quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Casa, Belo Horizonte
Ciclovia de mineiro

Eu já levei a minha bicicleta dobrável para dois continentes e em cinco vôos internacionais; pedalei em Washington, Amsterdam, Philadelphia, Paris, Caen, Pontorson, San Diego e Chicago. Mas eu nunca havia efetivamente bicicletado na minha cidade natal. Nem uma misera volta na Praça do Papa ou passeio na Pampulha. Neca. Em Belo Horizonte, eu era um Sr. Volante como qualquer outro.

Foi com o objetivo de remediar este lapso que embarquei a minha Dahon na 2a feira no vôo para BH (estamos aqui para uma temporada mais extensa, até o final de janeiro). Ontem, precisando sair para comprar presentes, mas sem paciência para procurar vagas na Savassi em clima de Encouraçado Potemkim, tive a minha oportunidade. Sai meio hesitante, ladeira da Serra abaixo, sobre uma mistura indecisa de asfalto irregular e paralelepípedos. Adquiri mais confiança na Rua do Ouro, e desci a Afonso Pena e segui pela Getúlio Vargas como se tivesse feito isso minha vida inteira.

Belo Horizonte não é uma cidade adaptada para bicicletas. A observação pode parecer óbvia, mas as razões talvez não sejam. O problema não são as subidas; porque com calma e uma escolha sensata de trajeto o cansaço pode ser minimizado. A total falta de ciclovias certamente incomoda; mas já não me importo de andar no tráfego, e os motoristas locais são menos apressados e agressivos que os cariocas. Na verdade, o que realmente me atrapalhou foram a irregularidade da pista, e o traçado das ruas.

Falando fractalmente: em uma escala de dezenas de metros, BH é uma cidade ondulada com ocasionais colinas; em uma escala de dezenas de centímetros, é praticamente um fjord. Enquanto em outros lugares as ruas são segmentos aproximadamente planos de asfalto, por aqui elas parecem seguir cada pequena dobra e curvatura do terreno, revestidas por um palimpseto de calçamentos e asfaltamentos que provavelmente têm profundo interesse histórico para quem não está choqualando em um selim logo acima. O meio fio, longe de criar uma distinção clara entre rua e calçada, parece procurar criar algum tipo de fusão harmoniosa, variando de altura quase de metro a metro, e com degraus, projeções e recuos distribuidos meio a esmo.

Vencido o terreno, nos defrontamos com o traçado: As ruas de BH são frequentemente de mão dupla, com carros estacionados em ambas as direções. Não há portanto uma pista natural para quem vai de bicicleta, que tem que parar praticamente em todos os (ridiculamente frequentes) cruzamentos. Algumas rotas talvez sejam menos problematicas do que outras, mas ainda tenho que descobrí-las.

De qualquer forma, cheguei na Savassi, e fiz as compras. O plano original era dobrar a bicicleta e pegar um taxi morro acima até a casa dos meus pais. Mas fui me convencendo que, um quarteirão a mais ou a menos, subindo um pouco de cada vez, eu poderia começar pedalando, e pegar o mítico taxi quando a situação se complicasse. Subi a Afonso Pena até a praça Milton Campos, atravessei a Estevão Pinto e a Rua do Ouro, e fui percolando pela Herval. Notei então que eu estava a 3 quarteirões da minha casa, com uma súbida ingreme mas finita a frente. Ora bolas, eu subia estes mesmos quarteirões a pé quando andava de ônibus; por que não de bicicleta? Cheguei em casa esbaforido, empapado de suor e praticamente marinado em ácido lático. Mas cheguei. Sei que há quem suba a Serra da Piedade de bicicleta, e o que eu fiz não é nenhuma façanha atlética. Mas o morro da casa dos meus pais guardava um certo terror místico durante a minha infância, então o meu périplo tem pelo menos algum significado simbólico.

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quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Casa, Rio de Janeiro
O grande bazar aeronáutico


Viajei, pela primeira vez, de US Airways na minha última ida aos EUA. Não tenho grandes reclamações ou elogios. A comida foi previsivelmente mediocre, os assentos eram toleravelmente desconfortáveis, e os filmes de bordo foram perfeitamente esquecíveis. Notáveis mesmo foram somente duas coisas; uma dentro e outra fora do avião.

