Casa, Rio de Janeiro
Só quanto a dona gorda cantar
Ainda não acabou. A troca de tiros (e bombas e misseis) entre Israel e o Hizbolá terminou (por hora), mas o conflito interno no Líbano para definir qual será o papel do HA daqui para a frente, não tão dramático mas provavelmente mais importante, está a pleno vapor.
O HA, com sua costumaz eficiência, começou na frente cantando a vitória da resistêncua em nome de todos os libaneses. A insistência e vigor destas celebrações (repetidas em Teerã e Damasco, e recebidas respectivamente com apatia e entusiasmo) indicam que seu objetivo é mais convencer do que comemorar. Sem nenhum resultado tangivel para mostrar depois de toda a destruição sofrida, mas também tendo em vista que Israel tampouco atingiu seus objetivos estratégicos, o HA tenta ganhar no grito. Em alguns casos com sucesso, como no mundo árabe em geral, e entre os xiitas libaneses. Mas me parece que os demais sectos libaneses estão se dando conta que não podem deixar a decisão de embarcar em uma guerra calamitosa nas mãos de um grupo extra-governamental que não presta contas a ninguem (dentro do Líbano pelo menos).
No que se refere a ações concretas, o HA também agiu rápido. Prometeu ajuda na reconstrução das áreas atingidas, e fez o possível para neutralizar a implementação da resolução 1701. O governo central libanês se viu forçado aceitar os termos do HA para poder enviar o exército ao sul. A insegurança quanto ao status do HA fez os franceses, imbuídos do espirito de 1940, recuarem no compromisso de enviar tropas de combate com um mandato amplo para reforçar a UNIFIL. Sem uma UNIFIL robusta, é pouco provavel que o exercito libanês tome medidas efetivas para desarmar o HA ao sul do rio Litani, ou impeça o seu rearmamento a partir da Síria. Estas eram as principais exigências israelenses para aceitar um cessar fogo. Uma 1701 capenga é quase uma garantia que Israel, que não tem o menor interesse no retorno do status quo ante (para usar a terminologia de uma certa ex-professora de Stanford), retome seus métodos mais diretos de desarmar o HA.
Os políticos libaneses de forma geral se sentem na obrigação de repetir muito da linguagem do HA (com graus variados de sinceridade). Mas aos poucos, uma reação sutil a esta colonização retórica se faz sentir. O primeiro ministro (Siniora), que cresceu muito em estatura durante a guerra, deu a entender que o exército irá reprimir violações do cessar fogo por parte do HA ('para não dar desculpas aos sionistas'), e acenou com a possibilidade de um acordo de paz com Israel (o que deixaria a Síria totalmente isolada) se este 'modificar o seu comportamento'. Obviamente são poucas as chances de qualquer uma das duas coisas acontecer logo, mas estas palavras solapam a legitimidade do HA para conduzir sua 'resistência' à revelia do governo.
Os demais líderes do movimento reformista foram mais explicitos. Saad Hariri (filho de Rafik, RIP) e Walid Jumblat (lider Druzo) deram entrevistas coletivas hoje. Ambos atacaram pesadamente a interferência Síria (afinal os dois tiveram o pai assassinado pelos Assad). Jumblat foi além, e questionou diretamente a lealdade do HA ao estado libanês, além de ironizar a sua suposta vitória. Ambos enfatizaram a união nacional, em oposição às ações unilaterais do HA.
Fica claro que o discurso tanto do HA quanto dos reformistas são centrados na noção (relativamente nova no contexto libanês) de patriotismo. Resta saber qual definição vai prevalecer, se a de patriotismo como resistência ou a de patriotismo como união de todos.
No final das contas, enquanto o conflito entre Israel e HA é bastante direto, a relação de ambos com o Líbano é bem mais complexa, envolvendo tanto ameaças veladas quanto persuasão na tentativa de influenciar o cálculo de perdas e ganhos do governo libanês. Este por sua vez tenta desesperadamente se equilibrar na corda bamba entre a retomada dos ataques israelenses, por um lado, e o retorno à guerra civil, pelo outro. Além disso, os paises que contribuirem para a reconstrução vão querer direcionar o uso do dinheiro, e a Síria ainda mantém uma influência considerável dentro do pais. São muitos os interesses divergentes; as forças internas libanesas podem ter alguma esperança de atingir um consenso; mas as forças externas não podem ser todas reconciliadas.
A grande tragédia do Líbano é ser sempre o campo de batalha para forças fora do seu controle. O resultado do atual conflito interno vai em grande parte definir se esta sina vai continuar se repetindo ou não; ou os libaneses vão forjar uma identidade nacional comum, ou vão continuar divididos, lutando por procuração as brigas dos outros.
5 comentários:
1 pessoa sem nada pra fazer.
Achei interessante o trecho do reformista e do líder druzo. Aqui vão trechos de uma reportagem escrita por um jornalista libanês cristão. Eu vi isso num jornal respeitado da comunidade judaica, então acredito que se possa atribuir veracidade.
