segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Casa, Belo Horizonte
Não só de cérebros picados vive o ser humano

Esta é a época dos trenós voadores, shoppings apocalípticos e comilança desvairada. Me mantendo fiel a esta última tradição, na semana passada fizemos um almoço de Natal/Chanuka/Solstício de Verão/Muharam na casa da Suzana. Fiquei responsável pela parte salgada. Eis as receitas. Reduzi as proporções para umas 6 porções bem nutridas por prato, mas como faço muita coisa no olhômetro, não garanto muita precisão.

Foram duas entradas e três pratos principais. Infelizmente não tenho fotos, mas se alguem tiver alguma e me mandar eu posto aqui.


Tomates recheados com cogumelos e alho poró


Ingredientes:
6 tomates grandes, ainda firmes mas não verdes
150 g de cogumelos de Paris frescos, sem os talos e cortado em fatias finas
150 g de Chitaque fresco, sem os talos, etc.
1 talo (uns 30 cm) de alho poró, cortado em rodelas finas
50 g de bacon picado em cubinhos
Molho de soja
Azeite balsâmico
1 colher de chá de Açucar mascavo
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Despele os tomates. Eu faço isso mergulhando-os em uma panela de agua fervente rapidamente, e depois transferido-os para uma vasilha com agua fria. A pele sai facilmente.

Faça um corte em forma de cone no topo dos tomates. Corte a base da tampa. Remova o interior do tomate (sementes e a maior parte da polpa) com uma colher.

Em um wok ou frigideira grande sobre fogo alto, coloque 1 colher de manteiga e um filete de azeite. Deixe derreter, e adicione o bacon. Frite por 2 minutos, e adicione o cogumelo. Mexa vigorosamente até os cogumelos ficarem macios (uns 2 minutos) adicione o alho-poró e continue agitando maniacamente por mais 1 min. Desligue o fogo e adicione mais uma colher de manteiga para ficar cremoso. Misture, e recheie os tomates com o resultado. Salpique com cebolinha e pimenta fresca picados. Leve os tomates ao forno pré aquecido, por uns 10-15 minutos.

Enquanto isso, misture o azeite balsâmico, shoyo, açucar e cebolinhas bem picadas em fogo baixo, e deixe reduzir até adquirir a consistencia de calda rala. Retire os tomates do forno e, com uma colher, passe alguns filetes da calda ainda quente sobre os tomates.

M´sakhana (um prato iraquiano com grafia incerta)

Ingredientes:
1 Peito de frango com osso
300 g de cebola roxa
5 dentes de alho
Pão sírio (quanto maior e mais fino melhor)
Sumac (a gosto, mas em doses generosas)
Pimenta do reino
Tomilho
Azeite
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Cozinhe o peito de frango com duas colheradas de sumac, alguns ramos de tomilho, sal e pimenta do reino, em um saco/ziplock imerso em agua fervente por uns 40 minutos(se tiver tempo, faça isso em agua não-fervente (uns 80 graus) por 2 horas. Retire do saco, reserve os sucos emanados da carne, e desfie o frango

Pique metade das cebolas em cubinhos, e a outra metade em rodelas finas. Refogue a fração cubada, com alho e um raminho de tomilho. Adicione o frango desfiado e mais azeite, deixe ganhar uma cor, e adicione as cebolas em rodelas, sumac, sal e pimenta a gosto. Cozinhe até a cebola começar a amolecer.

Enrole o resultado no pão, regue generosamente com azeite, adicione pimenta e coloque uns ramos de tomilho em cima de tudo. Asse em um forno bem quente (uns 240 graus) até o pão começar a tostar.

Costela de boi cozida no vinho

Ingredientes:
650 g de costela com osso
500 ml de vinho tinto
1 lata de tomates italianos despelados
Suco de um limão ou lima
Talos de cogumelo, aipo e cenoura cortados grosseiramente
Tomilho, alecrim e louro
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Esta receita reaproveita os restos eventuais de outras em um cozido, e ainda produz ossos de costela para fazer um caldo de carne (reserve as aparas da carne e alguns vegetais para o caldo, se for o caso).

Refogue a carne e os vegetais em um pouco de azeite. Adicione o vinho, um pouco de agua, sal, ervas e e pimenta. Cozinhe na panela de pressão até a carne começar a desmanchar. Destampe a panela, adicione os tomates, e cozinhe mais um pouco até o molho ficar bastante reduzido e espesso.

Se tiver tempo, refrigere o molho e retire a gordura que vai se solidificar no topo do recipiente. O mesmo vale para o caldo.

Exprema o limão/lima logo antes de servir, e cozinhe por uns 3-4 minutos.

Cuscus marroquino com legumes e cogumelo

Ingredientes:
400 g de cuscus
400 ml de caldo de carne (vide receita anterior)
1 cebola pequena
Vegetais bem picados
70 g de manteiga

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Refogue bem a cebola. Refogue os demais vegetais até começarem a amolecer (respeite o tempo de cozimento de cada um; cenouras demoram mais que aipos que demoram mais que cogumelos). Adicione o cuscus em fogo médio, deixe ele absorver os sucos dos vegetais (1 ou 2 minutos), e adicione o caldo quente. Deixe o cuscus absorver o caldo, abaixe o fogo e adicione a manteiga, mexendo suavemente com uma colher de fundo chato. Separe os grão com um garfo e sirva.

Medalhões de filé com crosta de alho, salsinha e farinha de rosca (´Persillade´)

Ingredientes:
6 medalhões de filé, com um pouco de sal
18 dentes de alho, picados
1 maço de salsinha muito bem picada
100 g farinha de rosca
1 clara de ovo
Manteiga
Mostarda de Dijon

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Refogue o alho na manteiga até começara a dourar, adicione a farinha e a salsinha, e misture até a farinha absorver toda a manteiga e mudar de cor. Bata a clara em neve e incorpore à farofa. Passe rapidamente os filés em uma chapa ou frigideira, e cubra um dos lados com uma camada fina de mostarda, e uma camada grossa da farofa. Asse em um forno com o dourador no máximo, ou em um forno normal a 240 graus, por uns 5-10 minutos, ou até a crosta ficar crocante. Sirva com um molho feito adicionando vinho à frigideira usada para passar os medalhões, reduzindo o caldo resultante com pimenta sal e ervas, e incorporando um pedaço de manteiga (fria) já na molheira.

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segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Hotel da ASUFEMG, Cabo Frio
Haiku turístico em Houston


Foi só voltar de viagem que o meu ritmo de postagem no blog voltou a níveis vergonhosos. Estamos em Cabo Frio para passar o fim de semana com os pais da Ceci, e aproveito a madrugada para postar sobre o meu último dia nos EUA, a mais de um mês atrás.

A Continental Airlines tem o seu centro de operações em Houston, então quase todos os seus vôos internacionais passam ou terminam por lá. Na ida, como já descrevi, fiquei algumas horas fazendo turismo involuntário pelos terminais do aeroporto 'intercontinental' (uma descrição que também seria apropriada a um aeroclube em Istambul; mas divago), a procura de um lugar em um vôo para Chicago, após ter estupidamente perdido a minha conexão original. Na volta, cheguei em Houston sem contratempos para uma parada de 6 horas até o horário do vôo para o Rio. Originalmente, eu pretendia apreveitar para conhecer o centro espacial (para onde os astronautas anunciaram que tinham 'um problema'); mas tanto o centro quanto o aeroporto ficam longe da cidade, em direções diametralmente opostas, e não havia qualquer tipo de transporte direto. Transporte público, alias, é algo por cuja falta a cidade é notória (pelo menos entre meus amigos em Chicago). O plano B era uma breve caminhada pelo centro da cidade, a procura de algo interessante para ver ou fazer. Mas para isso eu precisava chegar lá.