Eu sei que companias aéreas estão cortando custos onde podem, mas os vôos da US Airways se tornaram os análogos aéreos dos ônibus fluminenses, onde o passageiro é interrompido a todo momento por algum vendedor alardeando aos berros as vantagens, reais ou imaginárias, de suas balas/biscoitos/fitas de cabelo. Podemos escolher entre gastar nosso dinheiro em drinks misturados na hora, sanduiches com nomes pretensiosos (em vôos domésticos), fones de ouvido ou produtos de free shop, todos insistentemente anunciados pelo autofalante. Só não se pode escolher não ser perturbado. O dia não tardará em que comissários de bordo jogarão malabares em troca de algumas moedas, e o copiloto irá implorar por alguns trocados para inteirar a passagem de volta.

As coisas foram menos pentelhativas fora da cabine. Com um trajeto (Charlotte->San Diego->Chicago) primordialmente diúrno, eu atravessei os EUA duas vezes por rotas ligeiramente diferentes. Assim como o nosso, os EUA são um pais continental, mas com um interior em grande parte seco e sem muita cobertura vegetal. Assim, é possivel ir acompanhando do alto como a geologia vai mudando com o fuso horário; das colinas arborizadas nos estertores do outono, na Carolina do Norte, passando pelas planices sem fim quadriculadas de fazendas do Kansas, pelos canions e mesas do deserto do Novo México, com suas famosas dunas de areia branca, até a chegada súbida da continuação das montanhas rochosas, que dão por sua vez lugar à planice costeira da California. Tenho certeza que um geólogo teria entendido melhor os detalhes; mas certamente ficar olhando a paisagem lá fora é melhor passatempo do que aguentar o mercado de pulgas ao lado.

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quinta-feira, 25 de novembro de 2010

US 0800, algum lugar sobre o Caribe
Texturas e sabores



Crazy cat woman
Cada cidade tem uma textura particular de tradições locais, lendas urbanas e detalhes arquitetonicos, que só vai se tornando aparente para quem vive nela por algum tempo. Algumas pessoas que chegam de outro lugar conseguem se tornar parte desta textura, sem perder a capacidade de notar o inusitado, aquelas coisas que um nativo considera 'normais' sem pensar muito. Eu não tenho esta conexão com a cidade onde moro. Gosto do Rio e de meus amigos por aqui, mas sou, quero ser e vou sempre ser um mineiro expatriado. Mas a Pam tem. Ela nasceu em Detroit, mas se mudou para Chicago a alguns anos atrás, e é daquelas pessoas que parece conhecer uma infinidade de lugares interessantes mas insuspeitamente não-óbvios. Desta forma, assim como em Amsterdam, com o Graham, e em Paris, com a Jacqueline, passei boa parte do meu tempo em Chicago em visitas guiadas pela cidade. Vi o Sharkula, quase visitei uma exposição de bonecas decapitadas, comecei a enteder o significado do grafite local, comprei livros usados, passei em frente a uma boca de crack e almoçei sopa de tripa em um restaurante mexicano enquanto via uma novela idem (errr...). No meu último dia, visitei a inesquecível Shit Fountain, e a escada celestial da foto acima.

De fato, eu voltei para Chicago tanto pelas pessoas que pelos lugares que queria ver ou rever. A minha estadia anterior aqui, sempre de couch surfing, foi uma novela barroca de mudanças de endereço e guerra civil intramural. O resultado (bom) foi que eu acabei conhecendo muito gente legal. Mas por que, pensei, ao invés de me encontrar com cada um deles separadamente (que tal 4 cafés da manhã em um dia?), eu não convidava todos para um jantar? É meio cara de pau convidar amigos díspares para jantar na casa dos outros, mas a coisa toda correu bem. Felizmente amizades tendem a ser comutativas e associativas, então a algebra acabou dando certo.

Eis o menu:

  • Endívias recheadas de tomate-cereja assados com açucar mascavo, sal e azeite, cobertos com redução de vinagre balsâmico e melado
  • M'skhana! Versão palestina. - Camadas sucessivas de pão árabe embebido em caldo de galinha e cebola roxa refogada com sumac e pinoles, e coberta de frango desfiado
  • Iscas de tilápia embrulhado em papel alumínio (folhas de bananeira não são muito comuns em Chicago), com leite de coco, dendê, coentro e gengibre
  • Crepe de nutela com calda (e raspa) de laranja e especiarias

PS: Comecei este post no avião, mas só terminei aqui no Rio.Mas 'US 0800, algum lugar sobre o Caribe' soa muito mais dramático!






