quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Casa, Belo Horizonte
Ciclovia de mineiro

Eu já levei a minha bicicleta dobrável para dois continentes e em cinco vôos internacionais; pedalei em Washington, Amsterdam, Philadelphia, Paris, Caen, Pontorson, San Diego e Chicago. Mas eu nunca havia efetivamente bicicletado na minha cidade natal. Nem uma misera volta na Praça do Papa ou passeio na Pampulha. Neca. Em Belo Horizonte, eu era um Sr. Volante como qualquer outro.

Foi com o objetivo de remediar este lapso que embarquei a minha Dahon na 2a feira no vôo para BH (estamos aqui para uma temporada mais extensa, até o final de janeiro). Ontem, precisando sair para comprar presentes, mas sem paciência para procurar vagas na Savassi em clima de Encouraçado Potemkim, tive a minha oportunidade. Sai meio hesitante, ladeira da Serra abaixo, sobre uma mistura indecisa de asfalto irregular e paralelepípedos. Adquiri mais confiança na Rua do Ouro, e desci a Afonso Pena e segui pela Getúlio Vargas como se tivesse feito isso minha vida inteira.

Belo Horizonte não é uma cidade adaptada para bicicletas. A observação pode parecer óbvia, mas as razões talvez não sejam. O problema não são as subidas; porque com calma e uma escolha sensata de trajeto o cansaço pode ser minimizado. A total falta de ciclovias certamente incomoda; mas já não me importo de andar no tráfego, e os motoristas locais são menos apressados e agressivos que os cariocas. Na verdade, o que realmente me atrapalhou foram a irregularidade da pista, e o traçado das ruas.

Falando fractalmente: em uma escala de dezenas de metros, BH é uma cidade ondulada com ocasionais colinas; em uma escala de dezenas de centímetros, é praticamente um fjord. Enquanto em outros lugares as ruas são segmentos aproximadamente planos de asfalto, por aqui elas parecem seguir cada pequena dobra e curvatura do terreno, revestidas por um palimpseto de calçamentos e asfaltamentos que provavelmente têm profundo interesse histórico para quem não está choqualando em um selim logo acima. O meio fio, longe de criar uma distinção clara entre rua e calçada, parece procurar criar algum tipo de fusão harmoniosa, variando de altura quase de metro a metro, e com degraus, projeções e recuos distribuidos meio a esmo.

Vencido o terreno, nos defrontamos com o traçado: As ruas de BH são frequentemente de mão dupla, com carros estacionados em ambas as direções. Não há portanto uma pista natural para quem vai de bicicleta, que tem que parar praticamente em todos os (ridiculamente frequentes) cruzamentos. Algumas rotas talvez sejam menos problematicas do que outras, mas ainda tenho que descobrí-las.

De qualquer forma, cheguei na Savassi, e fiz as compras. O plano original era dobrar a bicicleta e pegar um taxi morro acima até a casa dos meus pais. Mas fui me convencendo que, um quarteirão a mais ou a menos, subindo um pouco de cada vez, eu poderia começar pedalando, e pegar o mítico taxi quando a situação se complicasse. Subi a Afonso Pena até a praça Milton Campos, atravessei a Estevão Pinto e a Rua do Ouro, e fui percolando pela Herval. Notei então que eu estava a 3 quarteirões da minha casa, com uma súbida ingreme mas finita a frente. Ora bolas, eu subia estes mesmos quarteirões a pé quando andava de ônibus; por que não de bicicleta? Cheguei em casa esbaforido, empapado de suor e praticamente marinado em ácido lático. Mas cheguei. Sei que há quem suba a Serra da Piedade de bicicleta, e o que eu fiz não é nenhuma façanha atlética. Mas o morro da casa dos meus pais guardava um certo terror místico durante a minha infância, então o meu périplo tem pelo menos algum significado simbólico.

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quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Casa, Rio de Janeiro
O grande bazar aeronáutico


Viajei, pela primeira vez, de US Airways na minha última ida aos EUA. Não tenho grandes reclamações ou elogios. A comida foi previsivelmente mediocre, os assentos eram toleravelmente desconfortáveis, e os filmes de bordo foram perfeitamente esquecíveis. Notáveis mesmo foram somente duas coisas; uma dentro e outra fora do avião.

Eu sei que companias aéreas estão cortando custos onde podem, mas os vôos da US Airways se tornaram os análogos aéreos dos ônibus fluminenses, onde o passageiro é interrompido a todo momento por algum vendedor alardeando aos berros as vantagens, reais ou imaginárias, de suas balas/biscoitos/fitas de cabelo. Podemos escolher entre gastar nosso dinheiro em drinks misturados na hora, sanduiches com nomes pretensiosos (em vôos domésticos), fones de ouvido ou produtos de free shop, todos insistentemente anunciados pelo autofalante. Só não se pode escolher não ser perturbado. O dia não tardará em que comissários de bordo jogarão malabares em troca de algumas moedas, e o copiloto irá implorar por alguns trocados para inteirar a passagem de volta.

As coisas foram menos pentelhativas fora da cabine. Com um trajeto (Charlotte->San Diego->Chicago) primordialmente diúrno, eu atravessei os EUA duas vezes por rotas ligeiramente diferentes. Assim como o nosso, os EUA são um pais continental, mas com um interior em grande parte seco e sem muita cobertura vegetal. Assim, é possivel ir acompanhando do alto como a geologia vai mudando com o fuso horário; das colinas arborizadas nos estertores do outono, na Carolina do Norte, passando pelas planices sem fim quadriculadas de fazendas do Kansas, pelos canions e mesas do deserto do Novo México, com suas famosas dunas de areia branca, até a chegada súbida da continuação das montanhas rochosas, que dão por sua vez lugar à planice costeira da California. Tenho certeza que um geólogo teria entendido melhor os detalhes; mas certamente ficar olhando a paisagem lá fora é melhor passatempo do que aguentar o mercado de pulgas ao lado.

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