As moças na central de informações não foram muito encorajadoras. Eu poderia pegar um onibus expresso, por US$ 15 pela ida e outros tantos pela volta, ou um taxi. Sei que os americanos gostam de carros, e texanos, pelo menos por reputação, gostam mais ainda. Mas me pareceu improvável que as faxineiras, carregadores e demais funcionários na base da cadeia alimentar profissional dirigissem todos os dias em comboio para o trabalho. Fui me informar então (sem intenções irônicas) com o cara que organizava o embarque de passageiros no tal ônibus expresso. Claro que há transporte público! - me disse ele - Atravesse a rua (na saída do terminal C), se junte ao grupo de senhoras hispânicas tagalerantes, e pegue o 102 até o centro. Demora um pouco mais, mas só custa US$ 1.25.

O onibus de fato vai percolando preguiçosamente pelos subúrbios da cidade (eu era aparentemente o único passageiro de algum vôo no onibus), até finalmente resolver encarar a tarefa de chegar ao centro com seriedade, e pegar a avenida multipistas. Passamos por shoppings que consistiam em arquipelagos de lojas e restaurantes em meio a um mar de estacionamentos e ruas de acesso; lugares onde o próprio conceito de pedestre parecia um tanto incongruente. As habitações variavam entre condomínios arborizados, agradáveis mas um tanto artificiais, e conjuntos habitacionais desagradáveis e artificiais.

Houston é uma cidade plana, feita para carros, com um centro um tanto abrupto de arranha céus e ruas cartesianas. Onde nada abre aos domingos. Fiquei andando meio a esmo pelas ruas quase desertas, a procura do que fazer. Após uma hora, comecei a tomar conciência de que ouvia uma música meio latina, vinda sabia-se lá de onde. Seguindo meu ouvido, trombei com um animado festival de cultura cubana e porto-riquenha. Acabei almoçando um reforçado PF portoriquenho, delicioso. A música era ao vivo, cubana, e bastante agradável. Passei algum tempo olhando os carros esporte em exibição, apreciando a música deitado na grama, e ouvindo um senhor cubano contar como ele passou dois dias a deriva no mar
(juntamente com mais 40 outras pessoas) até conseguirem consertar, de forma McGuyveriana, o motor do barco, e chegarem até a Florida.

Voltei para o aeroporto no velho e bom 102 (tem um ponto na esquina de Travis com Jefferson). Cheguei ao aeroporto com uma antecedência decente, não me atrasei ou tive quaisquer contratempos, e embarquei de volta para o Brasil.

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domingo, 25 de outubro de 2009

Sofá da Kelly, Chicago
go to Wabash and Lake



Ultima noite em Chicago. Para quem não sabe, estou me hospedando na base do couchsurfing, o que significa que fico na casa de completos estranhos que conheço através da internet (a principal função do site é válidar hospedes e hospedantes, e garantir que nem uns nem outros sejam maniacos de machadinha ou flatulentos crônicos). É uma maneira excelente de poupar dinheiro, e conhecer uma cidade nova de forma menos anônima. O processo exige porém uma dose considerável de flexibilidade, e tem os seus lances ocasionais de melodrama. Na minha primeira parada, as duas flatmates passaram em poucos dias do convívio amigável para o estranhamento mútuo para a hostilidade aberta. No momento, elas não se cumprimentam (o terceiro flatmante acaba virando dano colateral na guerra doméstica). As razões da briga são, como eu já disse, um tanto bizantinas, e envolviam a nossa (minha e da Aline) hospedagem, mas não implicavam na rejeiçao, por qualquer uma das partes, da nossa presença lá. Mesmo assim, com clima pesado e o fato de que nenhuma ação ou inação da minha parte seria considerada neutra em um clima tão polarizado (neste aspecto guerras domésticas são iguais a guerra civis), acabei me mudando; inicialmente para a casa que um estudante de cinema divide com seis de seus amigos mais próximos, e em seguida para o apartamento de uma neurocientísta que só chegou hoje de uma viagem de trabalho.

O resultado disto tudo é que a minha estada pós-SfN aqui em Chicago acabou se tornando mais social do que propriamente turistica. Conheci várias pessoas interessantes, entre hospedeiros, seus amigos e namorados, e agregados em geral. Tive companhia para ir em restaurantes, caférs, bares, lojas e museus; discuti a dinâmica populacional de zumbis, o julgamento do Pirate Bay e o a inconstância do clima de Chicago. Eu já disse antes, e repito, que conhecer lugares é muito interessante, mas conhecer pessoas é mais interessante ainda.



De forma um tanto mais turística, passei boa parte do meu tempo restante em museus e congêneres, para os quais comprei entradas por atacado na forma do tal 'city pass'. Vi golfinhos e penguins no Shedd Aquarium, astronomia africana e galaxias em colisão em 3D no planetario, e dinossauros e máscaras funerárias polinesias no Field Museum (onde tive uma longa e interessante conversa com um voluntário de plantão e arqueologo amador em um oca pawnee). Fui ainda no pequeno mas interessante museu do holograma, e subi na Sears* tower em uma tarde de céu azul (o city pass convenientemente me permitiu furar a fila de uma hora e meia para pegar o elevador). Não fui em todos os lugares que queria, mas já aprendi a me desapegar de pretensões completistas.



Uma última observação sobre a cidade: O clima de Chicago varia quase de minuto a minuto. Hoje tivemos ventos glaciais e o ceu completamente nublado pela manhã, com visibilidade zero do observatório da Sears Towers, e um céu azul sem nuvens e temperaturas amenas durante a tarde. O clima londrino tem previsibilidade amazônica em comparação.


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* Após uma recente mudança de patrocinador corportativo, o nome correto do edificio em questão agora é Willis Tower, mas ninguem realmente usa o novo nome.

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quarta-feira, 21 de outubro de 2009

McCormick Place, Chicago
Dim sum


Está fazendo muito calor aqui em Chicago: 20 C. Deve ser o aquecimento global...

O encontro da SfN acaba de terminar. Cinco dias de pés e cabeça doendo, mas que valem a pena. Não postei muito nestes últimos dias porque sinceramente não havia muito sobe o que postar. O meu poster fez algum sucesso; a conferencia este ano está melhor do que no ano passado; eu estou me sentindo menos atordoado pela escala do evento desta vez.

Ontem durante o almoço fui com a Suzana e a Theresa almoçar dim sum em Chinatown, aqui perto. Dim sum é um tipo de refeição estilo brunch onde pequenas porções de iguarias chinesas a sua escolha são levadas continuamente para sua mesa, e consumidas acompanhadas de vastas quantidades de chá. Gostei tanto que voltei lá hoje.

Hoje vou ver se consigo visitar algum museu antes do horario de fechar, mas meus pés doem. Também é possível que eu tenha que me mudar, porque duas das minhas hosts estão se atracando em uma longa e bizantina briga a respeito de quando, se e de que maneira a nossa presença lá deveria ou não ter sido melhor coordenada. É na verdade uma discussão complicada demais para descrever aqui (prefiro me ater a temas mais simples e de resolução mais fácil, tais como conflitos no Oriente Médio, neurociência e topologia). De qualquer maneira, devo ir para a casa de um estudande de cinema especializado em documentários.

Para terminar, alguns prédio interessantes. O primeiro é uma cadeia, situada de forma bastante inusitada no centro comercial da cidade. Felizmente ninguem achou que minhas fotos faziam parte de algum plano de fuga.




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segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Sofá da casa da Carolina, Chicago
Cebolas selvagens...


... é o que supostamente significa o termo 'Chicago', na lingua dos indios locais quando os colonizadores europeus se estabeleceram por lá (não digo homem branco porque o fundador da cidade era negro). Apesar de alguns infortunios* ocasionais, a cidade cresceu em tamanho e importancia, até um incendio queima-la por completo em meados do seculo XIX (uma vaca local foi falsamente considerada culpada pela tragedia, até ser absolvida postumamente na década de 90). Os locais aproveitaram a oportunidade para inventar os arranha-ceus, iniciar uma tradição de arquitetura arrojada, e reestabelecer a a cidade em um grid cartesiano de ruas.

