terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Casa, Belo Horizonte
Educação artística

Eu comecei a dar aulas de física na UFRJ pela grana...

Uma semi-carreira como professor substituto não é, suponho, o que se costuma imaginar como o caminho para a fama e riqueza. Mas, precisando do dinheiro e sabendo que poderia acumular o cargo com minha bolsa de pos-doc se fossem ambos na mesma universidade, me candidatei a uma vaga. Em 2010.

Mesmo sem qualquer experiência didática digna de nota, fui aprovado. Sinceramente, não esperava gostar de dar aulas; seria apenas uma obrigação, a ser cumprida diligentemente mas sem particular entusiasmo.

Literalmente o primeiro tópico que abordei foram as leis de Kepler. Acho que o primeiro comentário que ouvi dos meus primeiros alunos foi um pedido para falar mais devagar. Alguns deles devem estar até hoje se perguntando o que aquele maluco achava de tão interessante em elipses e hipérboles.

Eu descobri que lecionar era não só agradável, mas entusiasmante. Preparar uma aula é, notei, uma excelente e fecunda maneira de reencontrar a física básica com uma perspectiva ortogonal a de um estudante que encara a matéria pela primeira vez. O que me parecia contingente, arbitrário ou irrelevante agora *faz todo sentido*! As conexões que se apresentam com outros tópicos e áreas são tão numerosas e interessantes, que a preparação acaba se tornando em grande parte uma questão de poda temática. A aula em si é uma ocasião para tentar transmitir parte deste entusiasmo para os alunos.

Fui contratado em carater efetivo em 2013, e continuei lecionando. A dois semestres ensino Física Moderna, um curso introdutório de mecânica quântica.

Obviamente, entusiasmo é uma faca de dois gumes. Meus alunos correm menos o risco de cair no sono, mas eu me arrisco a sair por tangentes aleatórias ou a, em arroubos de excesivo entusiasmo, transformar a sala de aula em uma versão científica de um culto evangélico (´E a quantização de Planck tocou a estatísitca de Maxwell-Boltzmann, e o demônio da catástrofe ultravioleta foi banida para todo o sempre! Aleluia!'). Mas tento me controlar.

Uma outra dificuldade é saber o quanto do que foi dito foi efetivamente entendido. O que é óbvio e ululante para o professor pode ser um exoterismo quase opaco para os alunos. E extrair um 'Não entendi!' destes últimos, mesmo daqueles com olhos arregalados e expressóes de terror após alguns passes matemáticos mais ousados, pode ser mais difícil que espremer leite de pedra.

É por isso que procuro sempre (nem sempre com sucesso) me enxergar da perspectiva deles. E é por isso que achei tão fenomenal que uma talentosa aluna de biofísica que frequentou meu curso este semestre, a Eduarda Morsch, tenha me desenhado enquanto eu ensinava a Teoria da Relatividade restrita. Alguns puristas podem levantar objeções ao modelito bermuda-e-havaianas, mas acho que o desenho também captura um pouco da intensidade maníaca nos meus olhos quando falo sobre quadrivetores e invariantes de Lorentz...

Mais bem vestidos estão os três cavaleiros abaixo. Schrodinger, com seu gato meio vivo-meio morto, Einsten e seus trens e relógios em uma dança quadridimensional, e Planck e o espectro da radiação de corpo negro que a incipiente teoria quântica conseguiu explicar. Um resumo de metade do meu curso melhor do que qualquer apostila que eu conseguiria produzir.


Ensinar é uma via de mão dupla.


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