quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Convention center, New Orleans
Lista de tarefas

É quase tautológico dizer que viajar sozinho é as vezes solitário.  Mas o isolamento também nos força a interagir mais intensamente com os locais. É certamente mais fácil descobrir o não-óbvio e inusitado longe da bolha criada pela familiaridade. New Orleans é uma cidade cheia de pequenos segredos; pátios escondidos e porões ditos assombrados, músicos obscuros tocando por trocados e restaurantes meio mambembes que (dizem os boatos) servem guaxinim ocasionalmente.


Se a visita é curta, é muito útil ter um(a) guia local. A minha foi a Nandini. Ela é professora na Tulane, originária da Índia, e mora aqui a menos de cinco anos, mas parece já ter estado em cada boteco e beco da cidade. E, até dois dias depois da minha chegada aqui, era uma completa estranha para mim.

Eu sabia que o Alex, de quem fiquei amigo quando ele me hospedou em Nova Iorque (por recomendação de terceiros, i.e., a Mariana) há alguns anos, havia morado na cidade até recentemente. Obviamente, fui me informar com ele sobre lugares interessantes para ir. Ao que ele me respondeu ‘Porque você não pergunta para a minha esposa?’. Ele provavelmente já havia me dito que ela ainda morava por aqui, mas a informação não formou sinapses. Pois bem, depois de mais alguma conversa com o Alex (ao longo da qual ele me ofereceu emprestada uma bicicleta que ele havia deixado por aqui), mandei um email para a Nandini, esperando uma resposta educada com uma ou duas recomendações de restaurantes. Recebi uma enorme missiva, com uma lista detalhada de restaurantes e atrações, comentada e indexada, seguida de uma série de convites para almoços, bar crawls e socials. 

Ainda estou trabalhando com afinco em ambas as listas.

Pode não parecer, mas também tenho aproveitado bastante os congressos científicos. O JB Johnston (lema: ‘We have more brains than you’) é um encontro pequeno, essencialmente sobre neuroanatomia comparada; então assistimos palestras sobre o sistema nervoso de todo tipo de animal que jamais pisou na arca de Noé ou nadou a sua volta: lesmas e sangue-sugas, polvos, tartarugas, elefantes e baleias, etc. O SfN, por outro lado, transforma todo ano um centro de convenções em uma pequena vila habitada por neurocientistas e vendedores de equipamento de laboratório. Para alguém como eu, que vem de outra área, as palestras plenárias são extremamente úteis. Devido à generalidade de assuntos e a sua própria natureza bogdoniana, a SfN não é o tipo de encontro que estimula discussões profissionais mais intimistas; mas por alguma razão este eu tive mais e mais interessantes discussões do que nos eventos anteriores.  De fato, acho que após discutir dismorfia sexual das glias com um professor japonês bêbado, estou apto a debater qualquer assunto.

Em termos pé-na-jáquicos, o mesmo tem acontecido. Explorei a arquitetura local, comi jacaré defumado e insetos fritos no museu homônimo (cobertos de chocolate, não têm muita graça; mas waxworm com temperos mexicanos é interessante, e grilo cajun é delicioso). Eu já saí com gente de tantos países e estados dos EUA diferentes, ouvi tantos estilos de música distintos, e fui a tantos bares e restaurantes de todos os tipos, que já estou dando orientações detalhadas para turistas na rua. Acho que entendo a Nandini um pouco melhor agora...
 

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segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Hotel Villa Convento, New Orleans
Ciência e pé na jaca na Big Easy

Todos os fatores referentes à minha estada aqui em New Orleans até agora contribuíram para que eu poste com menos frequência neste blog. Eu apresentei dois trabalhos diferentes em dois encontros distintos, que têm sido tão interessantes quanto cansativos; esta é uma cidade fascinante, e o único lugar nos EUA onde eu consistentemente comi bem o tempo todo, e sai todas as noites com grupos vários e multinacionais. Entre a dicotomia de participar de congressos e enfiar o pé na jaca, tive pouco tempo e energia para postar no blog ou fazer qualquer outra coisa.

O charme da cidade não vem de alguma atração específica ou vista espetacular, mas da combinação dos charmes culinário, musical e arquitetônicos, sintetizados no (mas não circumscritos ao) French Quarter. Mesmo evitando a já um tanto batida Bourbon Street, aqui é possível ir percolando pela ruas locais, guiado somente pela arquitetura local, durante o dia, ou pela música emanando dos vários bares e congêneres, durante a noite. Como consequência, vamos então  experimentando uma variedade de ambientes, estilos musicais e bebidas alcólicas diferentes, e nos encontrando com pessoas randômicas, entre locais e turistas  (que, em geral, se mostram ser neurocientístas; como somos 30.000 em uma cidade de 300.000, tivemos um impacto demográfico localmente significativo).

