sábado, 17 de agosto de 2013

Chez Mari et Sylvain, Paris
Remendos

O primeiro furo da viagem, em Edimburgo
Estou em Paris por dois dias. Vim para discutir redes neuronais com um cientista local que conheci em New Orleans. Consegui remarcar a reunião para o dia que cheguei (5a, um feriado por aqui), para ter o dia seguinte livre para sair com a Mari. Mas a chegada foi tensa. Eu havia tido um pneu furado a caminho de um café da manhã pré-vôo, em Londres. Consertei o furo em Heathrow com meu último remendo e despachei a bicicleta, mas aparentemente havia um segundo furo, de vazão mais lenta, e o pneu chegou murcho em Paris. Após chegar no centro do cidade (de ônibus), me encontrei com o cara no Quartier Latin. Após algumas horas de boa discussão, me despedi e fui pedalando até o Chez Sylvain et Mari. Periodicamente precisava parar para reinflar o tal pneu. Cada 'carga' durava uns dois quilômetros, mas a câmara de ar resistiu heroicamente até dois quarteirões de distância do meu destino.

No dia seguinte, fomos para Provins, uma simpática cidade medieval nos arredores. Mas eu iria precisar da minha bicicleta funcionando no dia seguinte, porque pretendia atravessar Paris para pegar o ônibus para o aeroporto de Orly em Denfert-Rochereau (é mais rápido e barato que as alternativas, complicadas e múltiplas baldeações de metrô e RER). Tentativas de improvisar um remendo novo por partogênese do remendo antigo se mostraram mal-sucedidas, mas sendo agosto após um feriado, não parecia haver nenhum estabelecimento comercial que poderia plausivelmente me vender o que eu precisava. Pois bem, fomos a Provins. De trem.

Provins combina arquitetura medieval com a placidez de uma cidade pequena. Assistimos um interessante show de aves de rapina, comemos excelentes crepes bretões e passeamos por ruas estreitas onde a vergadura secular das vigas expostas de madeira dão a cada casa um personalidade distinta e sem ângulos retos. Já no caminho de volta para a estação de trem, notei um casal mais velho, em bicicletas de viagem e com caras de que sabiam o que faziam. Corri atrás da mulher, que já se afastava, e disse em um frenglish esbaforido que eu precisava de ajuda, mas que seria necessário esperar pela recém-francesa Mariana, a minha tradutora, para maiores explicações. Mais curiosos que assustados, os dois pararam. Enquanto a Mariana tentava explicar que eu precisava de remendos para câmara de ar, sem saber os termos para ambos em francês, eu fazia uma mímica na qual eu enxia um pneu, que estourava e era então consertado com um remendo imaginário. Pode-se dizer que aprendi francês com o Michael Marceu... Mas eles afinal entenderam, e simpaticamente me deram dois remendos adesivados, e ensinaram a Mari a dizer 'remendo' em francês*. Saímos os dois no lucro.

Chegamos pouco antes do anoitecer. Fiz um jantar para os meus amigos, remendei a câmara de ar, fiz a mala, escrevi este post e vou dormir agora. Amanhã acordo bem cedo, e começo a voltar ao Brasil.

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* 'Rustine', como me informa a Mari nos comentários, abaixo.

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quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Gate A19, Terminal 5, Heathrow Airport, Londres
Fotos do fim do mundo

Complementando o post de ontem, eis um slide show com as fotos de Orkney:



Created with flickr slideshow.


As fotos podem ser vistas diretamente no Flickr aqui.

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quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Queen Mary, University of London, Londres
Até o fim do mundo


Aqui em Londres, a Escócia é considerada um lugar remoto, setentrional, e um tanto exótico e selvagem. Em Edimburgo dizem o mesmo a respeito das Terras Altas. Em Inverness, a principal cidade da região, os condados de Sutherland e Caithness, no extremo peninsular nordeste do pais, são vistos como ermos e ignoráveis, uma espécie de Acre local. Pois bem; ao nordeste de Caithness, do outro lado de uma nesga do mar do norte, fica Orkney, um arquipélago de ilhas varridas pelo vento cujos 20.000 habitantes mal se consideram escoceses (Escócia é o que se encontra do outro lado do canal, eles dizem). Para eles Edimburgo é uma metrópole sulista remota, Londres é um rumor distante e a Europa continental um mito perdido nas brumas.

