terça-feira, 8 de agosto de 2006

Casa, Rio de Janeiro
(desarmando o HA, esnobando a Siria)

Continuando na linha 'lorotas contadas sobre a guerra', preciso mencionar mais algumas:

Dizer que o Líbano teve 6 anos para desarmar o HA: ... É no mínimo uma meia verdade. Para começar, por 5 desses anos o pais esteve sobre controle efetivo de Damasco. Mesmo após terem sido forçados a se retirar, os Sirios ainda mantiveram certa influencia atraves de alguns prepostos e aliados locais (c.f. o presidente, Emile Lahoud); e por sua aliança com o HA. Além disso, embora os reformistas libaneses (aka o movimento de 14 de março) tenham uma pequena maioria no parlamento, a aliança de coveniencia entre o HA e o grupo liderado por Michel Auon (um ex-general cristão, anteriormente oponente intransigente da Siria) efetivamente bloqueou a maior parte das reformas. Finalmente, a fraturada estrutura sectaria da sociedade libanesa torna quase impossivel um governo efetivo que não seja de união nacional. No final das contas Siniora (o premiê Libanes, um tecnocrata sério que ocupa o cargo esquentando a cadeira para Saad Hariri, filho do ex-premiê assassinado) foi obrigado a fazer um acordo que incluiu o HA no governo, e o reconheceu como um movimento de resistencia, e não uma milicia. O HA já demonstrou mais de uma vez que pode paralisar o geverno se decisões forem tomadas 'fora do consenso'; quando Siniora concordou em apoiar um tribunal internacional para julgar os assassinos de Hariri os ministros do HA abandoram temporariamente a coalizão, e o governo foi obrigado a fazer novas concessões ao HA.

Como eu já mencionei antes, se livrar de Lahoud e desarmar o HA eram objetivos sinceros dos reformistas, mas a combinação de interferência externa (Siria), desunião (Aoun), e a fraqueza intrinsica do estado libanês, impediram que ambas as coisas ocorressem. Talvez se possa acusar o governo de indecisão. Mas é preciso levar em conta o fantasma paralisante da guerra civil de 75-90. Assim como o Holocausto (para os Israelenses) e a Naqba (para os palestinos) foram catástrofes formativas da identidade nacional, que em boa medida moldaram as visões de mundo de um povo e outro, a guerra civil assombra toda ação (e inação) do governo e lideranças Libanesas. A política libanesa ainda segue estritas linhas sectarias, com o poder divido por lei entre os 14 sectos e nacionalidades que compoem o pais. O que os Libaneses mais
temem é que a cola que une estes grupos díspares se desprenda, e que as inúmeras contendas entre eles, que foram congeladas mas não resolvidas desde 1990, novamente se tornem conflitos abertos, com os paises vizinhos apoiando ora um ora outro lado.

O Hisbollah não é igual a Al Qaeda: ...por uma série de razões, a menos importante das quais é o fato de serem uns fundamentalistas xiitas, e outros fundamentalistas sunitas. O HA é um grupo nativo do Libano, representando e agindo em nome de uma fração considerável dos xiitas libaneses. A AQ é um grupo transnacional (embora com raizes Sauditas e Egipcias), que tenta estabelecer um califado global. E enquanto o HA reconhece alguns limites morais para seus atos (baseado em jurisprudencia xiita tradicional, apimentada por um anti-semitismo crasso e uma pitada de hipocrisia), a AQ tem aquele caracteristico jeitinho niilista de ser psicótico que é só seu. Para ler um texto sobre o assunto escrito por alguem que realmente entende do que está falando, recomendo fortemente este artigo do Martin Kramer.

BTW, o último vídeo do Zwahiri (o #2 na AQ) foi particularmente patético. Além de tentar oportunisticamente se ligar a causa do HA, ele proclama a união da AQ com um outro grupo egipcio (que prontamente negou tal união!). Depois das estripulias do Zarqawi, explodindo procissões de Ashura em Najaf e acusando o HA de ser um agente do zionismo (!) duvido que ele seja levado muito a sério. E é meio wannabe ficar lançando proclamações gravadas em uma caverna erma enquanto o HA ainda tem uma emissora de TV transmitindo, e continua lutando competentemente contra os Israelenses.

A Siria pode usar sua influencia para acabar com o conflito: ...É uma noção dúbia tanto em termos de capacidade como de intenção. Eu já discuti isso em um post anterior, mas eu queria só ressaltar como o Bashir Assad está isolado nesta historia toda. Tanto americanos quanto os israelenses o ignoram completamente. Os franceses preferem falar diretamente com os iranianos; e a liga árabe, na reunião de emergencia que acabou hoje em Beirute, aceitou integralmente os sete pontos do plano proposto pelo Siniora, ignorando as objeções e emendas propostas pelo representante sírio. Este, um tal de Moallem, havia chegado antes das demais delegações, e em reunião com o presidente Lahoud (tipicamente, foi seu único visitante extrangeiro) fez declarações bombásticas apoio à luta contra Israel (algo que a Siria está sempre disposta a apoiar desde que não tenha que efetivamente participar da luta). Ele saiu antecipadamente da reunião, sem dar declarações e vaiado por manifestantes locais. Veja aqui e aqui o que dois Libaneses particularmente bem informados tem a dizer a respeito.


Último comentário. Alguns dos ataques aéreos israelenses me parecem um tanto bizarros. Não por serem moralmente indefensaveis (embora vários tenham sido), mas por não terem nenhuma motivação lógica aparente, e claramente não serem resultado de ignorancia ou descuido. Os ataques esporádicos aos quarteis do exercito libanês, por exemplo. Para quê atacar exatamente a instituição que se espera tome o lugar do HA no sul do Líbano? Ou ainda o ataque ontem a um predio em um bairro de Beirute chamado Shyiia. A região é dominada pelo Amal, o único outre grupo xiita representativo, que será imprecindível na eventual formação de um consenso nacional pós-guerra que marginalize o HA como entidade armada acima da lei. Se alguem conhece algum motivo plausivel para tais ataques, por favor me diga.

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