O resultado é que Chicago é uma cidade muito interessante (e facil) de se andar a esmo, apreciando os variados e interessantes edificios do distrito central; mas correndo o risco de cair em um bueiro, trombar em um poste ou desenvolver torcicolo.


Depois de meu periplo em Houston, cheguei na casa da Carolina (minha host de couchsurfing) já tarde na 6a. Na manhã seguinte, ela nos deu carona (digo nós poruq há uma outra brasileira participante do congresso da SfN hospedada na casa dela) até o local onde ocorre o evento. O McCormick Olace é o maior centro de convenções doe EUA, e não sabiamos para qual de suas cavernosas unidades deveriamos nos dirigir. Pensamos inicialmente que deveriamos entrar em uma enorme fila que dobrava o quarteirão em torno de um dos pavilhões. Mas a profusão de violões, tambores e implementos musicais variados, e a ausência de tubos para posteres, sugeria o contrário (descobri mais tarde que estes eram os participantes de algum show de calouros local). No pavilhão correto, a conferência foi aberta por dois mágicos profissinais, que deram uma demonstração prática de como a atenção humana funciona, e como ela pode ser enganada (um deles, Apollo Robbins, certa vez trocou o conteudo das carteiras e roubou os distintivos dos agentes do serviço secreto que protegiam Jimmy Carter).

O restante do dia foi menos lúdico, mas muito bom academicamente (talvez porque eu estou me sentindo menos perdido este ano, achei este congresso melhor do que o do ano passado). Não tive tempo de fazer turismo, mas chegando aqui organizamos um mini-festival de filmes de terror, consistindo do REC (filme de zumbi espanhol excelente), seu remake americano (reproduzido quase cena por cena, mas bastante inferior), e um terror trash genérico bastante esquecível (Saw 4,7 ou pi, sei lá).

No dia seguinte (hoje), o dia estava perfeito, com ceu azul (raridade em Chicago) e temperatura em níveis sensatos. Depois da primeira palestra do dia, dei uma escapulida e fui andar um pouco. Serendipicamente, passei na frente do Instituto de Arte de Chicago, e não pude deixar de entrar, para ver a sua enciclopédica coleção. Museus de arte têm personalidades bastante distintas, mas as suas descrições constumam ser bem parecidas ('os Monets são impressionantes... A coleção renascentista merece uma visita...'), então não vou entrar em detalhes, exceto para notar que a visita vale o salgado preço da entrada (US$18).

Voltei ao Neuroscience, assisiti palestras, peguei freebies vários com os expositores, perdi e achei o celular pré-pago que comprei por aqui. Já anoitecia, e, assim como fiz em Londres, sai em caminhada noturna. De forma absolutamente típica, o que deveria ser um passeio rápido se transformou em uma marcha percolativa de 3 horas de duração. Os pontos altos foram o Milennium Park (com diversas instalações a céu aberto iluminadas, incluindo o feijão prateado gigante mostrado acima), e o mirante da torre Hancock, com uma vista espetacular da cidade iluminada e do lago Michigan (e um audioguia narrado pelo David Schwimmer, o Ross do Friends, e nativo da cidade).

Amanhã apresento o poster.





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* E.g. o massacre dos habitantes pelos indios cebolofilos (estimulados pelos ingleses), e o fato de muito da cidade originalmente ter sido construida em um lamaçal)

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sexta-feira, 16 de outubro de 2009

GWB Intercontinental Airport, Houston
Terminais


Eu perdi a conexão de 7:30 da manhã para Chicago por uma questão de poucos minutos (maldita livraria...). Tudo bem, eu pego o próximo, pensei. Vôos para Chicago saem daqui o tempo todo, e a Continental não cobra adicional...

O modelo atual de aviação americano exige que todos os aviões decolem praticamente lotados. O que significa que, entre overbooking, atrasados e pessoas que compram diretamente uma vaga na lista de espera (uma pechincha para aquelas pessoas de temperamento budista), conseguir um assento não é trivial. Até conseguir uma reserva firme para 15:45, o meu dia consistiu em verificar de qual terminal sairia o próximo vôo para Chicago, e me dirigir até lá através de alguma combinação de escada rolante, trem intra-terminais, e caminhada. Após todos os passageiros titulares embarcarem, eu esperava (em vão) que o meu nome fosse chamado, tal qual um orfão rejeitado em filme da sessão da tarde, e mais de uma vez perdi o assento para velhinhas e velhinhos esbaforidos, descarregados na última hora pelos carrinhos elétricos que circulam entre os termnais do aeroporto. Que são, A, B, C, D e E, dos quais conheci todos, exceto o D. Quem sabe na volta...

Apesar da descrição um tanto kafkaniana (a diferença, obviamente, foi que a minha situação era completa e comprensivelmente minha culpa), não tive um dia desagradavel. Eu não era o único viajante com destino a Chicago condenado ao limbo aeronáutico , e em nossas peregrinações conjuntas de um terminal ao outro acabamos batendo um papo demorado, e ocasionalmente interessante. Havia a organizadora de eventos que cruza os EUA diversas vezes toda semana; o economista desmpregado casado com uma Belo Horizontina; um casal aposentado, ele dentista, ela aeromoça, a caminho de um jogo de futebol americano; o vocalista e baterista de uma banda de soul ou jazz, cujo atraso levou ao desespero uma senhora (agente?) um tanto perúica com vários metros cúbicos de spray aplicados nos cabelos; e mais alguns viajantes mais indistintos na memória.

Últimas observações sobre o 'George W. H. Bush Intercontinental Airport', enquanto nao embarco:

- A espera aqui é mais confortável do que nos aeroportos brasileiros. A variedade de lanchonetes, lojas e livrarias é impressionante.
- Não é dificil se locomover, mas os carrinhos elétricos são um tanto irritantes, conduzidos aos berros por motoristas talvez bem humorados demais, e ameaçando a toda hora atropelar os pedestres.
- Fazer piada sobre os procedimentos de segurança dá cadeia, segundo os anuncios do alto-falante.

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Taxi na Linha Vermelha, Rio de Janeiro
Liveblogging até Houston (se eu chegar no Galeão a tempo)


Viajar sem aventura não tem graça. Ou pelo menos eu tento me convencer disto toda vez que estou ridiculamente atrasado para pegar algum vôo. Não sai de casa propriamente atrasado; mas depois de passar uma hora para chegar no Rebouças, e me arrastar por 30 minutos até a entrada da ponte, tenho só uma hora e meia até o avião decolar.Hoje estou (espero) indo para Chicago, para o encontro anual da Society for Neuroscience. Vou ficar por lá 9 dias, e volto para o Brasil em seguida (tenho 6 horas de conexão em Houston, então talvez faça alguma coisa por lá tb).

De qualquer maneira, a minha (não) blogagem ultimamente tem sido patética. Espero escrever mais regularmente, pelo menos durante a viagem. Na verdade, a minha vida toda está meio que em transe ultimamente. Os últimos meses foram alguns dos mais improdutivos, tangiversativos e procastinados da minha existência. Se eu quero realmente levar para a frente esta minha vida dupla de cosmólogo e neuro-físico, eu preciso parar com isso.


UPDATE (19:44, GMT -3)
Passamos por dois carros estragados, e a coisa está andando! O motorista, sabendo da minha urgência, está, bem, desencolvendo. Digamos que, se este taxi fosse um Delorean equipado com capacitor de fluxo, eu já estaria em 1950.

UPDATE#2 (21:07, GMT-3)
Diversas camadas de segurança, nenhuma das quais inspira total confiança. Estou no avião, onde toca, por razões que é melhor desconhecer, uma balada pop japonêsa.