 Foi para lá que eu fui.

Orkney também é uma das regiões de habitação continuada mais antigas da Europa. A cinco milênios, o clima era ameno e a terra, fértil. O vento quase constante implicava na ausência de árvores, porém, o que fez com que os habitantes locais, neolíticos e posteriores, usassem o arenito local (que se quebra naturalmente em convenientes lajes) como o principal material de construção. O resultado é um dos maiores e mais bem preservados conjuntos de ruínas neolíticas do mundo. Em um pequeno trecho que corta a ilha através de um istmo entre dois lochs (o Ness of Brodgar), é possível visitar a tumba de Maes Howe, uma colina oca que de dentro parece uma catedral de pedra, os círculos de pedras de Stennes e Brodgar, e encontrar o mar na baia de Skaill, onde a antiga mas bem preservada vila de Skara Brae ainda guarda um pouco do flinstoniano charme rural de 3180 AC.

Foi lendo sobre Skara Brae em um história de ficção científica que primeiro tive vontade de visitar Orkney, duas décadas atrás.
Skara Brae foi abandonada 600 anos depois de sua construção. Não se sabe o que aconteceu com seus habitantes. Posteriormente, os pictos e depois os vikings se estabeleceram nas ilhas. Longe de ser um lugar remoto, durante o período viking Orkney se situava na confluência das rotas de comercio e pirataria nórdicas (a única diferença entre um e outra é se as transações eram voluntárias ou não), entre a noruega e as ilhas birtânicas, e com acesso direto para a Islândia e Groenlândia. Até o século XIII o arquipelago era parte do reino da Noruega. Em Maes Howe ainda se vê o grafite rúnico de visitantes vikings.

Passei 5 dias pedalando em Orkney. Visitei sitios arqueológicos, museus idiossincráticos fundados por habitantes locais e entrei em uma linda capela construída por prisioneiros de guerra italianos durante a IIa Guerra Mundial; conversei com os locais e fiquei amigo de meus hosts de couchsurfing; comi um queijo local que é indistinguível de queijo minas; visitei a quase selvagem ilha de Hoy, e entrei em uma tumba esculpida diretamente em um bloco de pedra e caminhei ao lado de paredões vertiginosos erodidos pelo Mar do Norte.

Este último ponto é importante. Toda esta beleza costeira se deve em grande parte a um arenito local relativamente frágil e um Mar do Norte dado a humores violentos. Ao longo dos séculos, o litoral destas ilhas vem sido rapidamente erodido. Skara Brae foi construída a alguma centenas de metros da costa, mas graças à erosão e a elevação do nível do mar pós-glacial, hoje se encontra quase na praia. É possível que em algumas décadas as ruínas sejam levadas pelo oceano, como provavelmente o foram inúmeros outros sítios semelhantes. A coluna de pedra que surge dramaticamente do oceano, o Old Man of Hoy, já foi um arco, e um dia talvez não muito distante será uma pilha de entulho. Isto talvez tenha criado uma certa urgência subconsciente para a minha ida; eu não sei. O fato é que após ter estado por lá, me sinto mais, e não menos, atraído por este fim de mundo que quero muito visitar novamente.

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domingo, 11 de agosto de 2013

Queen Mary, University of London, Londres
O culto do Elfo da Segurança

O Elfo da segurança ataca novamente!
Saúde e segurança são duas coisas inegavelmente boas. A ausência de uma ou ambas é sempre razão para ansiedade. Mas aqui na Inglaterra existe a aparente ilusão de que todos os riscos podem ser mitigados, todos os perigos debelados, todos os acidentes evitados, se uma quantidade suficiente de pentelhação for imposta ao público. Imagine algo como o teatrinho sobre os procedimentos de segurança que ocorre antes da decolagem, mas que continue durante todo o voo. Seriamos informados não só sobre a localização das portas de emergência e sobre o funcionamento das máscaras de oxigênio, mas também receberíamos aviso sobre como café quente pode queimar, o que fazer no caso de um infarto, e como proceder durante um ataque de marimbondos. É assim que me sinto atualmente em Londres.

