terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Chez Su, Nashville TN, EUA
O último filho de Krypton voa United



Estou novamente em Nashville, terra da música country, para colaborar com a Su, que após mudar de pais e universidade é agora professora na Vanderbilt. Apesar do frio, estou conseguindo me locomover bem de bicicleta para todo canto, e já estou escolado nas minúcias do preparo do churrasco de porco defumado típico local. Mas para que tudo isto acontecesse, eu primeiro precisava chegar.

Talvez de forma inédita, não cheguei atrasado no aeroporto, e não tive que correr, me locomover por gambiarras multimodais, enfrentar dificuldades de última hora ou recorrer a improvisos para embarcar; não levantei suspeitas em policiais da alfândega nem precisei fazer manutenção de guerrilha na minha bicicleta. Fontes confiáveis me informam que isto é considerado normal nos deslocamentos aéreos da maior parte da humanidade. Tal exotismo me espanta...

O único contratempo foi o não funcionamento do sistema de entretenimento a bordo. O que me deixou mais tempo que o usual para contemplar o aviso luminoso indicando a disponibilidade do banheiro pela presença ou ausência da cruz vermelha sobre um curioso objeto entre duas figuras humanas. Nas laterais, indicações pictóricas de 'proibido fumar', permanentemente acesa, e 'apertem os cintos', ligada intermitentemente.

Inspirado pelo aviso, escrevi o conto que segue (em inglês).

"Are you absolutely sure? Perhaps the quakes will stop after enough energy is released? "

"You revised my calculations yourself, my love. Krypton will cease to be, and soon"

"I know it in my mind; but the mother in me still can't accept it"

"Lara, I understand. Myself, I have felt like two different men barely on speaking terms ever since I found out"

A low-frequency rumble can be heard. At a distance, sirens wail.

"It is time, Jor-El"

"It is. The capsule is ready. But I've been dreading this moment"

"Yes, dreadful. But he needs us, one last time"

The ground shakes heavily and shifts, and sharp rending sounds fill the air as the crust of a dying planet starts to crack.

"Goodbye my son. Their Sun will make you as a God to them..."

"No time for eloquence Jor-El. We will know what God-like feels soon enough, in this chamber you built"

"It was the only way to power the capsule"

"Indeed. But Krypton could have lived for while longer without it"

"To what end? We are a dying people; that could not be changed. You know how much we tried"

"Be it as it may, let's do it now or the sacrifice will be for nought. How do I generate these 'heat rays' you describe? Just concentrate my mind?"

"I believe so. It should feel natural, like opening one's eyes"

Weakly at first, then intensely, red light pulses from the eyes of Jor-El and Lara while they look upon their son for the last time through vaporizing tears. The chamber hums and glows a faint yellow as the energy output of an entire continent is routed though it. A power relay coupling fails, and the yellow dims briefly before a backup comes online. Insulating ceramics crackle and smoke. Hurried footstep are heard from outside, followed by urgents shouts and the sound of something heavy and metallic hitting an unyielding bulkhead. Suddenly, bolts of liquid fire emerge  from two sets of eyes, crossing in the capsule sitting on a pedestal between them. The unnatural matter of the capsule's thin transparent shell absorbs the energy and transmutes it, as space-time starts to shift and bend. Man, woman and capsule are now dark outlines in a sea of red, and the chamber's power surges and fails for one last time.

In his crib, Kal-El smiles and gurgles, contently.

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sábado, 11 de agosto de 2018

Piccadilly line a caminho de Heathrow, Londres
Goodbye to all that

Adeus Londres
Estou na passagem final por Londres, a caminho do aeroporto; cheguei ontem de Newcastle e chego hoje a noite no Brasil. Depois da Alemanha, passei por Londres, pedalei até Oxford, Pedalei até Reading e pedalei até Londres novamente. Peguei um trem para Newcastle, fui e voltei no fim de semana  para/de Cragside, e agora ei-me de volta.

Vários posts escritos e semi-escritos, que irei postar no futuro próximo, espero.

Adeus Newcastle (e a melhor comida chinesa da Inglaterra)

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sexta-feira, 20 de julho de 2018

RE3, entre Züssow e Berlim
A última Fritz Cola em Berlim



Entre uma conferência e outra, eu pedalo. Depois da FENS em Berlim e antes da Sociedade Anatômica em Oxford, pedalei entre Berlim e uma ilha no mar Báltico chamada Usedom. Passei por florestas densas, pântanos cheios de aves, parques eólicos e cidades da ex-Alemanha Oriental onde Trabrants ainda são dirigidos de forma não-irônica. Passei brevemente pela Polônia, na nesga oriental da ilha, a caminho da parada final em Peenemünde, onde Werner Von Braun et al. projetaram, testaram e construíram os foguetes V2 que choveram sobre Londres e Antuerpia nos meses finais da 2a Guerra.