UPDATE#3 (22:38, GMT-3)
O avião fez uma curva brusca para evitar algumas cumulus-nimbus de aparência sinistra. Turbulência! Relâmpagos! Valquírias! (bem, talvez não estas últimas). Tudo muito dramático. Estamos passando ao lado de Brasilia. Vejo o plano piloto iluminado ao longe, através de uma brecha nas nuvens.

Depois de todas as perguntas e revistas, o jantar é servido com talheres de metal... Frango surprendentemente comivel; um pão milagroso que resseca 5 minutos depois de ser partido, e nada de Coca-Cola. É o meu primeiro vôo onde Coca não é servida. Na Continental.

UPDATE#4 (16 Outubro, 08:16, GMT-6)
Estou em Houston, esperando conexão para Chicago.

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domingo, 30 de agosto de 2009

Casa, Rio de Janeiro
Show de calouros

Alguns dos primeiros hits do Youtube e correlatos foram clips do 'American Idol' (ou algum outro show de calouros semelhante), onde malucos com mais entusiasmo do que bom senso massacravam alguma música de forma particularmente horrenda ou patética. De fato, a bizarrice e a desgraça alheia pareciam ser o grande atrativo destes programas, onde os ganhadores eram via de regra competentes mas pasturizados interpretes de música pop ordinária, e eram menos lembrados do que o desfile de esquisitos sem talento ritualmente escorraçados pelo juri nas primeiras etapas.

A popularidade da Susan Boyle tornou mundialmente popular a disseminação viral de videos de calouros efetivamente talentosos (o seu grande charme é inicialmente parecer ser um dos esquisitos sem talento supracitados). E de fato talves a grande surpresa é que artistas competentes e surpreendentes possam surgir neste tipo de programa.

Abaixo, a ganhadora do Україна має талант ('Ukraine's Got Talent'), Kseniya Simonova, conta (de forma literal e figurativamente melodramática) a história da Ucrânia na 2a Guerra Mundial usando areia. O que me atraiu no clip não é só o talento e expressividade óbvios da moça, mas também o fato de nunca ter visto nada parecido antes.

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domingo, 26 de julho de 2009

Casa, Rio de Janeiro
39.1 C, Apocalipse XII e sarcófagos apertados

Estou de volta ao Brasil. Cheguei na quarta de manhã, e em poucos dias peguei uma gripe sinistra (mas não suína, aparentemente). Passei de indisposto na 5a, para mal na 6a, pré-febril no sábado e febril no domingo (hoje). Espero que esta progressão pare logo...

Viajar é bom, mas eu estava com muita saudade da minha família. Um mês é tempo demais...

O meu último dia na França foi uma sequência de viagens de volta: De Pontorson de volta à Caen, de Caen de volta à Paris, da Gare Saint-Lazare de volta à casa da Jacqueline, da casa da Jacqueline de volta ao aeroporto, e de Paris de volta para o Rio. De forma bem pouco característica, fiz todas as conexões com tempo de sobra, e ainda consegui fazer um pouco de turismo de úttima hora. Em Pontorson andei de bicicleta pela cidade, e tomei um lauto café da manhã em um hotel mais arrumado*. Os Hill vieram buscar a bicicleta exatamente no horário combinado, e peguei meu trem para Caen.

Em Caen, visitei rapidamente o castelo ducal de Guilherme, o Conquistador. Na sua época, era um dos mais fortes castelos da Europa, e hoje guarda em seu interior um profusão de museus e cafés. O destaque não óbvio fica por conta da série de esculturas de animais fantásticos colocados em pilastras de madeira (dependendo do meu humor, posso compará-los ao 'Livro dos seres imaginários', do Borges, ou ao Monster's Manual, do AD&D).

Fui também na igreja de Saint-Pierre, construida entre os seculos XIII e XVI, e incorporando elementos de todos os períodos do gótico normando. Ela serviu de refúgio para o Caenenses quando os aliados trituraram a cidade tentando desalojar os alemães em 1944 (a torre, bastante famosa, foi destruida pela artilharia, e reconstruida décadas depois). Existem pequenos detalhes arquitetonicos interessantes em número grande demais para descrever (fotos aqui), mas eu gostaria de chamar a atenção para um vitral bastante recente (década de 1950), comemorando dois religiosos mortos no bombardeio 1944. Uma moça, carregando um cálice e um cruz, e cercada de estrelas e com a lua aos pés, é atacada por um criatura medonha de 7 cabeças. A situação parece desesperada, e a primeira vista o vitral parece sombrio e pessimista.

Mas no topo da imagem, aparece o número 12, e trombetas. O vitral se refere à Apocalipse XII, e a senhorita é a mãe do cristo renascido (representado pelo cálice), que passou 3 anos e meio no deserto perseguida pela criatura. O que está a ponto de acontecer logo em seguida é a chegada do Arcanjo Miguel (sobre quem aprendi um pouco em Mont Saint-Michel), que vai descer o sarrafo no tal bicho de sete cabeças. Longe de representar a desesperança, o vitral mostra que mesmo quando a situação parece desesperada a salvação pode estar a caminho. Ele se refere não só à profecia bíblica, mas também a ocupação nazista da França. Que durou pouco menos que 4 anos, e na época parecia que duraria para sempre. Mas em 6 de Junho de 1944, as trombetas soaram, e os aliados desembarcaram nas praias a poucos quilometros de Caen. O arcanjo havia chegado, finalmente**.

Não tive tempo de visitar o túmulo do Guilherme na Abbaye-aux-Hommes, mas sei que ele morreu na França, e e não só estava muito gordo na ocasião, mas também passou um bom tempo cozinhando entre a morte e o enterro. Durante a cerimonia, os bispos descobriram, consternados, que o defunto não cabia no seu sarcófago. Tentaram então fazer uma forcinha para ver se entrava no tranco, e como consequência o seu abdomem se rompeu e a capela foi tomada por fedor pestilento indescritível.


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* Le Montgomery, a antiga residência dos condes de Montgomery, para onde o último deles se retirou após matar o rei da França acidentalmente em um torneio. Ele se converteu ao protestantismo, fugiu do pais, voltou, comandou uma insurreição, foi capturado e executado. Recomendo em particular a geleia caseira.

** Interpretação alternativa: A besta do apocalipse atira shurukiens contra a mãe do cristo, mas esta desvia habilmente de todas, enquanto calmamente bebe seu chá no cálice sagrado. Enquanto as trombetas tocam sua musica-tema, ela diz: 'agora você vai experimentar a fúria da técnica xaolin do bastão com cruz!'

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terça-feira, 21 de julho de 2009

TER Basse Normandie, entre Pontorson e Avranches
Quando a maré encher


A dois anos os Hill, um casal de ingleses, resolveram se instalar na Bretanha, e viver de alugar bicicletas. É só ligar para eles de qualquer lugar da região, e em 40 minutos John e/ou Verônica chegam com sua bicicleta, capacete, colete reflexivo e kit para pneu furado. A devolução é feita da mesma forma. Acho que esta viagem se tornou perfeita para mim quando alugar uma bicicleta se tornou tão simples quanto pedir uma Pizza. Em inglês.

Resolvido o meu problema com o banco (graças ao skype e a velhinha do café), sai da penúria, arrumei um quarto em um hotel 'simples', e liguei para o John. Quarenta e cinco minutos depois, exatamente no horario combinado vejo da janela do meu quarto uma van dobrando a esquina, com uma bicicleta no capô e um casal de meia idade no interior (eu já falei que eles são ingleses? São praticamente um esteriotipo nacional ambulante. Chegaram exatamente no horario marcado, e me confiaram uma bicicleta em troca de pouco mais do que um aperto de mão). Parti imediatamente para Mont Saint-Michel.