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domingo, 21 de novembro de 2010

Kelly's & Pam's, Chicago
Orientalismos

O museu do Oriental Institute não é a maior, ou a mais famosa, coleção arqueológica sobre o Oriente Médio. Mas é uma das mais bem cuidadas. São 6 ou 7 salas com temática regional ('Mesopotamia', 'Persia', 'Egito', etc.), além de uma sala extra para exposições temporárias (a história da escrita desta vez; eu perdi o tesouro real de Ur por uma questão de meses). E, seja devido ao foco, o pequeno tamanho, ou a frequente presença dos acadêmicos do instituto (que é um dos grandes centros mundiais de pesquisa na área), a experiência para um nerd de arqueologia como eu é muito mais envolvente.

Eu já havia dado uma volta completa no museu quando notei um senhor com aparência de acadêmico discorrendo animadamente sobre a reciclagem de cobre entre os sumérios para um casal (os sumérios inham pequenas jarras de cerâmica onde colocavam o refugo de cobre, para futura reforja).

Bom, eu obviamente me agreguei ao grupo, e acabei acompanhando uma retrospectiva dos melhores momentos do Oriente Médio, 3000AC-700AC. O guia em questão era muito bem informado, e traçava paralelos interessantes entre o conhecimento arqueológico atual e o conteúdo do velho testamento (que é uma narrativa um tanto enviesada, mas certamente histórica, da antiguidade pré-clássica no Levante). De fato, um dos artefatos mais preciosos da coleção é o chamado prisma hexagonal de Sesnacherib (um poderoso rei Assírio), um bloco de arenito coberto de inscrições detalhando os feitos e obras do dito cujo. De acordo com o nosso guia, uma das passagens do prisma relata, com a falta de modéstia usual dos monarcas da época, como Sesnacherib certa vez ele prendeu um certo 'Hezekiah o Judaita' em sua cidade sagrada. Mas cercos são em geral dispendiosos e demorados, e não eram um expediente a que se recorria quando o propósito era simplesmente assustar os oponentes e limitar temporariamente seus movimentos! De fato, o que o prisma *não* diz é que Sesnacherib conseguiu invadir e saquear a tal cidade. Pois bem; um cerco assírio da cidade de Jerusalem, no reinado de uma tal de Ezequiel, é relatado na Biblia. Segundo a mesma, Deus enviou uma praga contra o exército invasor, que foi assim forçado a levantar o cerco. Embora eu considere condições pouco sanitárias muito mais plausíveis como causa do que a intervenção divina, ainda assim é notável que podemos relacionar historicamente um evento narrado na Biblia. Ao que parece, a narrativa do tal prisma é uma tentativa cara de pau de criar um spin positivo para a história de uma derrota. Algo como a 'Mãe de todas as batalhas' de Saddam Hussein. Pode parecer ridículo, mas na ausência de meios de informação e/ou registros históricos alternativos, e dado a obvia relutância, por uma questão de pura auto-preservaçao, da parte de súditos de apontar a obvia picaratagem para o Sesnacherib (ou para o Saddam), creio que na época o truque pode até ter funcionado.

Falando em alterações do registro histórico, e mantendo o foco no simpático Sesnacherib, veja esta procissão esculpida que figurava na entrada do seu palácio:



A figura na extrema esquerda é o rei (que possivelmente era, na época da escultura, um principe no reinado de seu pai, Sargão II), com sua barba característica, uma joia no pulso que parece um relógio (eram os deuses astronautas!) e faixa na cabeça. Os demais são eunucos, formando algum tipo de guarda de honra. Mas note a segunda figura... Existe uma depressão na pedra, de formato retangular, logo abaixo do seu rosto. Ele claramente era uma figura hirsuta, que foi posteriormente cuidadosamente barbeado. Ele também tinha uma faixa na cabeça, assim como o rei. Além disso, o nome Sesnacherib quer dizer 'Aquele que foi abençoado com irmãos'. Tudo indica que o 'eunuco' era na verdade um jovem príncipe, que foi desaparecido pelo irmão logo antes ou depois de sua acenção ao trono! Algo como os expurgados por Stalin que igualmente desapareciam da fotografias no Pravda...

Hoje eu fiz um jantar para os meus amigos aqui, mas a história vai ter que esperar até o próximo post, que já está tarde. Hoje volto ao Brasil.