Health and Safety é o nome genérico deste culto de segurança, ocasionalmente pronunciado 'elf an' safety. O Elfo da segurança é invocado sempre que alguma construção ocorre sem o envolvimento de dúzias de agências estatais e para-estatais, em conformidade com resmas de regras e procedimentos obrigatórios. Quadros de aviso, corredores, ruas e metrôs são cobertos por proibições, conselhos e informativos, que podem ser banais ou importantes, paranoicos ou pertinentes; mas que pelo seu próprio excesso, são quase completamente ignorados. 

Boris Johnson
Só como exemplo: Estou alojado em um apartamento no próprio college. Ele tem banheiro, quarto e escritório. Todos ligados por portas corta-fogo ("Fire door keep shut") a uma ante-sala que não tem muito propósito. Esta por sua vez é ligada a um corredor externo, por outra porta corta-fogo, e o corredor é ligado ao átrio do elevador por, adivinhem, uma porta corta-fogo! Todas as portas são pesadas e se fecham automaticamente por meio de um sistema de pistões e molas. No caso da cozinha (dotada obviamente de extintor de incêndio, cobertor térmico e inúmeros adesivos com informação sobre segurança), um alarme é acionado sempre que a porta fica aberta por mais que alguns segundos.

Obviamente, se ocorrer um incêndio na cozinha, apesar de todos os avisos, e se este não for apagável pelo extintor e manta térmica disponíveis, então deve ser um alívio ser capaz de se colocar a quatro portas corta-fogo de distância do fogo. Mas eu não consigo não achar que este nível de proteção, provavelmente maior do que o de muitos paióis, é um tanto excessivo...

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sábado, 10 de agosto de 2013

Margem do Tâmisa, Oxford, Inglaterra
Rumo a Váu do Gado.

Rola um D20...

Estou postando isto do celular, então tenho que ser breve. Estou em Oxford, onde cheguei pedalando de Londres. Pela rota que escolhi, foram um pouco mais de noventa quilômetros. Sai cedo do meu alojamente, e fui até um dos extremos ocidentais do metrô londrino, em Uxbridge. De lá, fui percolando por trilhas e estradas rurais. Descobri, surpreso, que meu caminho passava pelos Estúdios Pinewood, onde foram filmados muitos dos filmes do 007. Uma pequena placa em um prédio no segundo plano comemora esta ligação com o agente secreto (a esquerda do segurança sinalizando que era proibido fotografar).
 
A cidade seguinte, Marlow, parecei fazer parte de algum cenário dos tais estúdios, pois era tão quintessencialmente e ruralmente inglesa que parecia uma caricatura. Dos pubs com nomes como 'George and Dragon' e 'Fox and Hounds' ao tráfego equestre, passando p
elo casamento na igreja pseudo-gótica local onde ternos caudados se misturavam a uniformes militares com espada, tudo parecia um cenário de algum tipo de remake contemporâneo de Downton Abbey.

Parei para almoçar em Henley-on-Thames, onde comprei peito de pato defumado, um excelente queijo azul com massa quase cremosa cujo nome esqueço, e coca-cola. Almoçei no banco da praça, e continuei a pedalar.

Cheguei nos limites de Oxford um tanto estropiado, ansioso para chegar com tempo suficiente para aproveitar a visita antes de pegar o trem de volta para Londres (onde tinha um jantar chinês marcado). Foi um trajeto mais longo que os demais nesta viagem, mas depois das colinas da Escócia, os morrinho ingleses não assustam tanto. Acabei tendo tempo somente de tomar um café com um amigo que estuda aqui, e pegar o trem de volta. Estou agora digitando do trem para Paddington.



PS: Acabou a bateria do celular. Subi o post quando cheguei no meu ap mesmo.

PS2: Não postei sobre Orkney, ou sobre Edimburgo, mas pretendo fazê-lo em breve.

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sábado, 3 de agosto de 2013

Aeroporto de Kirkwall, Orkney, Escócia
Slideshow do Grande Glenn

Já estou indo embora de Orkney, mas ainda não escrevi nada sobre a minha estada aqui! Vou tentar colocar o blog em dia quando chegar em Londres, mas por enquanto vou subir as fotos da travessia do Grande Glenn para o Flickr. Foram 106 kilometros entre Fort William, na costa atlântica ocidental da Escócia, até Inverness, as margens do Mar do Norte, ao leste.



Fotos da travessia aqui
Fotos da Escócia aqui

Created with flickr slideshow.

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