias funções, das quais a faca e o alicate com cortador de fio têm particular relevância para a presente história. O meu cadeado consistia de um fio de tecido guiando um trança de cinco feixes de cabos de aço, que por sua vez são envolvidos por uma mangueira de plástico. Comecei cortando uma seção da mangueira, e em seguida comecei a atacar os fios, um a um. Isto ocorria no meio de uma passarela de madeira por onde circulavam transeuntes vários, que poderiam plausivelmente questionar o meu respeito ao conceito de propriedade alheia. Nenhum policial surgiu gritando 'Step away from the bike and put away that multitool!'. Mas a paranoia era tanta que, ao ver um casal de velhinhos me olhando com curiosidade, confessei preemptivamente o que fazia e expliquei a situação. Longe de tentarem se afastar de alguém que não só era manifestadamente ladrão com também louco, eles manifestaram simpatia pela minha situação, e curiosidade sobre como eu havia parado ali. "Eu tenho ferramentas no carro" - disse o homem. - "Vou ajudá-lo!".
Miami 2012 014
Com uma combinação de um alicate de bico mais nutrido, um martelo, força bruta e paciência, cortamos finalmente o cabo. Me despedi do simpático casal*, e me pus a caminho. Almocei com o Kirby em um restaurante indonésio, e vou só fazer algumas compras e voltar ao aeroporto. Chego em Barcelona, se tudo der certo, amanhã de manhã.
Miami 2012 015

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* A senhora era de Maryland, e o senhor é um cidadão americano, ex-turco e ex-imigrante ilegal nascido as margens do mar negro.

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quarta-feira, 11 de julho de 2012

Terminal 8J, Aeroporto do Galeão, Rio de Janeiro
You can check in anytime you like...

misc 178 


"Isto ai na mala é uma bicicleta?"

Fiquei alarmado com a pergunta do responsável pelo check in da American Airlines. Explico. Dois anos atras, levei a mesma bicicleta dobrável em um vôo da United, entre Washington e Amsterdam. A atendente, impassível sob uma grossa crosta de maquiagem, estava a ponto de processar a mala da bicicleta sem nenhum comentário, quando eu cometi o erro de pedir por um adesivo de 'frágil'. "Frágil porque?  O que tem ai dentro?" - Ela perguntou -  "Ora, minha bicicleta dobrável", respondi. "Aaaahhh... Mas a companhia cobra uma taxa de U$200 dolares por bicicleta", ela me informou em triunfo. Eu havia de fato lido as regras de bagagem da United. A taxa existia, mas se referia somente a bicicletas de tamanho normal, encaixotadas. Bicicletas que coubessem dentro de uma mala regulamentar eram isentas.  Eu sabia disso, ela não. Nem sua supervisora. Elas exigiam saber onde, no site da United, estaria escrito esta regra. Eu não me lembrava da URL...

Algumas iterações deste debate estéril depois, a fila atras de mim se alongava, e o horário do meu vôo se aproximava. As duas atendentes provavelmente eram sinceras na sua ignorância, mas absolutamente irredutíveis na sua obtusidade. Afinal, se a mala com conteúdo ignorado seria despachada sem problemas, como a informação sobre a presença da bicicleta alteraria a situação? Ocasionando o colapso da sua função de onda?

Acabei pagando a taxa, cuspindo cobras e lagartos. Chegando em Amsterdam, escrevi para todo e qualquer email da United que consegui achar. Após alguns dias sem resposta, encontrei em algum lugar o email do presidente da companhia. A resposta não foi escrita ou assinada por ele, mas foi quase imediata. O meu correspondente (que sempre vou imaginar como a versão carne-e-osso do Smithers...) confirmou a isenção das bicicletas dobráveis. Alguns email, meses  e resmas de legalês depois, um acordo foi acertado em que eles me devolveriam o dinheiro na forma de crédito para compras futuras.

Desta vez, a curiosidade na hora do checkin era mais benigna. O atendente certamente tinha uma atituda um tanto mais positiva a respeito de viagens bicicletas dobráveis. Quanto custava? Quantas marchas tinha? Onde comprar? Acabamos batendo um papo animado, embora eu não creia que o resto da fila tenha compartilhado do nosso entusiasmo.



Agora embarco. O plano é passar algumas horas em Miami, comprar finalmente um celular, encontrar com amigo fuzileiro naval que trabalha por perto e pedalar até a ponta da Flórida. Depois sigo para Barcelona e o concomitante congresso de neurociência (a FENS 2012), e terminando por uma bicicletada rápida pelos Pirineus, um pulinho na cidade murada de Carcassone, e uma visita relâmpago a Paris.

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sábado, 9 de junho de 2012

Pousada da Serrinha, Ouro Preto
Convergência teleológica e etnografia Jeca-Tatúica

Ferias 2010-11 103 

É uma vergonha que este blog tenha estado parado por mais de seis meses. Por outro lado, é igualmente uma vergonha que a minha vida não tenha, por razões várias, andado muito para frente no mesmo período. No esforço de induzir algum tipo de convergência teleológica entre os dois, eis que escrevo um post novo, que sera tamen.

Em geral as viagens que inspiram os meus posts descrevem lugares que visito pela primeira vez, ou pelo menos se referem a coisas novas e (presumo) interessantes que fiz em lugares já visitados. Desta vez, estamos eu e a Ceci em Ouro Preto por alguns dias, para essencialmente ficar na mesma pousada, visitar os mesmos lugares, comer nos mesmos restaurantes e fazer as mesmas coisas que fizemos/ficamos/comemos/visitamos em passagens anteriores. As vezes este tipo de viagem também é necessária...

Não é que eu não tenha nada para dizer sobre Ouro Preto; mas eu teria que escrever muito para dizer algo verdadeiramente interessante, e como não quero me esteder aqui, não direi nada. Mas menciono brevemente um lugar peculiar, a meio caminho entre BH e Ouro Preto, que visitamos no ano passado.

Imagine que arqueólogos do futuro escavassem cuidadosamente as ruinas de Belo Horizonte, a mítica Belzonte de outrora, até encontrarem a camada estratigráfica referente aos anos 70. Sem enteder o seu propósito, eles seguem uma longa e ilustra tradição na arqueologia e atribuem um significado ritual a diversos items de uso corrente na época, tais como máquinas de escrever e secadores de cabelo. Por outro lado, a profusão de pequenos discos de resina plástica preta com um padrão espiral de ranhuras sugeriria o seu uso na construção civil, possivelmente para a calafetação dos interiores das primitivas habitações da época. Finalmente, embora sem ainda conhecer os detalhes da cultura e religião dos antigos Belzontinos, nossos futuros estudiosos provavelmente concluirão que eles cultuavam uma estranha divindade sorridente, com longos cabelos negros, e normalmente representada vestido de branco, ou usando intricados medalhões carregados de um profundo mas oculto simbolismo.

O diorama em exposição no Museu Etnográfico de Tychograd tentando explicar tais achados provavelmente se pareceria muito com o Museu do Jeca Tatú.

O local é quase literalmente indescritível: Ele parece ser o fruto do alcolizado cruzamento entre um brechó e uma casa de fazenda mais rústica, que decidiu ganhar a vida vendendo pasteis de angú. É um passeio interessante (e os pasteis são bem decentes), obviamente o amoroso trabalho de uma vida. É um lugar de que gosto bastante, mas não posso dizer que entendo. De qualquer forma, seguem algumas fotos, do MdJT e de Ouro Preto.

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