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sábado, 20 de novembro de 2010

Kelly's & Pam's, Chicago
A oeste do lago Michigan e a leste de Suez



Na fila do raio-X, no aeroporto de San Diego:
'Tenha um bom dia, senhor!'
'Um bom dia para você também.'
'Isto é impossível... Eu trabalho para a TSA' [Transit Security Autority, a segurança aeroportuária americana]
Após esta conversa, e após um vôo sem incidentes, cheguei em Chicago ontem a noite, mas sinceramente a passagem do tempo está se tornando um processo um tanto nebuloso nos últimos dias desta minha viagem. Eu arrumo tanta coisa para fazer em tão pouco tempo que acabo deixando o cansaço para o vôo de volta (no qual geralmente durmo como um camatoso em hibernação).

Ontem, antes de sair de San Diego, tomei dois cafés da manhã, ao estilo Hobbit: O primeiro, com a Terry e seu filho Tony, que queria me conhecer. O segundo, com o meu amigo Hayder, um iraquiano que mora em Londres, e que está em San Diego para um conferência sobre o Oriente Médio.

Ontem a noite, apesar do cansaso, fui sair com a Pam, a flatmate da minha anfitriã por aqui (Kelly, a mesma do ano passado, e que, novamente, está viajando). Fomos jantar, e depois ela me levou (brevemente) para ver uma figura chamada 'Sharkula'. Este cara (cara é a única categoria ampla o suficiente para enquadrá-lo) tem um estilo bastante peculiar de música. Mas talvez mais peculiar que a música sejam s seus fãs (ou cultistas, sei lá). Pelo que vi ontem, eles começam tímidos, mas vão se agregando e se soltando aos poucos, embalados pelos grunhidos semi-coerentes mas surpreendentemente persuasivos de Sharkula, criando uma improvisada performace dançante grupal um tanto escalafobética.

Chicago tem um clima diferente de Nova York, e não me refiro ao vento frio cortante da primeira ou às ondas de calor da segunda. Em ambas, temos a impressão de que existe muita coisa acontecendo logo aquém e além da nossa percepção imediata. Mas enquanto em NY este rebuliço é cosmopolita e metropolitano (no sentido que todo o resto do mundo parece uma província na perspectiva novaiorquina), em Chicago a cena local é militantemente bairrista e um tanto hermética. Esta é uma cidade cheia de pequenos segredos e tradições emergentes que só fazem sentido para os locais.

Se andar pelos subúrbios, você talvez se depare com uma bicicleta totalmente branca presa por cadeado a um poste. Saiba então que naquele local um ciclista foi morto, atropelado. Eu não sei quem criou esta tradição de 'ghost bikes', ou quem a mantém. Mas as bicicletas continuam aparecendo.

As fotos ao lado, e acima, foram tiradas ano passado. Até agora nenhum local conseguiu me explicar o propósito ou significado das estátuas.

A Califórnia é um lugar muito direto, em vários aspectos. Até Nova York é inteligivel a sua maneira, por ser tão universal. Mas em Chicago Sharkulas nadam sob a superfície. A cidade ainda é um mistério para mim, e talvez seja isto que me atraia tanto aqui: tentar puxar o fio da meada que leva de um palimpseto histórico meio escondido até a cultura urbana local.

Falando em história e palimpsetos, hoje fui de bicicleta, margeando o lago Michigan, até o Oriental Institute. Esta é a visita que me ficou faltando da última vez que estive aqui. Com o frio eu lidei bem me embrulhando em luvas, gorro e um casaco quase polar. Mas o vento fazia parecer ocasionalmente que a margem do lago era uma subida (com rajadas que tornavam estacionário o vôo das gaivotas). Mesmo assim, com algum esforço e 30km depois, cheguei. Mas a descrição vai ter que esperar outro dia, porquê eu preciso ir dormir.

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quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Terry's, San Diego
Pacific sunset


Hoje foi o último, e mais modorrento, dia do Neuroscience. Aproveitei para colecionar brindes e freebies dos expositores: Cérebrinho de borracha para aliviar a tensão, uma caneta com o meu nome gravado por um laser de 1 kw ('Preço mediante consulta. Solicite uma visita sem compromisso do nosso representante!'), pendrives, camisetas, balas, sacolas, etc.

