sexta-feira, 20 de julho de 2018

RE3, entre Züssow e Berlim
A última Fritz Cola em Berlim



Entre uma conferência e outra, eu pedalo. Depois da FENS em Berlim e antes da Sociedade Anatômica em Oxford, pedalei entre Berlim e uma ilha no mar Báltico chamada Usedom. Passei por florestas densas, pântanos cheios de aves, parques eólicos e cidades da ex-Alemanha Oriental onde Trabrants ainda são dirigidos de forma não-irônica. Passei brevemente pela Polônia, na nesga oriental da ilha, a caminho da parada final em Peenemünde, onde Werner Von Braun et al. projetaram, testaram e construíram os foguetes V2 que choveram sobre Londres e Antuerpia nos meses finais da 2a Guerra.

Foram 327km e troco no total. Entre rodovias, trilhas asfaltadas e ladrilhadas, e picadas cascalhosas e arenosas de liquefazer a espinha, cheguei sem maiores transtornos.

Nos últimos anos a minha assiduidade neste blog tem sido patética; o que é uma pena, pois fiz algumas viagens bem interessantes. Eu começava escrevendo um post entre um trecho e outro, mas acabava o meu tempo ou ânimo, e eu não escrevia sobre os trechos subsequentes porque tinha ainda a intenção de terminar o anterior. O resultado foi um ou dois posts esparsos por viagem, se tanto, e uma penca de rascunhos espalhados por diretórios vários.

Desta vez, resolvi esboçar rapidamente um post a cada par de dias. No final (já no trem), escrevo um meta-post amarrando tudo, e vou então publicando um post por dia em ordem cronológica. Vamos ver se funciona...

De qualquer forma, estas são as horas derradeiras da minha primeira visita à Alemanha. No trem, passo na volta pelas cidades por onde passei na ida, de forma um tanto mais laboriosa. Conheci muita gente legal, reencontrei amigos que moram por aqui, e me enturmei com graus variados de desenvoltura linguística com ciclistas pelo caminho. Vou procurar por algo para fazer na cidade, em seguida pedalar até o aeroporto de Tegel, e de lá voar até a Inglaterra. Refaço, portanto, o caminho dos V2 de Peenemünde até Londres, embora (espero) fazendo menos estrago.





Continue lendo...>>

domingo, 15 de julho de 2018

Gusthoff Wilsickow, Pasewalk
Salvando o planeta


Hoje a trilha foi mais longa, 86km. Com mais colinas que a anterior, mas nada muito sério.

Água (ou mais propriamente a sua falta) pode ser um problema em viagens longas em um dia quente como foi hoje. São vários litros ao longo do dia, mesmo descontando as Coca/Fritz-Colas dos dois almoços que fiz pelo caminho (pedalar abre o apetite...). Felizmente, não preciso levar um galão comigo em lugares como o norte da Alemanha; me basta uma garrafa de água mineral comprada em Berlim, e a capacidade de dizer extemporaneamente 'Wasser, bitte' para os locais. Não é Goethe e soa como os delírios de um explorador em apuros no Kalahari, mas funciona.

Faltando uns 20 km para chegar, e com a garrafa vazia, parei em um supermercado para comprar dentifrício. Levei a garrafa, para ser enchida em uma torneira ou bebedouro. No caixa, a atendente apontou para a garrafa e me disse "". Ao perceber que eu não entendia, muito solicitamente pegou a garrafa, atravessou a loja, e a introduziu em uma enorme máquina amarela. "Bebedouro peculiar" - pensei, momentos antes de ouvir os  sons de uma garrafa plástica sendo esmigalhada cruelmente. Para a reciclagem.

A atendente voltou triunfante, e eu não tive coragem de tentar dizer (ou insinuar, comprando uma segunda garrafa) que o que eu queria era água para beber, e não ajudar a salvar o planeta.

Ganhei 25 centavos de desconto no dentifrício, porém.

Pedalei os últimos quilômetros sob um sol Piauístico (exagero. Um pouco.), e com uma dor de cabeça crescente. A 3km do destino, o GPS me instruiu a virar em um caminho estreito coberto de cascalho grosso, que fazia a bicicleta chocoalhar como uma pipoqueira. A tal via é, suponho, usada para a manutenção do parque eólico que atravessei, mas é uma verdadeira autopista comparada com a cratera linear coberta de mato, aparentemente usada por tratores e colheitadeiras a caminho dos campos de cereal adjacentes, em que me enfiei em seguida.

Cheguei finalmente na mansão dos Holtzendorff; uma agradável propriedade rural que foi da família epônima de 1742 até ser expropriada pelo Alemanha Oriental em 1945. Foi readquirida por uma Holtzendorff ('Ilsa-Maria Von Holtenzdorff') após a unificação, e hoje é um pensão* surpreendentemente em conta. Fico aqui mais um dia, e depois pedalo até o Báltico e volto de trem para Berlim; de lá pego avião para Londres, de onde parto de bicicleta para Oxford.


_______________________
* O lema da família pode ser lido ao lado do seu brasão, na parte externa da mansão. É uma frase de Ovídio, e é difícil pensar em algo menos Game of Thrones:



RURA QUOQUE OBLECTANT ANIMOS STUDIES COLENDIQUELIBET HUIC CURAE CEDERE CURA POTEST



Que pode ser traduzida como "A vida no campo e o desejo da agricultura também deliciam a mente; aquele que a isto se dedica tem paz antes dos demais". Por que o Ned Stark não pensou nisto?
















Continue lendo...>>

Fahradpension Joachimsthall, Joachimsthall
Tradução simultânea





A minha primeira parada, a 76km do meu AirBnB em Berlim, é a pequena Joachimstall, famosa por possivelmente ser a raiz etimológica e numismática do dólar. A ausência quase completa de colinas por essas bandas (repleta de lagos e florestas) faz o caminho ser bem tranquilo, e é comum ver famílias inteiras viajado de uma cidade a outra.

Fico na 'Fahradpension Joachimsthall', um hotel para ciclistas com um café da manhã reforçado e ferramentas para manutenção e um agradável jardim. Mas quando cheguei, não havia vivalma. Vi uma porta semiaberta e entrei.
Só que era o quarto de uma família alemã. Após explicações e desculpas cabíveis, sai para procurar o análogo local da recepção. Encontrei uma campainha. Toquei e me apresentei. Do outro lado, uma senhora monoglota começou a falar, repetindo a mesma frase incompreendida com graus crescentes de exasperação 
Meus novos amigos/tradutores
Meu escritório
O dono do quarto que invadi veio em meu socorro, e, após conversar com a voz incorpórea, me disse que a monoglota em questão mora por perto e estava a caminho. Ela se mostrou simpática, embora resolutamente incomprensível. Mas fazendo uso novamente do meu novo amigo, consegui me assentar. A pensão é bem legal, tem um jardim e um apiário, e fica perto de Lagos e florestas. O meu plano é alternar dias de pedalar e dias de trabalhar. Hoje então fico aqui revisando papers nos jardins da pensão.

Continue lendo...>>