terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Laboratório de Neuroanatomia Comparada da UFRJ, Rio de Janeiro
Brainjuice II

Finalmente comecei o meu posdoc para valer. Já vim ontem, e estou hoje, aqui no laboratório, tendo a Su como chefe. Até agora estou adorando a experiência. Por dentro, o laboratório tem uma aparência enganadoramente caseira, com uma pia, bebedouro, duas geladeiras, e diversos cérebros e partes de cérebros em formol, em recipientes empilhados como picles na estante. Parece, a primeira vista, uma cozinha; como veremos, a analogia culinária pode ser extendida um pouco mais.

Em um post anterior já falei um pouco sobre o trabalho que estamos fazendo. Essencialmente, eu estou aqui para elaborar modelos teóricos da construção de cérebros de mamíferos, baseados nos dados obtidos no laboratório (não, isto não tem nada a ver com minha tese de doutorado. Ou mestrado. Ou com minha graduação. Ou com o COLTEC. Eu gosto de novidades...). Porém, para não correr o risco de ficar falando sobre vacas esféricas, decidimos que hoje eu ajudaria a Suzana a preparar o suco do cérebro de um gorila. Por alguma razão várias das nossas vítimas entre os primatas superiores tem nome; hoje eu fiz suco com o cérebro (cerebelo, na verdade) do Oko, o gorila.

O propósito do suco de cérebro é criar uma suspensão dos núcleos das neurocélulas, para que (por amostragem), o seu número e tipo possam ser contabilizados. Para tanto, precisamos:

1) Picar: Com um bisturi. Em fatias, depois a julliene, e, finalmente, em finas lâminas (mecânica e visualmente, é parecido com picar alho).

2) Macerar: O picadinho é colocado em um tubo de vidro com boca abaulada, juntamente com detergente (para quebrar as paredes celulares) e sal (para que os núcleos não explodam por pressão osmótica). Um outro tubo de vidro, com lados asperizados, é então introduzido no primeiro. Com movimentos suaves, o objetivo é ir aspirando pequenas quantidades do picadinho para o interstício entre os tubos de vidro. Um movimento rotatório vai então macerando tais pedaços (dá para ver eles desaparecendo). É um processo trabalhoso, que lembra um pouco misturar risoto (no sentido de que cansa, é repetitivo, e é preciso ficar adicionando líquido aos poucos). Mas o espumante e espesso suco cinzento resultante, após a adição de um contraste de DNA, está pronto para ir para o microscópio, para contagem de células.

Devo dizer que me diverti muito com o Oko. Mesmo alguém tão nerd quanto eu não consegue se envolver com todas as tribos e etnias do Grande Nerdistão. Assim como eu me admirava com as habilidades dos overclockers, astrônomos amadores, gamers e hackers no Campus Party, exatamente por não ser nenhuma destas coisas, eu me espanto com as habilidades e métodos dos biólogos, e com suas diferenças culturais em relação a nós, físicos teóricos. Neste sentido, esta minha experiência está sendo educativa em mais de um sentido.

Falando em Campus Party, de forma totalmente gratuita, eis uma foto para mostrar como a minha vida lá estava difícil.

(da esquerda para a direita: Raquel Camargo, Meninaquejoga e S1mone, Maria Nerdeiras.)

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quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Casa, Rio de Janeiro
Twittering Zombies

Eis o filme de zumbi em que atuei, concebido, produzido e dirigido pelo blogueiro e polímata Fernando Mafra (aka o maniaco do Anhagabaú, ou o homem da chuquinha rosa), e estrelado pela Milena Wiek. É um filme trash-art, eu diria. Apresentado pelo Zé do Caixão! (sério)

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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Planetário da Gávea, Rio de Janeiro Eclipse do eclipse


Hoje a noite vai rolar um eclipse total lunar. Estou a caminho do Planetário munido de câmera, binóculo e laptop.

(22:12) Vim de bicicleta para o planetário, com a câmera digital da Ceci, meu binóculo e laptop (todas as posses materiais de que realmente preciso). Havia combinado de me encontrar com um grupo razoávelmente grande e heterogêneo, mas um a um, a lá Três Mosqueteiros, eles foram ficando pelo caminho. A S1mone tinha um compromisso inadiável; o Sandro precisava terminar de debugar alguma coisa; a Mariana estava se descabelando com um seminário; e o Catão, Breno e demais mineiros acabaram barrados na porta, por falta de senha. Assim, estou eu, sozinho (exceto por 259 estranhos também contemplados com senha), para observar o eclipse.