Sai no horário de almoço; o meu plano original era fazer um passeio de veleiro em um barco que participou da America's cup. Infelizmente, quando cheguei lá, descobri que não havia quorum, e que portanto, apesar do dia lindo, não haveria passeio. O plano B consistiu pedalar através da escarpada peninsula que limita a baia de San Diego, em direção a seu ponto extremo, Point Loma. Foi nessa península, em 28 de setembro de 1542, que João Rodriguez Cabrilho, um português (como enfatiza uma placa comemorativa doada pela marinha portuguesa) a serviço da coroa espanhola, 'descobriu' a Califórnia. Os nativos permaneceram ignorantes do seu novo status de descoberto por quase dois séculos, até os espanhois decidirem (sem muito entusiasmo) se estabelecer por aqui.

Ponta Loma é um parque, que contém um farol desativado, um monumento ao lusitano supracitado, e uma vista espetacular da baia. O couchsurfing tornou estas minhas viagens curtas em eventos bastante sociais, o que tem sido bastante agradável. Mas eu ainda gosto muito (e na verdade, preciso) destes meus passeios solitários, idealmente de bicicleta, onde posso ficar sozinho com meus pensamentos, minha câmera e meu ipod, e perambular do meu jeito e no meu ritmo.

San Diego era, e ainda é, uma das principais bases navais dos EUA. Cada vez que eu ia para o centro de conferencias, podia ver três porta aviões nucleares atracados, cada um com mais poder de fogo aéreo que as forças aéreas da maior parte dos paises do mundo. Enormes areas da cidade são tomadas por bases, centros de treinamento e congêneres da marinha, guarda costeira e fuzileiros navais. O caminho até Point Loma é margeado de vários representantes da sopa de letrinhas pentagonal, e metade da ilha logo em frente, no centro da baia (Coronado), é uma enorme base aérea, de onde uma sucessão interminável de helicopteros decolava em direção à algum lugar indeterminado no pacífico, intermeados de ocasionais F/A-18s e C-2A.

Terminei o passeio no final do dia. No caminho (que é quase só descida), parei para apreciar um pôr do Sol no oceano Pacífico, enquanto ouvia o Adágio para Cordas do Samuel Barber.

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segunda-feira, 15 de novembro de 2010

San Diego convention center
Nerd de 3a idade



Estou em San Diego, hospedado na casa de uma nerd de 70 anos de idade. A Terry já trabalhou no instituto Scripps de oceanografia e programou em Fortran 4 (a Arca de Nóe rodava Fortran 7) para a industria aeroespacial. Atualmente ela é jogadora inveterada de NetHack! É complicado imaginar algo mais herméticamente nerd que NetHack...

É realmente difícil competir com couchsurfing no quesito encontrar pessoas interessantes. A Terry tem um lado avuncular de querer manter seus hospedes bem alimentados; a casa dela está literalmente abarrotada de comida. Mas como ela mesmo diz com frequência, ela tem mais 50 anos de idade. Assim, me arvorei de cozinheiro da casa: Toda noite eu ataco a geladeira, cozinho algo interessante; depois do jantar, ficamos conversando enquanto um cachorro e uma população flutuante de gatos anda pela casa.

O meu plano de sair pedalando do aeroporto diretamente até o centro de convenções funcionou bastante bem. Mas me enrolei ao sair do centro de conveções em direção à casa da Terry. A distância a ser percorrida é de aproximadamente 18km, margeando avenidas movimentadas e com alguns trechos de subida considerável. Já estava anoitecente, eu carregava toda a minha bagagem nas costas, e eu não dispunha de um mapa confiável. Acabei parando no único lugar em que parecia haver alguma atividade: Um centro de amparo a veteranos de guerra. O atendente foi muito simpático, e, entre distribuir remédios e conselhos para um fluxo constante de veteranos, recomendou enfaticamente que eu pegasse um taxi (que ele mesmo chamou).

Suponho que um passageiro com uma bicicleta dobrável e uma mochila abarrotado com um tubo de poster preso ao lado é algo que atrairia a curiosidade do mais desinteressado dos taxistas. Em poucos minutos, Kurt, o taxista, já sabia o propósito da minha visita a San Diego, a minha profissão, e a minha opinião em relação a aparições de OVNIs. Ele é um cara simpático, e interessado em física; mas ele estava naquela situação perniciosa de saber o suficiente para ficar interessado, mas não o bastante para realmente entender do que estava falando. Assim, tive que lhe explicar que não, pi não é a velocidade da luz, e que físicos de partículas não são multados sempre que descobrem uma partícula nova. Mas foi um papo agradável, embora inusitado.