Choveu a maior parte do percurso, mas de capa de chuva e ouvindo Handel em meu ipod, mal notei a agua cair. A distância entre Pontorson (=Pont Orson, a ponte que um certo Orson construiu para o pai do Guilherme o Conquistador para facilitar suas incursões na Bretanha) e Mont Saint Michel é de meros 9 km. Fui por uma série de estradas rurais paralelas à rodovia principal, passando por simpáticas (mas em alguns casos, decrépitas) casas e vila centenárias, e por um moinho a vento, estilo Don Quixote, ainda em funcionamento. Do topo da colina do moinho, o Mont Saint-Michel apareceu pela primeira vez, fantasmagórico e coberto por brumas, quase como uma visão. Durante a idade média, era relativamente comum que crianças abandonassem suas famílias e partissem em peregrinação expontânea até lá. Depois desta episódio, acho que as entendo um pouco melhor.

O Mont Saint-Michel é uma pequena formação rochosa na costa da Bretanha, sujeita a uma das maiores variações entre maré cheia e vazante em todo o mundo (12 metros no máximo, na lua cheia perto do equinócio). Todos os dias, portanto, ele alterna entre ser uma ilha cercada pelo mar, ou uma montanha cercada por baixios de lodo. Como o gradiente do terreno é muito pequeno, a maré pode avançar ou recuar rapidamente, da ordem de metros por segundo. Esta entidade geológica de natureza dúbia é dominada por uma abadia espetacular construida em seu topo, dedicada a São Miguel Arcanjo. Ela existe desde pelo menos o seculo VIII (o local era
anteriormente habitado por eremitas), e foi reconstruida na forma atual pelos primeiros duques
da Normandia (ex-vikings, a quem o rei da França doou a região para ser deixado em paz, e que em troca se converteram ao cristianismo). Uma pequena cidade medieval cresceu em volta da abadia, e muralhas imponentes foram adicionadas ao longo dos séculos subsequentes (e bem empregadas na guerra dos 100 anos, entre outras).


O monte tem uma história pitoresca, e um certo talento para agregar mitos de plausibilidades variadas. Foi utilizado como prisão a partir da revolução francesa até o seculo XIX, quando foi redescoberto pelos romanticos a procura de 'autenticidade'. Foi reformado e em parte reconstruido, e se tornou uma meca turística desde então. Parte desta autenticidade é obviamente manufaturada em beneficio dos turistas; mas por outro lado os responsáveis pelo monte não fazem mais do que retomar a antiga tradição do local como foco de peregrinações, incluindo a venda de quinquilharias superfaturadas (ícones religiosos fabricados em massa antigamente, chaveiros e imãs de geladeira provavelmente made in China atualmente) e a profusão de histórias pitorescas. De qualquer forma, nenhuma reforma alterou substancialmente a natureza do Mont Saint-Michel, que continua tão espetacular quanto era na idade média. Ele só não deve ser encarado como uma reliquia da idade média miraculosamente preservado em seu estado original, mas sim como um palimpseto desta e de todas as épocas subsequentes.

Não faz sentido ficar descrevendo o que é melhor visto em fotos. O que é infotografável é a velocidade com que a maré baixou (cheguei na maré cheia); em alguns minutos o que era uma espelho d'água calmo começa a baixar; ilhas se formam em seu meio e barrancos na sua margem. As ilhas vão crescendo até se interligarem*, e a água flui rapidamente pelo um estuário fractal que vai se formando. E o Mont Saint-Michel volta a ser montanha.

Durante o verão, a abadia fica aberta até 11 da noite, uma raridade aqui na França. Músicos se apresentam ao longo do caminho até o topo, que percorre todo tipo de nincho e reentrância que a arquitetura medieval poderia criar. Finalmente, o visitante emerge no pátio atrás da capela
virado para o lado do continente, com uma vista espetacular das muralhas e da cidade lá embaixo, enquanto o Sol se põe no mar.

A volta foi durante a noite, chovendo um pouco. Programa de índio para 99% da humanidade, mas eu gostei de andar por estradas rurais francesas desertas, com o Mont Saint-Michel ao fundo e o moinho iluminando o caminho à frente.


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*Uma transição de fase de segunda ordem em percolação! O momento em que existe invariância por escala é uma experiência quase religiosa ;^)

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segunda-feira, 20 de julho de 2009

L'Ete Cafe, Pontorson
Down and out in Pontorson and Mont Saint-Michel

Cheguei em Pontorson muito cedo hoje, com algumas ideias mas sem um programa fixo. Achei um hotel simpático, comprei o de sempre no Carrefour, tomei um café creme enquanto atualizava o blog, e me informei sobre horarios de onibus e aluguel de bicicleta. Mas só tinha um problema: Estou com 17 euros no bolso, e meus cartões continuam sem funcionar. Estou no momento sentado no café internet local (WiFi é muito parisiense, a coisa por aqui é ethernet!), de favor da velhinha monoglota que cuida do local, ligando furiosamente por skype para meu banco. Espero resolver a situação satisfatoriamente; senão, tenho o dinheiro exato para entrar na abadia em Mont Saint-Michel e pegar o RER da Gare du Nord para o aeroporto em Paris; tenho comida, casaco e capa de chuva, e estou me preparando para dormir em um matinho conveniente a meio caminho de Mont Saint Michel (planejava voltar andando de qualquer maneira).

Coincidentemente, enquanto vagava pela cidade a procura de um caixa eletronico que funcionasse (tentei todos), ao passar pela igreja local (ND de Pontorson), ouvi o som de um orgão tocado de forma solene. Entrei e me deparei com uma igreja normanda típica (embora esteja na Bretanha): Pesada, traços limpos (mas alguns arcos ogivais, não clássicos); escura com janelas muito luminosas; fria e com cheiro de pedra; e inspirando a sensação de contemplação e tranquilidade. Eu era a unica pessoa na igreja, pensei. Exceto pelo organista, que nem se deu o trabalho de me olhar enquanto eu andava pela igreja, e cada passo e clique meu parecia soar como um sino. O cara não era muito bom, mas a música soturna era extremamente apropriada ao meu estado de mendicante medieval munido de laptop. Depois de apreciar a musica e a situação por mais alguns minutos, sai e fiz meu piquenique sob a sombra do campanário.

UPDATE: Resolvi o problema. Adeus vida mendicante!

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Hotel Rennes, Caen
A vingança do rei Haroldo

Passei o dia de ontem pedalando pela baixa Normandia. Hoje embarco para Pontorson, a 10km de Mont Saint Michel, e acabo de descobrir que, pelo menos aqui, e hoje, nenhum de meus cartões de crédito funciona, nem como crédito nem em caixas eletrônicos. Vamos ver o que eu faço...

A chegada a Caen foi absurdamente civilizada. Peguei um mapa local, indicações de hoteis e as tabelas com horarios de trens já no saguão da gare; organizei o meu itinerário e comprei as passagens até Paris com um funcionario extremamente simpático, e atravessei a rua até um café com WiFi, para um pouco de cafeina e para subir o post anterior, bater um papo com a Naira por skype, e criar uma conta para a versão local do Velib. Me dirigi ao meu hotel, no mesmo quarteirão, onde consegui um quarto com o dono (monoglota, mas gente fina), tomei um banho, deixei a mochila, e sai, atravessande novamente a rua e retirando a minha bicicleta alugada para meu passeio até as praias do Dia D.

Caen é conhecida por essencialmente duas razões: A invasão normanda da Inglaterra em 1066 , e a invasão da Normandia a partir da Inglaterra em 6 de Junho de 1944. No primeiro caso, porque era a sede do ducado da Normandia; Guilherme o Conquistador está enterrado aqui e Bayeux com sua famosa tapeçaria estão a alguns quilometros de distância. No segundo, porque era um dos objetivos principais dos aliados, por ser um nodo de estradas de rodagem e de ferro e a chave para a marcha até Paris. Minha visita se concentrou nesta última, mas é impossível passar por esta região sem notar as inúmeras igrejas, abadias e fortificações remanecentes do período mais remoto.