As perspectivas, porém, não são boas. O tempo está nublado, e a lua aparece só intermintentemente. Pelo menos ninguem me perguntou se faço mapa astral ainda.

(22:25) Uhu! WiFi!

(23:10) Uma maconheira do meu lado fica me perguntando se eu já li 'O Segredo'. Que saco! Da próxima vez digo que sou encanador ou algo assim

(00:00) Saco, a lua já deve estar na umbra e continua nublado

(00:01) Começou a chuviscar. Se Deus estivesse aqui, eu perguntaria para Ele: 'Cê tá de sacanagem, né?'

(01:07) [em casa] Acho que com essa já somei mais 5000 pontos no meu cartão Funai Platinum. Aproveitei para aprender a tirar fotos noturnas sem flash (um dia posto aqui, mas nada particularmente instigante). Além da chuva, os holofotes que as três equipes de gravação ficavam ligando sem a menor cerimônia durante a noite encheram um pouco o saco. Alias, o que esse povo aprende na escola? Um reporter não sabia se o eclipse de hoje ocorria porque a Lua passava entre a Terra e o Sol ou o contrário.

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domingo, 17 de fevereiro de 2008

Ibirapuera, São Paulo
Misteriosa bola amarela no céu cega nerds

Hoje é o ultimo dia do Campus Party, e os participantes sobreviventes vagam pelo saguão com aquele olhar vazio e passo arrastado geralmente associado à insones ou zumbis. Me incluo no momento na primeira categoria, fiz parte por um breve momento ontem da segunda: O Fernando dirigiu um filme de zumbis, com direito à participação especial do Zé do Caixão e sangue de ketchup, e fiz apropriadamente o papel do morto-vivo que começa a infecção. Quando tiver o link para o produto final editado, posto aqui.

O dia de ontem transcorreu de forma muito semelhante ao anterior, e novamente vi muitas coisas interessantes e surpreendentes. A CP é notável por atrair gente muito competente, desde os overclockers da noite anterior aos entusiastas por simulação de voo que construíram uma engenhoca para acoplar o controle do ângulo de visão do avião aos movimentos de cabeça do usuário. Mas, pessoalmente, o que mais me impressionou foi uma palestra de um entusiasta de fotografia astronômica, um médico que entende muito mais do assunto do que qualquer astrônomo profissional que conheço (e cuja plateia incluía membros de um grupo amador que construiu um observatório automatizado na Serra da Piedade e já descobriu 13 supernovas*).

Ontem ocorreu ainda o primeiro protesto nerd do pais. Liderado por um robô e contando com a presença do nosso velho conhecido na fantasia de pinguim, o barulhento ato foi agregando participantes a medida em que passava. De longe a facção mais animada era a dos que defendiam a 'liberação do Counter Strike', um tema que talvez seja hermético demais para ser explicado para O Globo; mas o tema central era preservar a liberdade na e integridade da Internet (contra, em particular, projetos de lei fantásticamente estúpidos a respeito). O protesto terminou em uma rave improvisada, no qual a Raquel ficou assediando o Pinguim enquanto era por sua vez assediada por um careca mal-enjambrado.

Durante a noite resolvemos sair do Ibirapuera, para ver o alto teto abobadado azul escuro que as antigas lendas dizem existir fora da Campus Party. Fui com o Fernando e a Raquel comer uma espécie de PF japonês, em um restaurante de um balcão em buraco na parede de uma galeria fechada (sem Yakuzas jogando dominó desta vez, mas acho que só demos sorte). Em seguida fomos com um grupo maior para um bar na Vila Madalena. O começo da noite foi exclusivo para portadores dos cartões Gold e Platinnum da Funai; primeiro demoramos 40 minutos para arregimentar todos os convivas, depois nos ensardinhamos por um engarrafamento noturno, enquanto o Fernando dava um exemplo de civilidade urbana com sua direção estilo Mad Max. Finalmente, chegamos no bar, não encontramos quem havia nos convidado para ir lá, e esperamos mais meia hora para conseguir uma mesa. Depois a noite melhorou. Eu estava porém com muito sono (havia dormido muito bem, mas muito pouco, na minha barraca no dia anterior). Após tomar uma cápsula de guaraná em pó (cortesia da s1mone), porém, comecei a falar pelos cotovelos de forma absolutamente maníaca, indo da termodinâmica da neurogênese ao gnosticismo à fragilidade do sistema bancário na Asia. Aos poucos, passei a me comunicar em uma largura de banda mais normal, e voltei ao meu estado insone anterior. Como o prédio da Bienal só abriria as 5 da matina do dia seguinte, fomos matar o tempo restante em um café, e voltei para o Ibirapuera e para minha barraca já dormindo o sono dos justos.