O congresso tem sido excelente, até para os padrões dos SfNs passados, com palestras muito interessante; tive portanto pouca oportunidade de fazer turismo de alto de desempenho; mas consegui visitar o museu maritimo (incluindo um tour de barco pela baia) e o porta aviões Midway em horários de almoço. A minha rotina agora é ir de bicicleta até o centro de convenções, e voltar usando uma combinação de trolley e ônibus. San Diego é uma cidade agradável, apesar de compartilhar da tendência americana de ser excessivamente orientada para carros.

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sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Taxi a caminho do Galeão, Rio de Janeiro
Like, California baby, yeah!

Eu não sei porque ainda me surpreendo com o equibrio tênue entre o épico e o tragicômico que caracteriza os dias em que vou pegar um vôo para fora do Brasil. Estou indo para San Diego, para participar do encontro anual da Society for Neuroscience. O plano era relativamente simples, como eles sempre são: Preparar o poster no começo da semana, deixar tudo pronto até o dia da viagem; colocar a bicicleta dobrável na mala (pois a ideia é sair pedalando do aeroporto), e chegar no aeroporto com suficiente antecedência tal que perder a paciência fosse muito mais provável que perder o vôo.

Para combinar dois lugares-comuns: Nenhum plano resiste ao primeiro contato com o inimigo, e o inimigo era eu...

Eu passei a semana inteira quebrando a cabeça com o modelo*; tentando entender como o tal 'gás de axônios' deveria ser descrito (estritamente falando, este tópico extrapola o tema do poster, mas fazer quê?). Finalmente, ontem de madrugada, resolvi tomar vergonha na cara e fechar o poster com o que eu já sabia, ao invés de tentar fazer pesquisa original na véspera da viagem. O resultado é que terminei o poster hoje na hora do almoço, e fiquei resolvendo as demais pendências enquanto ele era impresso na gráfica. Ficou pronto as 5. O meu vôo era (ainda é) as 2250. Tempo de sobra para pegar um taxi...

Exceto que a linha vermelha (e a amarela, e a marginal) estava parada (sabemos que o transito está parado, ao invés de simplesmente lento, quando vendedores de biscoito Globo surgem expontaneamente do asfalto**). Um rio de carros imóveis se extendia por dentro do fundão: Por trás do Hospital, em volta do CCS e chegando até a Petrobrás. Não tive dúvida. Passei pedalando pelos carros, atravessei a passarela, e sai perseguindo o primeiro taxi semi estacionário vazio que vi.

O taxista se mostrou uma compania excelente! Ele se chama Marco Sensei, toca em uma banda de Reggae e dá aulas de judo. Demorei duas horas para chegar em casa, onde decobri que a mala que uso para levar a bicicleta havia desaperecido. Resolve o problema usando um saco de colchão e 3 m^2 de papel bolha que consegui comprar na papelaria da esquina para fazer da minha bicicleta dobrada uma especie de crisálida. Peguei o taxi e estou indo para o aeroporto. Pelo menos o trânsito está decente.


UPDATE. Mas deu tudo certo. Estou na sala de embarque e estão chamando o meu vôo. Mas fui enganado na entrada da sala de embarque: Ao contrário do que me foi dito, não há nenhum ligar que venda livros aqui dentro! Nove horas sem nada para ler além da revista de bordo. Tentarei com todas as forças manter a minha sanidade.


_________________________
* Descrevendo como o cortex se dobra de dentro para fora devido a tensões internas ao longo dos axônios geradas por uma força entrópica usando combinações muito simples de leis de potência

** É sintomático da minha vida dupla entre a física e a biologia que eu hesito entre usar como metáfora a geração expontânea de vida ou flutuações do vácuo (asfáltico).

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domingo, 7 de novembro de 2010

Museu do Índio, Rio de Janeiro
As fibras-linas da vagina da avó canibal

No dia seguinte, os gêmeos cresceram. A onça preta os entregou para a mãe-ïnmöxä. Cesceram rapidinho porque eram encantados, filhos de yämïxop. Já sabiam fazer armadilha e pegaram anta e falaram assim: "Tia, nossa armadilha pegou anta!" Primeiro, eles pediram à tia deles. Entre as pernas dela, havia um monte de embira. Aquilo estava como que fincado em seu corpo. "Vó, me dá cipó para fazer armadilha". Foi com estas fibras que fizeram armadilha. Ela disse - "Meus netos pegaram a fibra da vagina da avó para fazer mais armadilha. Atravessaram um rio grande onde haviam descoberto. Fizeram armadilha para lá onde havia muitos bichos. Flecharam o jacu que gritou e disse: - "Você me flechou, mas não fui eu que matei sua mãe. Foram os ïnmöxa que a mataram". Tiraram a flecha do jacu. Ele ficou bom e foi embora. Os gêmeos ficaram sabendo que foi "seu povo" quem matou a mãe e fizeram mais armadilhas. Chegaram e disseram: "Vovó, nossa armadilha pegou duas antas". Os dois já estavam preparados. Puseram um pau para atravessaro o rio, planejando jogar todos os demais lá detnreo. Todos vieram e eles viraram o pau. Cáiram e morreram todos.