Esta foi a primeira vez que fiz uso prático das minhas leituras de história militar. O meu mapa não era detalhado, mas eu sempre tinha uma ideia razoavelmente clara de onde estava através dos inúmeros memoriais às unidades e eventos do Dia D. A primeira parte do meu trajeto seguiu ao longo de um canal que liga Caen até o mar. Este canal (e o rio Orne, paralelo) protegia o flanco esquerdo dos aliados durante a invasão. A cerca de 10 km de Caen, uma ponte ligava as duas margens. Se os alemães controlassem a ponte, elementos de uma divisão blindada nazista (a 12a Panzer) poderiam cair sobre o flanco da invasão e desbaratá-la antes que uma cabeça de ponte fosse estabelecida. Era crucial que a ponte (rebatizada de ponte Pegasus em homenagem ao nome da operação) fosse tomada, e mantida até que chegassem os reforços.

Nas primeiras horas da madrugada do dia 6, uma unidade britânica em 6 planadores aterrisou (eufemisticamente falando; uma queda controlada seria um termo mais preciso) ao lado da ponte. Três dos planadores aterrisaram a poucos metros da ponte; a surpresa dos alemães foi total, e apesar das defesas preparadas a ponte foi tomada em menos de dois minutos. Ao longo de toda a noite, cerca de 100 homens liderados pelo major Howard repeliram contra-ataques alemães cada vez mais intensos. Com a manhã já avançando, exaustos, ouviram finalmente o inconfundível som de um gaita de foles: Os commandos do extremamente escocês coronel Lovat haviam chegado, marchando diretamente das praias, seguindo solenemente o gaiteiro pessoal do coronel.

Esta foi uma das 3 ocasiões onde a invasão correu o risco sério de ser derrotada. A tomada dos acessos à praia de Omaha foi outra (é onde começa o 'Resgate do soldado Ryan; a batalha final do filme foi inspirada pela ponte Pegasus, com a nacionalidade dos defensores transferida para o outrolado do Atlântico), e chego logo na terceira.

Uma cópia da ponte Pegasus ainda existe no local, com um pequeno memorial e museu ao lado.




Seguindo mais alguns quilometros ao longo do canal, cheguei finalmente ao mar, no extremo esquerdo da praia Sword. No dia D, esta praia foi invadida pelos britânicos. Assim como nas duas praias seguintes, Juno (canadenses) e Gold (britânicos novamente), as casas são construidas rentes à praia. Os alemães as usaram como pontos-forte, e muitas delas foram danificadas ou destruidas pela artilharia aliada. Atualmente, embora os balneáries locais estejam um tanto decadentes devido às passagens baratas da Easyjet, as casas (reconstruidas) em estilo normando permanecem extremamente charmosas, o que impede a região de se parecer com Brighton ou Guaraparí.

Devido aos ataques aéreos aliados, e ao engodo estratégico que convenceu os alemães que o esforço principal aliado seria em direção à Calais, só houve um contra-ataque significativo alemão. A 21a Panzer atacou em direção ao mar, e conseguiu separar os britânicos em Sword dos canadenses em Juno. Esta foi a terceira e última grande ameaça ao sucesso da invasã. Mas os desembarques aliados seguiam em ambos os flancos da 21a, e planadores traziam reforços para os paraquedistas britânicos em sua retaguarda. Sem apoio aéreo e sem a ajuda da 12a (graças ao Major Howard e cia.), os veteranos di Afrika Korps se retiraram. Foi a última vez que viram o canal da mancha.

Pedalando ao longo da praia, e passando pelos memoriais as diversas unidades que desembarcaram por lá 65 anos atrás, acho que adquiri pela primeira vez uma noção real da escala do Dia D. Entre sair e voltar a Caen, se passaram 5 horas, das quais devo ter pedalado por umas 3 horas (uns 45km no total). E mesmo assim, só cheguei até o extremo esquerdo da 2a praia (as bandeiras canadenses indicavam que eu havia chegado em Juno). Foram 5 praias no total, fora as areas de aterragem de paraquedistas e as falésias em Point du Hoe. Números por si só (10.000 aviões, 200.000 homens, 3000 navios, etc.) não conseguem transmitir a enormidade do empreendimento.

A partir do molhe em Langrunne sur Mer, virei para o continente, para seguir de volta à Caen. Foi ao longo desta estrada que os Canadenses avançaram, lutando por cada metro, para finalmente tomar a cidade em Outubro. O plano original era tomá-la no 1o dia; mas sabendo do perigo que sua queda representaria à sua posição em Paris, os alemães se aproveitaram da hesitação inicial aliada (em parte provocada pelo ataque da 21a), e reforçaram sua defesa com todas as unidades disponíveis. Foi só quando os americanos na flanco direito (enfrentando menos oposição) cortaram a peninsula de Cotentin e arremeteram para leste a partir de Avranches, ameaçãndo cercar um corpo inteiro do exército alemão, que estes últimos foram forçados a se retirar. Após sua vitória na batalha da Normandia, os aliados avançaram rapidamente, até Paris e além. Mas no final do ano, com dias mais curtos para apoio aéreo, e linhas de suprimento mais longas, o avanço perdeu fôlego, e os alemães se recuperaram. A perspectiva de uma derrota nazista ainda em 1944 se mostrou ilusória, e britânicos, canadenses e americanos (e russos, e poloneses, e franceses, e brasileiros, e mais meio mundo em armas) enfrentariam um inverno duro antes da vitória final em agosto de 1945.

Eu cheguei em Caen pouco antes da meia noite. Passei pelo castelo e algumas igejas e abadias iluminadas (é uma cidade pequena), e voltei para o hotel. Tenho ainda muito o que andar antes de voltar para o Brasil.

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domingo, 19 de julho de 2009

Gare Saint-Lazaire, Paris
A Bastilha cai todo ano


Além do Chuck Norris gaulês, tive um dia da Bastilha interessante aqui em Paris. Me encontrei com o Catão, Mariana, Sandro e Stella para um piquenique nos jardins do Museu Rodin. Como de costume, compramos quantidades monstruosas de comida, em volume e variedade. Enquanto os demais grupos se contentavam com o conteudo de uma ou duas tupperwares e uma baguete, iamos nos resfastelando com o piquenique do juizo final, com diversos tipos de queijos, embutidos, patês, pães, frutas e bebidas. Metade da comida depois, e após uma digestão prolongada deitados na grama, fomos ver as esculturas espalhadas pelo jardim (incluindo O 'Pensador' e o 'Portão do Inferno'); gostei em particular de 'Os burgueses de Calais', quatro figuras expressando ao mesmo tempo tristeza, resignação, desespero e raiva, enquanto caminham em direção ao acampamento dos consquistadores ingleses para entregar-lhes as chaves da cidade.

Segui então para a Ille de la Cité, onde me encontrei com a Jacqueline e o Catão para assistir um concerto de música de câmara dentro da Sainte-Chapelle: Vivaldi, com um pouco de Pachebel e (acho) Paganini, tocados por um violinista francês renomado e competente orquestra. Eu não canso de falar aqui no blog sobre o quanto eu gosto da Sainte-Chapelle (embora suspeite que meus leitores se cansem de ouvir a respeito). Assistir um concerto deste calibre lá dentro enquanto o sol se põe é indescritível.

Findo o concerto, fomos andando calmamente ao longo do Sena, em direção à Torre Eiffel. Uma breve pausa para um café, e para reencontrar o resto do povo, e seguimos para o Champs de Mars, para assistir o show de fogos, em comemoração a queda da bastilha e ao aniversário da torre. Não foi o show mais grandioso que já vi, mas provavelmente foi o que melhor integrou os fogos, a iluminação (que fazia a torre dançar) e a trilha sonora. De forma um tanto bizarra, esta última incluiu a abertura de 1812. É verdade que a obra incorpora trechos da Marselleise, e que os franceses não têm exatamente uma enormidade de opções no quesito vitórias militares nos
últimos séculos dentre as quais escolher; mas mesmo assim acho estranho ouvir uma música que comemora uma derrota militar da França em uma comemoração de sua data nacional.