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* Este tipo de observação é imporante para calcular a taxa de expansão do universo de forma independente de modelos. Falando sério, esse povo é muito foda.

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sábado, 16 de fevereiro de 2008

Ibirapuera, São Paulo
Nerdstock

A coisa mais complicada em relação à Campus Party é explicar para os desavisados do que se trata. Chamar o encontro de 'Nerdstock' tem o seu charme, mas não elucida muita coisa. Nerdice é um conceito muito amplo para ser abrangido em um só evente (cf. o encontro anterior que fui).

Restringindo um pouco os parâmetros do discurso (são 3 da matina; tenham dó!), faz sentido dizer que o CP congrega aquelas modalidades nérdicas que envolvem computadores de alguma forma. Metade do pavilhão é tomado por compridas mesas dotadas de conexão de internet e electricidade, onde os visitantes conectam seus computadores, e passam a maior parte do tempo. Pode parecer paradoxal a ideia de vir a um 'encontro' para enfiar a cara em uma tela de computador, mas o fato é que vários participantes interagem com seus vizinhos por meio de uma mistura de software (blogs, twitter, IM, Counter Strike, etc) e meatware (em geral, usando ondas sonoras semantizadas por modulação de pregas vocais, uma nova e revolucionária mídia conhecida como 'conversa''). Ocasionalmente, se levantam para visitar algumas das inúmeras atividades ocorrendo simultaneamente, tanto por seu interesse intrínseco quanto pelo seu potencial de gerar um post.

Não vou tentar resumir o evento (tem muita gente fazendo isso), mas enumero algumas das coisas que me chamaram a atenção

- Existe um senso de comunidade parecido com o que experimentei no Nova Física. Me sinto confortável aqui.

- Freebies! A presente congregação representa a demografia dos sonhos dos marqueteiros de qualquer empresa de tecnologia. Flickr, Google, MS, Terra e a Lan House da Mãe Joana vão competindo em nos encher de penduricalhos e brindes em geral. Considerando que levo tudo nas costas de volta ao Rio, pode ser um barato que sai caro.

- Algumas horas atrás um grupo bateu o recorde mundial de overclocking. O mais interessante era a plateia, que no espírito de um fla-flu comemorava cada megahertz como um gol aos 48 do segundo tempo.

- Uma peça de teatro meio, err, ruim, sobre Linux, onde Jon Maddog Hall faz uma participação especial como Deus ou algum tipo de profeta ('Praised be Linus of the house of the Penguin' ou algo assim; sério, provavelmente o melhor texto da peça). Depois de sofrer com inúmeras telas azuis da morte (mostradas em toda a sua glória em telões atrás do palco), e após um interlúdio onde desfilaramm no palco bonecos a lá Disney de um penguim, um javali (JAVA LIvre, sacou?) e uma diabinha bastante mais apresentável, nossos sofridos e histriônicos heróis instalaram Linux e salvaram o dia, ganhando dinheiro, mulheres e fama (sério!).

- Robôs, simuladores de vôo, campeonato de Street Fighter II, oficinas de Modding, o Marcos Pontes (o Astronauta Brasileiro!) sendo recebido como heroi, kung-fu virtual

Acho que dá para ver que estou adorando. Mas estou morrendo de saudades do meu filho também...

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sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Hotel Leão da Montanha, Campos do Jordão
Baden Baden

Campos do Jordão é uma cidade agradável. De fato, em todos os aspectos, o Nova Física provavelmente é o meu congresso anual favorito. É um encontro focado em juntar físicos e astrônomos, e a interação entre os participantes, em quantidade e qualidade, é muito superior ao (e.g.) encontro de partículas e campos. Parece até piegas, mas é um evento onde um real sentimento de comunidade existe. É algo imponderável, mas bem real, e se manifesta na facilidade em nos sentamos na mesa de jantar de desconhecidos, e nas perguntas e comentários que surgem por todos os lados.