Foram 327km e troco no total. Entre rodovias, trilhas asfaltadas e ladrilhadas, e picadas cascalhosas e arenosas de liquefazer a espinha, cheguei sem maiores transtornos.

Nos últimos anos a minha assiduidade neste blog tem sido patética; o que é uma pena, pois fiz algumas viagens bem interessantes. Eu começava escrevendo um post entre um trecho e outro, mas acabava o meu tempo ou ânimo, e eu não escrevia sobre os trechos subsequentes porque tinha ainda a intenção de terminar o anterior. O resultado foi um ou dois posts esparsos por viagem, se tanto, e uma penca de rascunhos espalhados por diretórios vários.

Desta vez, resolvi esboçar rapidamente um post a cada par de dias. No final (já no trem), escrevo um meta-post amarrando tudo, e vou então publicando um post por dia em ordem cronológica. Vamos ver se funciona...

De qualquer forma, estas são as horas derradeiras da minha primeira visita à Alemanha. No trem, passo na volta pelas cidades por onde passei na ida, de forma um tanto mais laboriosa. Conheci muita gente legal, reencontrei amigos que moram por aqui, e me enturmei com graus variados de desenvoltura linguística com ciclistas pelo caminho. Vou procurar por algo para fazer na cidade, em seguida pedalar até o aeroporto de Tegel, e de lá voar até a Inglaterra. Refaço, portanto, o caminho dos V2 de Peenemünde até Londres, embora (espero) fazendo menos estrago.





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domingo, 15 de julho de 2018

Gusthoff Wilsickow, Pasewalk
Salvando o planeta


Hoje a trilha foi mais longa, 86km. Com mais colinas que a anterior, mas nada muito sério.

Água (ou mais propriamente a sua falta) pode ser um problema em viagens longas em um dia quente como foi hoje. São vários litros ao longo do dia, mesmo descontando as Coca/Fritz-Colas dos dois almoços que fiz pelo caminho (pedalar abre o apetite...). Felizmente, não preciso levar um galão comigo em lugares como o norte da Alemanha; me basta uma garrafa de água mineral comprada em Berlim, e a capacidade de dizer extemporaneamente 'Wasser, bitte' para os locais. Não é Goethe e soa como os delírios de um explorador em apuros no Kalahari, mas funciona.

Faltando uns 20 km para chegar, e com a garrafa vazia, parei em um supermercado para comprar dentifrício. Levei a garrafa, para ser enchida em uma torneira ou bebedouro. No caixa, a atendente apontou para a garrafa e me disse "". Ao perceber que eu não entendia, muito solicitamente pegou a garrafa, atravessou a loja, e a introduziu em uma enorme máquina amarela. "Bebedouro peculiar" - pensei, momentos antes de ouvir os  sons de uma garrafa plástica sendo esmigalhada cruelmente. Para a reciclagem.

A atendente voltou triunfante, e eu não tive coragem de tentar dizer (ou insinuar, comprando uma segunda garrafa) que o que eu queria era água para beber, e não ajudar a salvar o planeta.

Ganhei 25 centavos de desconto no dentifrício, porém.

Pedalei os últimos quilômetros sob um sol Piauístico (exagero. Um pouco.), e com uma dor de cabeça crescente. A 3km do destino, o GPS me instruiu a virar em um caminho estreito coberto de cascalho grosso, que fazia a bicicleta chocoalhar como uma pipoqueira. A tal via é, suponho, usada para a manutenção do parque eólico que atravessei, mas é uma verdadeira autopista comparada com a cratera linear coberta de mato, aparentemente usada por tratores e colheitadeiras a caminho dos campos de cereal adjacentes, em que me enfiei em seguida.

Cheguei finalmente na mansão dos Holtzendorff; uma agradável propriedade rural que foi da família epônima de 1742 até ser expropriada pelo Alemanha Oriental em 1945. Foi readquirida por uma Holtzendorff ('Ilsa-Maria Von Holtenzdorff') após a unificação, e hoje é um pensão* surpreendentemente em conta. Fico aqui mais um dia, e depois pedalo até o Báltico e volto de trem para Berlim; de lá pego avião para Londres, de onde parto de bicicleta para Oxford.


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* O lema da família pode ser lido ao lado do seu brasão, na parte externa da mansão. É uma frase de Ovídio, e é difícil pensar em algo menos Game of Thrones:



RURA QUOQUE OBLECTANT ANIMOS STUDIES COLENDIQUELIBET HUIC CURAE CEDERE CURA POTEST



Que pode ser traduzida como "A vida no campo e o desejo da agricultura também deliciam a mente; aquele que a isto se dedica tem paz antes dos demais". Por que o Ned Stark não pensou nisto?
