Terminamos a noite com um piquenique noturno com as sobras do anterior, sobre uma toalha que achamos abandonada no gramado, e algumas coca-colas compradas a preços só ligeiramente extorsivos. Ao contrário da maior parte das centenas de milhares dos meus co-celebrantes, evitei o metrô estilo últimos dias de Pompeia, e voltei de Velib para a casa da Mariana.

Os dias seguintes foram menos turísticos, já que eu passava a maior parte do tempo assistindo a palestras, ou pedalando de um lado ao outro da cidade em direção a um dos inúmeros institutos, escolas e auditórios onde ocorriam as sessões paralelas. Devo dizer que, mesmo descontando a dispersão geográfica, o MG12 foi meio decepcionante: sem foco, e com plenárias chocas e paralelas só ocasionalmente interessantes. Mesmo assim, cozinhei para a Mari, Sylvain e André*, e consegui ir em alguns museus, igrejas e no cemitério de Montparnasse. Fiquei ainda orgulhoso do meu francês tosco quando o sistema Velib não computou a devolução de uma das bicicletas, e tive que navegar o menu telefônico e explicar a situação para um atendente monoglota (cuja noção de explicar melhor uma frase não compreendida era repeti-la mais alto). Tenho certeza que o nosso diálogo vai algum dia ser encontrado no Youtube em alguma compilação das piores barbaridades já cometidas contra a lingua de Racine (a lá 'As Árvores somos nozes'), mas consegui desbloquear a minha conta e extornar a cobrança ndevida.

Ontem de noite fui com a Jacqueline em um restaurante Tibetano ao lado do Panteão. Provei chá com manteiga (de vaca, não iaque, infelizmente) e sal, a bebida nacional da terra do Dalai Lama. É bebivel, acho que com o hábito posso até gostar. Aprendi também que 'obrigado' é, ou soa como, 'Tû-tch-Tchê' em tibetano (e 'Mêsh-kér' em basco, como descobri alguns dias antes). Voltamos para casa a pé, em outra caminhada noturna.

Hoje fomos mais cedo a L'Orangeria (que tem este nome porque durante o 2o império era uxada para guardar laranjeiras durante o inverno). As ninféias do Monet são indescritíveis (e, francamente, infotografáveis, o que não impede a maior parte dos visitantes de tentar; se o propósito todo da visita é ver as pinturas ao vivo, para que tirar fotos?). Dois pintores que não conhecia, mas achei particularmente notáveis: Didier Paquinon, contemporâneo em exposição temporária, e Chaim Soutine.

Passamos em seguida pela igreja de Saint Madalleine, que tem um certo charme neoclássico apesar da forma um tanto pesada. Assistimos uma orquestra de jovens (ingleses, pelo sotaque), no que parecia mais uma aula do que um concerto. O maestro passava o som com as várias alas, enquanto reclamava e corrigia a postura, volume e sincronia de seus pupilos. Primeiro artes plásticas, depois música: Creio que a divina providência, por meio do sistema educacional britânico, quer elevar a minha cultura artística...

Estou agora na estação de Saint Lazare, último ponto do dia, onde vou pegar um trem para Caen. Pretendo visitar as praias do Dia-D e e Bayeoux de bicicleta, e ir amanhã depois do almoço para o Mont Saint-Michel. Volto para Paris na 3a, e de lá para o Brasil no mesmo dia.

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* Salada de pepino, tomate, fetá e azeitona com molho de iogurte; endívias recheadas de alho poró e cogumelos, e risoto de pera, presunto espanhol e cogumelo portobello.

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quarta-feira, 15 de julho de 2009

Palais de l'Unesco, Paris
Eles são especiais

Uma conversa em franglês, na exibição do exército francês nos jardins do Invalides em comemoração ao 14 de julho:

EU: Porque o seu fuzil é diferente do fuzil dos outros soldados (ele tinha um HK416, os outros, o FAMAS tradicional)
Soldado Francês: Estamos em transição para o fuzil novo
Eu: O exército inteiro?
SF (fazendo pose): Não, só as forças especias
Eu: Então vc é das forças especiais... Você já esteve no Afeganistão?
SF: (se esforçando para parecer perigoso e misterioso) Eu não sei...
Em geral, quanto mais 'especial' um soldado afirma ser, menos especial ele realmente é. A maior parte das autonomeadas 'forças ['de operações', na terminologia americana] especiais' no mundo são na verdade formações de infantaria ligeira bem treinadas. Por outro lado, se um cara troncudo não dá muito papo e afirma ser o cozinheiro, ou o faxineiro da base, provavelmente faz parte de alguma unidade ultra-secreta e é extremamente perigoso.

O equivalente gálico do SAS ou da Força Delta é o 1er RPIMa, e eles de fato usam o HK416; mas não são a unica unidade francesa a fazer isto. As forças de ação direta nos EUA ou no Reino Unido tomam bastante cuidado em proteger a identidade de seus membros, e não são conhecidas por ficarem fazendo pose para turistas acidentais. Por outro lado, o 1er RPIMa tem uma banda (!), então talvez as coisas funcionem de forma diferente na França.

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segunda-feira, 13 de julho de 2009

Apessoinha Bed & Breakfast, Paris
Adieu London, hello Paris

Os dias foram movimentados em Londres, e continuei com o meu novo hobby de caminhadas noturnas. Na 5a me encontrei com a Rima, e fizemos um tour a pé pela parte chique (posh) da cidade: Sloane Square, Chelsea, Kensington, etc. Sob muitos aspectos, caminhadas são uma maneira muito mais interessante de reencontrar amigos do que refeições em restaurantes. A experiencia é muito mais memorável, não ficamos presos ao ritmo imposto pelo serviço do restaurante (pedido/comida/sobremesa/conta), e é possível haver pausas na conversasão sem desconforto (e, reciprocamente, não existe a nescessidade de preencher cada minuto de silêncio com palavras); pausas não-desconfortáveis são um sinal de entendimento real entre duas pessoas (só em relações superficiais a conversa nunca para), mas é preciso algum tempo até achar o ritmo certo se estas não se vêem há muito tempo. Depois da extremamente agradável caminhada, me despedi da Rima e fui andando ao longo do Tâmisa a partir da ponte Chelsea, passando por uma usina termoelétrica fora de funcionamento (muito feia, mas por alguma razão tombada), e por uma monstruosidade em forma de pirâmide asteca, em frente à ponte de Vauxhall. Passei pelo parlamento e adjacências (habilmente iluminados, o que produziu em mim certos impulsos homicidas em relação a carregadores de bagagem holandeses), e finalmente peguei o metro em Embankment (ligando a trajetória do passeio com a da noite anterior)

Sexta fui em um jantar Iraniano, cozinhada pela simpática irmã do Reza (o meu colaborador em Londres, professor no QMUL). Discutir a situação no Irã com pessoas que nasceram e viveram lá é bem diferente do que debater o assunto com outros nerds de plantão na internet. É mais informativo também.

Sábado almocei com o João Guilherme e a Dani, primos meus que estão na Inglaterra (os Mota são uma especie adaptável). No caminho para o restaurante (estritamente falando, no caminho oposto ao caminho para o metro, porque confundi a direção devido a insistencia do sol neste hemisfério de andar do lado errado do ceu), passei por uma pequena mas animada manifestação contra a Igreja da Cientologia, uma picaretagem inventada por um escritor de ficção científica mediocre. Simpáticos os manifestantes. Alias, qualquer grupoque consiga combinar o meu desprezo pela Cientologia com o meu apreço pelos quadrinhos do Alan Moore merece aplausos (pessoas com mascaras de Guy Fawkes em Londres! Da próxima vez que estiver em Nova York vou procurar pelo doutor Manhattan).