As palestras são em geral boas, mas o mais inusitado é que praticamente todos os participantes assistem a todas elas. O WiFi ajuda, obviamente (há sempre que prefira ver resultados de futebol ou bater papo no gtalk a ouvir sobre emissões de raio-x em superclusters); mas o interesse pelas apresentações é bem real.

Hoje (ontem) foi o encerramento, e como é tradicional, descemos em peso até a Baden Baden, uma renomada e careira cervejaria local. Amanhã (ou, mas propriamente, de manhã), ainda há palestras. Porém, de forma igualmente tradicional, muitos dos até então assíduos participantes serão afetados pelo chamado Efeito Baden Baden, e irão preferir 'revisar artigos' ou 'preparar aulas' do conforto de suas camas, embalados pelo suco de cevada fermentada da noite anterior.


PS: Estou subindo este post já do Campus Party; vim de CdJ de carona com um professor do ITA até São José dos Campos, e de lá peguei um onibus até Sampa. Depois posto sobre o CP, mas para quem estiver interessado, posts não faltam pela blogosfera brasileira afora (metade dela está aqui de qualquer maneira).

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terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Hotel Leão da Montanha, Campos do Jordão
Perdendo coisas

Estou em Campos do Jordão para o VII Workshop Nova Física no Espaço. É um dos meus encontros favoritos, com relativamente poucos participantes, onde sempre ocorrem discussões interessantes. O fato de que ocorre em um Hotel excelente situado em uma cidade agradável também ajuda.

Como de costume, viajar foi um tanto menos não-trivial do que deveria. No domingo (dia em que pegaria um ônibus para São Paulo, com conexão para CdJ), fui para a praia com a Naira (e a Jacqueline, minha amiga francesa que na visita anterior trouxera o envelope para Rosa Mara). Após a passagem de um bloco barulhento acompanhado por um Bin Laden saltitante, Langley enviou uma chuva diluvial. Na pressa de achar um taxi, esqueci minhas chaves na bolsa da Naira. De noite, peguei um taxi até a casa da Naira para recuperar minhas chaves (e aproveitar para bater um papo), e prontamente esqueci o celular no banco do táxi...

Após algumas tentativas, finalmente uma voz feminina atendeu o meu celular. Ela havia achado o porcaria no táxi, e resolveu leva-lo para casa por alguma razão. Me forneceu o endereço de seu prédio, e disse que o deixaria com o porteiro.

Peguei então outro táxi, temendo estar indo para uma boca de fumo e/ou sauna gay (onde obviamente eu chegaria momentos antes de uma batida da polícia). Felizmente, era um prédio residencial perfeitamente ordinário. O porteiro, inicialmente, me encarou como se eu efetivamente estivesse a procura de uma boca de fumo e/ou sauna gay, mas após alguma mímica entendeu que só queria o meu celular.

Com o dito cujo na mão, pulei de volta no táxi, que me levou até a rodoviária, onde peguei um semi-leito até São Paulo, onde cheguei 10 minutos depois da saída de um ônibus para CdJ. Com três horas para matar até a saída do próximo, fiquei vagando pelo Terminal Tietê, e fui notando um profusão de viajantes portando incongruentes combinações de apetrechos de acampamento (barracas, sacos de dormir) e acessórios nerd (mochilas para laptop, palms, etc.). Obviamente, estavam a caminho da Campus Party. São pessoas que, ao ouvirem 'estava postando no meu blog ontem e...', do não lhe olham com aquela mistura de horror, surpresa e curiosidade mórbida normalmente reservados para ETs, ornitorrincos púrpura e afins. Tais pessoas efetivamente respondem algo como 'Interessante. No meu blog eu...' (o mesmo pode ser dito, aqui no Nova Física, sobre comentários do tipo 'modelos inflacionários não resolvem o problema da época pré-planckiana'). Encontrei algumas pessoas legais, antes de embarcar, com minha mochila de laptop adornada com saco de dormir e esteira (vou para a CP na sexta.

O resto da viagem transcorreu sem mais percalços. O encontro está bastante interessante, mas ainda não fui na cidade porque a chuva não para. Minha apresentação foi hoje ('Do recent observations rule out an observable cosmic topology in the inflationary limit?'), e correu bem. Agora vou jantar.

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