PS: 'ïnmöxa (com ~, não ", mas o me teclado não permite til em i) é uma espécie de zumbi ou corpo insepulto que as vezes vira onça (não me peçam para explicar). Yamïxop são espiritos. A unica fonte online imediatemente disponível está aqui.
PS2: Acho que dá para fazer uma campanha de Chulhu baseado nesta história.

Que apropriado...

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quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Praia do Leme, Rio de Janeiro
A musa da COMLURB



Eu sou alguem que é pago para entender várias coisas; mas certas situações só são passíveis de descrição, não de análise.

Eu cheguei na ponta do Leme a cerca de meia hora atrás. Parei a bicicleta, comprei um coco e abri meu livro. O sol se punha, e enquanto eu apreciava preguiçosamente tanto a vista quanto a situação, notei que a única pessoa efetivamente na areia era uma moça vestida com incongruentes bikini e salto alto. Ela tirava fotos de si mesma com uma câmara portatil, em diversas posições. "Que pessoa peculiar..." - pensei, e e voltei para meu livro e meu coco.

Minutos depois, notei que o trator da COMLURB encarregado da limpeza da praia vinha se aproximando. Os garis aboletados obviamente também notaram a senhorita, e, por coincidência ou não, escolheram aquele ponto da praia para fazer uma pausa. Momentos depois, ela se aproximou do trator (para reclamar de algum comentário ou olhar mais atrevido, supus inicialmente). Após uma rápida conversa, ela entregou a câmera a um dos garis, e se aboletou na roda do trator. Enquanto ela fazia poses várias, variando entre o circence e o ginecológico, o gari tirava fotos como um profissional, enquanto os seus colegas (como ele, já completamente alheios a quaisquer eventuais detritos praianos) ficavam em volta, dando dicas sobre enquadramento e iluminação. Não foram uma ou duas fotos; foram dezenas de poses com diversos takes cada. É um forma pouco ortodoxa, mas certamente econômica, para criar o portofólio de uma (suponho) modelo-e-atriz de poucos recursos.

Eu não sei se existe algum nicho no mercado atendendo pessoas com tara por parafernalha de limpeza urbana; mas se existir, a tal moça um dia vai ser saudada como uma visionária.

PS: Luxo é WiFi na praia!




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sexta-feira, 30 de julho de 2010

NACO, UFRJ, Rio de Janeiro
Tour du Fundão


Ser professor neste semestre aqui na UFRJ foi uma experiência bastante instrutiva. Em particular, a perspectiva do outro lado do quadro negro me faz ver algumas das minhas atitudes durante a graduação com outros (e mais críticos) olhos.

No final, eu acabei desenvolvendo uma relação boa com meus alunos (embora eles ocasionalmente fossem enrolados e chorões; e eu ocasionalmente fosse inflexível com prazos e viajasse na maionese com a matéria). O curso, incluindo exercícios virtuais e questionários, é todo disponibilizado online; como meu meio de comunicação favorito é email, acabei me correspondendo bastante com eles eletronicamente. No final, no meio da rede ad hoc emergente de email, gtalk, orkut, blogs, flickr, twitter e congêneres que estabelecemos, a festa final do semestre que eles organizaram e para a qual gentilmente me convidaram parecia uma relíquia (embora bastante agradável) do século passado.

Eram duas turmas, de duas matérias dadas sequencialmente (Introdução à Física A e B), com quatro horas de aula em sala de aula por semana, mais experimentos no laboratório (conduzidas pelos monitores); isto implica em, por aluno, duas provas finais, mais possivelmente duas provas de 2a chamada/substitutivas; dois relatório experimentais, e da ordem de 15 listas de exercícios e questionários. Eu passei boa parte das últimas duas semanas corrigindo, revisando e respondendo dúvidas e pedidos sobre as notas. Nos últimos dias, eu estava a ponto de me munir de um pincel atômico vermelho e sair marcando maniacamente certo ou errado em tudo que via pela frente. Mas sobrevivi; o alfarrábio multi-rêsmico se encontra em repouso em cima da minha mesa, e as notas finais foram enviadas. A partir de hoje, e até o começo do semestre que vem, estou de semi-férias.