Eu cheguei transnoitado no aeroporto, peguei um ônibus até o centro da cidade, e fui andando até a casa do meu anfitrião (couchsurfing!). Tomei um banho, troquei de roupa e tentei explicar para ele brevemente o que eu fazia, nesta ordem. Mas tive que deixar o meu mais novo (e bastante confuso) amigo para trás e ir direto, a pé por me faltar ainda uma bicicleta,  para o hotel onde ocorria a primeira das 3 conferências das quais vim participar*. Hotel alias famoso, o Orleans, onde os senhores das plantações locais iam a procura  de senhoritas mestiças (com exatamente 1/4 de descendência negra, não mais, não menos, e postadas nas extensas varandas rapunzelicamente) com quem formar o que era eufemisticamente conhecido como 'alianças'. A rua homônima termina nos fundos da catedral local (onde a sombra projetada pelos braços levantados de uma estátua de Jesus  deu origem ao apelido 'Touchdown Jesus')
 

A culinaria local é particularmente rica, com três grandes vertentes. A cozinha creole é tradicionalmente urbana, com grande influencia francesa, mas adaptando técnicas e ingrediantes. O mirepoix (cebola, aipo e cenoura refogados) se torna a  holy trinity (com pimentões substituindo as cenouras), os rouxes (farinha frita na manteiga, base de molhos vários) se tornam mais escuros (i.e., aquecidos por mais tempo, ficando mais saborosos mas menos espessos). Aparentada, a culinaria cajun é rural, mais rústica, e e com a fama de transformar em cozido ou churrasco qualquer vertebrado desafortunado o suficiente para se encontrar sob a mira de uma espingarda, preso a um anzol ou debaixo de uma roda de caminhonete. Finalmente, a soul food é a tradicional comida das comunidades negras locais (com influencias indígenas), usando  ingredientes locais e originados do oeste da África (e.g. o quiabo ou o feijão que chamamos fradinho), e que em alguns aspectos lembra bastante a culinária mineira/brasileira (feijão com arroz!). Como New Orleans é, de forma quase única nos EUA, um lugar onde elementos significativos da cultura africana foram preservados, é também um dos centros de difusão da Soul Food. Obviamente, as fronteiras entre os vários estilos são permeáveis. Todos fazem uso extenso dos frutos do mar e usam a baba do quiabo como espessante de molhos, por exemplo, e falam pelo menos a mesma linguagem gastronômica, embora em dialetos bastante distintos.

Este papo está me deixando com fome. Vou fazer um lanche na vizinhança, e depois preciso dormir. Posto mais nos dias seguintes.

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* As duas primeiras ocorreram no mesmo local em dois dias seguidos e foram organizadas pelo JB Johnston Club; me apresentei oralmente na segunda. A terceira é a enorme reunião anual da Society for Neuroscience, onde apresento um poster

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quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Aeroporto Intercontinental GB, Houston
Vampiros a bordo

Estou em Houston, esperando a minha conexão para New Orleans.

Assistir Abraham Lincoln, Vampire Hunter em um vôo noturno no meio de uma tempestade de raios foi épico. Exceto pela inexplicada proficiência de combate em Bullet Time do encartolado Sr. Lincoln, e alguma sequencias de ação CGÍsticas demais, o filme é de um realismo quase documentarial. Eu não certamente sabia da importância da prataria da Casa Branca para a vitória do Norte em Gettysburg na guerra da secessão americana... Espero ansiosamente as continuações: Andrew Jackson, Werewolf Slayer e Teddy Roosevelt vs. Goddzilla.

Viajei ao lado de uma modelo (sim, isto acontece) até aqui, e acabei me desdobrando como tradutor improvisado perante um inquisitivo agente de imigração. Ela está indo para Los Angeles para se encontrar com o namorado, um jogador no futebol europeu, mas algo na história (ou monoglotismo) dela encucou o tal agente. Como é a primeira vez que ela vem aos EUA, é interessante notar através de seus olhos o quão opressivos os procedimentos de segurança por aqui se tornaram. Certamente, é assustador ouvir barbaridades tais como:

'You are reminded that any inappropriate remarks or jokes may result in your arrest'

Que o autofalante local repete a cada 15 minutos (alternadamente com avisos sobre bagagem desacompanhada e exortações a respeito do entusiasmo que agentes de segurança supostamente teriam em responder perguntas de passageiros randômicos).

A voz incorpórea volta a chamar o meu nome, desta vez com sotaque Texano...

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quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Sala de embarque, Aeroporto do Galeão House in New Orleans

Estou a caminho de New Orleans, para dois congressos de neurociência. Depois, atravesso de trem os EUA de sul a norte, para uma reunião em Bloomington, Indiana. Para variar, estão chamando o meu grupo de embarque. Mais informações sobre o meu destino do vídeo abaixo


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