As pessoas mais hipócritas da Terra
Michael Béhé
"Os políticos, jornalistas e intelectuais do Líbano experimentaram nestes últimos dias o maior choque de suas vidas. Eles sabiam muito bem que o Hezbollah havia estabelecido um estado independente dentro de nosso país. Um estado que inclui duplicatas de todos os ministérios e instituições afins do Líbano. O que não sabiam – e que descobriram graças à esta guerra (e o que os petrificou de surpresa e de medo) – era a magnitude dessa fagocitose”
“Nosso país tornou-se uma extensão do Irã, e nossa suposta força política serve também de escudo político e militar para os islamitas de Teerã. De repente descobrimos que Teerã armazenou mais de 12.000 foguetes de todos os tipos e calibres em nosso território, e que paciente e metodicamente organizou um exército suplementar, com a ajuda da Síria, que vai ocupando cada vez mais, dia a dia, todos os quartos de nossa casa, o Líbano. Imaginem só isso: que estamos armazenando em território de nosso país mísseis terra-terra do tipo Zilzal, e que o disparo dessas armas, sem que o saibamos, pode desencadear um conflito estratégico regional, potencialmente capaz de aniquilar o Líbano”.
“Essa dimensão fez-nos compreender muitas coisas ao mesmo tempo: que já não controlávamos nosso próprio destino; que não temos os meios básicos necessários para reverter o curso dessa situação e que aqueles que transformaram nosso país num posto avançado de sua doutrina islâmica de combate contra Israel não têm a mínima intenção de, voluntariamente, abrir mão de seu domínio sobre nós”.
“O Irã e a Síria não investiram bilhões de dólares na militarização do Líbano para depois ceder ao desejo dos libaneses e da comunidade internacional, empacotar seus equipamentos e levá-los de volta para casa”
“É fácil agora assumir hipocritamente o papel de vítimas. Sabemos muito bem como fazer os outros terem piedade de nós, e proclamar que nunca somos os responsáveis pelos horrores que regularmente nos assolam. Isso é um grande disparate. A Resolução 1559 do Conselho de Segurança da ONU – que solicitava que NOSSO governo dispusesse NOSSO exército em NOSSO território soberano, ao longo de NOSSAS fronteiras internacionais com Israel, e que ele desarmasse todas as milícias em NOSSO país – foi aprovada em 2 de setembro de 2004. Tivemos dois anos pela implementar essa resolução e com isso garantir um futuro de paz para nossos filhos, mas não fizemos absolutamente nada. Nosso maior crime – e não foi o único! – não foi o de não tê-lo conseguido, mas o de não ter tentado o que quer que fosse. Essa foi a omissão irresponsável dos patéticos políticos libaneses”.
“Todos os que assumem responsabilidades públicas e cuidam da comunicação neste país são responsáveis por essa catástrofe. Com exceção de meus colegas, jornalistas e editores, que estão mortos, assassinados por capangas sírios, porque eles foram menos covardes do que os que sobreviveram”
“O Líbano, uma vítima? Que piada!”
“Atacar um estado vizinho, com o qual não tínhamos qualquer litígio básico ou substancial, e com isso mergulhar-nos num sangrento conflito. Se atacar um estado soberano em seu território, assassinando oito de seus soldados, raptando outros dois e, simultaneamente, lançando mísseis sobre nove de sua cidades não constitui um casus belli, este princípio jurídico tem de ser seriamente revisto”.
“A cada fortificação iraniana-síria que Israel destrói, a cada combatente islâmico que elimina, o Líbano vai renascendo!. De novo os soldados de Israel estão fazendo nosso trabalho. De novo, como em 1982, estamos assistindo – covardemente, humilhantemente, desprezivelmente, e ainda por cima os insultando – a seu heróico sacrifício que nos permite continuar a ter esperança de não sermos engolidos nas entranhas da terra”
“Quanto à destruição causada pelos israelenses... é outra impostura. Os que falam da “destruição de Beirute” são mentirosos, ou iranianos, ou anti-semitas, ou não estavam lá. Mesmo casas situadas a um quarteirão de distância dos alvos onde estavam líderes e armamentos do Hezbollah não foram atingidas, não sofreram um arranhão. É contemplando os resultados desse ‘trabalho’ que se compreenderá o significado de ‘ataques cirúrgicos’, e se admirará a destreza e precisão dos pilotos judeus”
Oi Bruno! Muito legal suas fotos da Turquia.
A minha impressão (lendo os blogs libaneses e conversando com alguns pela internet) é que a oposição aos ataques israelenses foi quase total (pelo que lí, além do MB só alguns membros das LF, um grupo cristão pós-falangista, manifestaram apoio). Por outro lado, a noção de que os todos os Libaneses (ou até mesmo a maior parte deles) agora apoiam o HA é uma completa lorota. Acho que muitos cristãos, druzos e alguns sunitas provavelmente concordarão com o que o MB tem a dizer sobre o HA.
BTW, o artigo saiu na The New Republic, que é considerada a bilbia dos neo-conservadores. O autor é libanês, e trabalha na Metula news agency
Bruno, faltou só um arquivo com os posts anteriores! Tentei acessá-los e não consegui. Abraço!
Bernardo, o blogger está mudando a sua platadorma (em beta no momento), então alguns bugs pipocam ocasionalmente (e.g. o html no meu 'Previous posts'). No momento pelo menos parece que o 'archives' está de volta.
Bruno, interessante e confortante saber que tem gente que pensa e questiona do outro lado.
Tem uma jornalista espanhola não judia, ex-deputada de esquerda, que mantém um site com seus artigos que se chama Pilar Rahola. Eu admiro demais ela e recomendo para leitura. O site é www.pilarrahola.com e recomendo que comece pelo artigo: "Contra Israel se vive melhor". Abraços
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