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Fahradpension Joachimsthall, Joachimsthall
Tradução simultânea





A minha primeira parada, a 76km do meu AirBnB em Berlim, é a pequena Joachimstall, famosa por possivelmente ser a raiz etimológica e numismática do dólar. A ausência quase completa de colinas por essas bandas (repleta de lagos e florestas) faz o caminho ser bem tranquilo, e é comum ver famílias inteiras viajado de uma cidade a outra.

Fico na 'Fahradpension Joachimsthall', um hotel para ciclistas com um café da manhã reforçado e ferramentas para manutenção e um agradável jardim. Mas quando cheguei, não havia vivalma. Vi uma porta semiaberta e entrei.
Só que era o quarto de uma família alemã. Após explicações e desculpas cabíveis, sai para procurar o análogo local da recepção. Encontrei uma campainha. Toquei e me apresentei. Do outro lado, uma senhora monoglota começou a falar, repetindo a mesma frase incompreendida com graus crescentes de exasperação 
Meus novos amigos/tradutores
Meu escritório
O dono do quarto que invadi veio em meu socorro, e, após conversar com a voz incorpórea, me disse que a monoglota em questão mora por perto e estava a caminho. Ela se mostrou simpática, embora resolutamente incomprensível. Mas fazendo uso novamente do meu novo amigo, consegui me assentar. A pensão é bem legal, tem um jardim e um apiário, e fica perto de Lagos e florestas. O meu plano é alternar dias de pedalar e dias de trabalhar. Hoje então fico aqui revisando papers nos jardins da pensão.

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segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Aeroporto de Narita, Toquio
Contratempos boreais

 
A minha correria para embarcar para o exterior no Galeão já é praticamente um clichê. Antes acreditava que isto sempre acontece porque meu relógio interno não funciona muito bem. Agora acredito que ele funciona com precisão helvética, para organizar todo um dia de atividades pré-viagem, culminando em uma arrumação de mala a jato e uma corrida de Uber que me deposita em frente ao balcão de check-in a poucos minutos do fechamento do vôo.

Desta vez o destino é a setentrional Sapporo, no Japão, onde fui convidado para dar algumas palestras e iniciar uma colaboração acadêmica com a Universidade de Hokkaido. Chego lá por Houston, e Tóquio. Mas não hoje...

Pousei em Tóquio já semi-macerado, 30 horas após sair do Rio. Os trâmites de entrada japoneses são relativamente rápidos, mas envolvem uma profusão de formulários e pedaços de papel que era quase dolorosa para o estado mental em que eu me encontrava. Tudo penosamente preenchido e entregue, fui até a sala de embarque esperar a minha conexão para Sapporo. Do lado de fora nevava de forma intermitente. Na televisão, uma sucessão de repórteres reiterava o óbvio sob uma nevasca ('cai muita neve neste momento', eu os imaginei dizendo), com a cara de quem devia ter ouvido os pais e se formado em odontologia.
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O terminal, durante a noite.
Funcionários da All Nippon Airways tentam remanejar os passageiros
O ônibus que nos levou até o avião já deixava marcas sobre a pista coberta de branco. Embarcamos, taxiamos e... nada. Por seis horas ouvimos do piloto pedidos de desculpa cada vez mais efusivos em inglês, chinês e japonês. Do lado de fora, a neve nunca parou de cair.

Taxiamos de volta.

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O terminal, pela manhã
Dentro do terminal, uma cena de barbárie Hobbesiana digna de The Waking Dead nos esperava - se os zumbis fossem escrupulosamente limpos e marchassem em formação, enquanto pediam desculpas por mastigar o cérebro alheio. Longas mas silenciosas filas se organizaram espontaneamente. Remarquei minha passagem para o dia seguinte (saindo de Haneda, o outro aeroporto do outro lado da cidade), e recebi da companhia aérea (ANA) um saco de dormir, agua e biscoitos. Na falta de ônibus (por falta de estradas desimpedidas), trens (pelo horário, acho) e vagas de hotel (por excesso de demanda), eu eu alguns milhares dos meus amigos mais chegados acampamos por aqui mesmo.

Encontrei um canto relativamente vazio e escuro, em um terraço sobre os balcões de check-in e ao lado da sala de fumantes. Acordei com o som de pássaros (tocando do sistema de som). O céu amanheceu azul, e uma tropa de caminhonetes dotadas de pás limpava diligentemente a neve da pista. Por razões que ainda permanecem obscuras, o terminal não havia ainda sido tomado por gangues rivais lutando pelo controle das lojas de conveniência e aterrorizando a região com seus carrinhos de bagagem envenenados. Aproveitei a colher de chá para tomar um café da manhã respeitável. Em breve passarei algumas horas atravessando Tóquio até Haneda, em um trem com mais de 30 paradas programadas. Acho que quando chegar em Sapporo, jet lag será o menor dos meus problemas...

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