Comprei ainda uma nova câmera (uhu!), e cheguei no aeroporto com uma antecedencia incomum. Minha bagagem foi revistada em detalhes, e eu não pude não explicar para o guarda o funcionamento do sextante de navegação que comprei em uma feirinha de antiguidades em uma igreja (st. James) em Piccadilly.

Cheguei em Paris, vim para a casa da Mariana e do Sylvain, dormi, e tive um domingo relativamente light; me registrei no congresso, participei inadvertidamente de uma missa maronita, e comprei o meu almoço em uma mercearia grega, onde discuti brevemente Tucídides com o vendedor (originario da Tessália) em franglês (o assunto surgiu quando ele me perguntou se eu conhecia a Grécia, e eu respondi que sim, mas só através de livros, e mencionei o dito cujo como exemplo). Não entendi direito se ele me disse que na época da guerra do Paloponeso a Tessália era uma terra bárbara, ou se ele reclamou que o Tucídides fazia parecer injustamente que era este o caso. Em ambos os casos, uma conversa interessante. Passei também mais de duas horas na Sainte-Chapelle, que ainda considero uma das coisas mais bonitas criadas pelo ser humano (os vitrais...). Se tiver tempo, escrevo um post dedicado a respeito; mas as fotos já estão no flickr.

Hoje fiz minha apresentação (que foi muito bem), e cozinhei um jantar para a Mariana, o Sylvain e o André: Salada de pepino, tomate, azeitonas e queijo fetá, com molho de iogurte; endívias recheadas de alho poró e cogumelo, e risoto de presunto espanhol, pera e cogumelos (inventei hoje, ficou gostoso). Falei com o Gabriel e a Ceci por Skype, li alguns emails, visitei alguns blogs, bloguei, etc. Por algum estranho efeito relativístico são agora 4:40 da manhã. Talvez eu devesse ir dormir...

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sexta-feira, 10 de julho de 2009

France House - QMUL, Londres
Holandando

Paris é monumental, construida para impressionar com suas grandes panorâmicas, mas transparecendo um certo artificialismo. Tudo é muito grande, muito espetacular. É preciso resistir a tentação de correr em estado de frenesí fotográfico de um monumento até o outro, ou de uma ala de seus cavernosos museus para outra, em uma tentativa fútil de 'ver tudo'. Mesmo sendo mais auto-referente e menos aberta que Londres ou Nova York, Paris é mais capáz de inspirar nos visitantes a sensação de reverência ressentida que o provincial estereotipicamente sente em relação à metrópole. O efeito provavelmente é intencional; Londres, Nova York se tornaram com o tempo cidades imperiais; a Paris atual foi projetada como tal.

Amsterdam é uma cidade em escala humana, construida compacta e sensatamente em volta de três canais. Não tem obras monumentais, mas impressiona pelo conjunto. Amsterdam é conhecível em um dia. Foi o que eu fiz com a Ana Júlia. Uma passeio agradável e sem pressa com paradas não programadas quando necessário para comida, bebida, cafeina ou descanso. Passeio este que fomos esticando gradualmente, de uma voltinha durante a tarde até uma caminhada pela madrugada.

A nossa primeira parada exemplifica bem o que eu quero dizer. O museu dedicado ao Van Gogh é pequeno, agradável e direto ao ponto. Seguimos a evolução de seu estilo desde seus primóridios através de pinturas colocadas em ordem cronológica, bem contextualizadas na vida artística e familiar do pintor, e acompanhadas de alguns objetos de interesse e salpicadas de obras de contemporâneos e colegas. Não há um destaque em particular para as obras mais famosas, que chegam meio sorrateiras e são muito mais marcantes por isto (talvez devido a seu uso da textura, Van Gogh no final da vida é muito impressionante ao vivo). Uma ou duas horas depois de entrar, já estavamos na rua, satisfeitos, a procura de um lugar para um almoço tardio (indiano, no caso).

O mais interessante da cidade são os detalhes, arquitetonicos e de outros tipos. Não há muito espaço livre, e cada pedaço foi usado e reutilizado diversas vezes: Das casas estreitas tombadas em angulos insólitos até o baluarte das muralhas da cidade que já foi casa de lastro, prisão, centro de dissecção e hoje é um café. Os canais são parte fundamental da rede de transporte local, e também são moradia para um número considerável de habitantes de barcos.

O lendário distrito da luz vermelha, por outro lado, é uma decepção. Em qualquer outro lugar do mundo, passear na zona depois de meia noite assume ares de uma atividade um tanto sórdida, e possivelmente arriscada. Em Amsterdam, isto significa desviar de musicos de rua jamaicanos e evitar as massas compactas de velhinhos em excursão. Qualquer ilusão de interagir com o lado B da cidade de alguma forma significativa, ou de trocar palavras amigaveis com alguma prostituta em pausa para cafezinho é destroçada pela Disneylandia sexual com que nos deparamos, organizada com a habitual eficiência tranquila dos holandeses. As prostitutas ficam segregadas em suas vitrines profissionalmente iluminadas falando ao telefone e demonstrando a mesma combinação de atenção profissional e desinteresse pessoal em relação a seus clientes em potencial que uma caixa de supermecado tem em relação a suas compras

Devido à geografia de seu pais, os Holandeses se tornaram um povo comercial (assim como, por exemplo, os fenícios), voltado para fora; prático, apto a adotar costumes estrangeiros, e (dentro do razoável), bastante tolerante. Não se incomodam em absoluto em falar inglês (e falam muito bem, condutores de bonde inclusos). Não encontrei nenhuma manifestação daquele narcisismo das pequenas diferenças que parece caracterizar seus vizinhos maiores; porém também senti falta de alguma idiosicrasia nacional que os caracterizasse como holandeses, e não como cidadãos do mundo que residem na holanda. Tenho certeza que tais coisas existem, e se tornariam obvias para um viajante que passasse mais do que um dia na cidade. Mas eu não tinha tempo.

Fisicamente, tanto Amsterdam em particular quanto a Holanda como um todo são lugares inventados. A cidade começou com uma barragem no rio Amstel (Amstel-dam!), onde hoje é a praça Dam e o centro mais velho da cidade; o pais foi em grande parte reconquistado do mar através de extensas obras de bombeamento e drenagem. De fato, há muito pouca natureza 'selvagem' em evidência por onde andei. Os agradáveis parques, por exemplo, ficam em polderes nas redondezas da cidade. Os Holandeses vivem onde e como escolheram viver, e não simplesmente onde o destino os colocou. Talvez por isto se ressintam tanto de imposições externas que os obriguem a alterar este modo de vida. Seja a invasão nazista em 1940, ou o prospecto da mudança climática, ou o radicalismo islâmico.

Eu sei porém que moraria em Amsterdam sem problemas. É uma cidade acolhedora, pequena mas não provinciana. Onde todos andam de bicicleta. Ou barco. Eu certamente gostaria de voltar lá, para um passeio mais extenso. Não ví o museu dos grandes mestres, nem interagi com holandeses de forma significativa. Por outro lado, posso dizer que andei por toda a cidade. Antes de pegar o bonde de volta para casa, nos alojamos em puffs macios em um parque da cidade para descansar um pouco e rever as fotografias que eu tirei (impulsos homicidas tomam conta de mim quando escrevo estas palavras; imagino carregadores de bagagem holandeses sendo torturados boschianamente). Dentro do curto tempo que tinha, conheci bem a cidade fisicamente. Mas nem cheguei perto de assimilar a textura histórica associada aos pequenos detalhes, dos quais gostei muito mas entendi muito pouco.

São Miguel Arcanjo (?)...

E um dragão/demonio...

e um elefante?

Eu definitivamente preciso voltar em Amsterdam para entender esta cidade direito.

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