Para comemorar, resolvi fazer um tour ciclístico pela ilha do fundão. A tal bicicleta dobrável que eu comprei em Washington agora fica aqui no laboratório, e é o meu meio de transporte entre a biologia e a física quando vou dar aula. Hoje, sem mais aulas para dar, levei ela para fazer turismo.

É interessante que seja possível fazer na UFRJ o mesmo que eu faço nas cidades que visito. A universidade foi projetada como uma espécie de Brasilia universitária, com prédios estilo pombal com predominio de concreto nú, cercados por espaços planos estéreis, e ligados por ruas que mais parecem rodovias. Tanto em escala quanto no acesso, é um espaço feito para o benefício dos carros mais do que dos seres humanos. Mas a ilha é ampla, e usando a incipiente rede de ciclovias local, acabei encontrando alguns lugares inesperados: uma prainha de aparência agradável, colonizada por um matilha de cachorros semi-selvagens. Uma vila residencial favelizada. Vistas interessantes da baia de Guanabara, e da ponte Rio-Niteroi. Uma zona militar quase florestal, em torno de uma igreja barroca de aparência anciã. Um heliporto e uma balsa de perfuração submarina (acho). E um tal de centro de computação virtual para a Amazônia, ou algo assim, em um prédio de aparência misteriosa com o formato de um poliedro irregular preto e cinza, e sem qualquer sinal de habitação humana; tenho certeza que este último é só uma fachada para um centro dissecção de alienígenas ou de adamantização de ossos de mutantes. Mas divago...

De qualquer, foi um passeio interessante. É uma pena que a maior parte da orla da baia de Guanabara não seja bibicletável.

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segunda-feira, 12 de julho de 2010

Casa, Rio de Janeiro
De volta


Estou de volta ao Rio. A viagem de volta passou por três continentes e cruzou dois oceanos. Entre o vôo vindo de Amsterdam e o indo para São Paulo, passei 12 horas mofando no aeroporto em Washington. Mas, entre livros, WiFi, a lojinha do Smithsonian e um Mexicano decente com refil de coca, até que foi uma espera agradável. Até consegui descansar um pouco.

O encontro de Amsterdam (a FENS) foi cientificamente decepcionante, em alguns aspectos. Achei as plenárias e as paralelas bastante menos interessantes (e de interesse bem mais restrito) do que as suas equivalentes nos encontros da SfN (nos EUA). Por outro lado, as sessões de posteres foram animadas e instigantes; e a organização foi impecável.

"Você usa anticorpos?" - me perguntou a representante comercial
"Só os que o meu sistema imunológico produz" - respondi

As feirinhas das editoras e fabricantes de equipamentos em congressos dirigidos às ciências biológicas são sempre um evento a parte. Se por um lado a distribuição de brindes foi menos liberal do que em outros encontros, por outro as bocas-livres, petiscos e chocolates eram muito mais numerosas e de melhor qualidade do que em eventos nos EUA. Outro destaque ficou por conta das anticorpetes, um grupo de vendedoras de anticorpos embaladas a vacuo em uniformes estilo Formula-1; sinceramente, elas estavam meio incongruentes em meio aos microscópios cofocais e os implantes craniais para ratos; e dada a demografia destes encontros, imagino que elas fariam mais sucesso em um encontro de física...

Um último comentário: Em sempre gostei de Rembrandt, mas nunca tinha prestado muita atenção nas suas gravuras (i.e., impressões em papel a partir de uma placa de cobre riscada). No seu primeiro a FENS só começava de tarde, então dei uma volta por alguns museus, incluindo o museu judaico e a Gassam Diamonds. Na antiga casa do pintor (sobre cujo conteúdo na época sabemos bastante, graças ao detalhado inventário produzido quando Rembrandt foi a falência e teve que leiloar todas as suas posses), eu estava subindo as escadas quando ouvi que uma demonstração das técnicas de gravura comecaria dentro de instantes. E, em frente a uma prensa manual, uma artista de verdade foi nos conduzindo passo a passo pelo processo: Das três técnicas de riscar o cobre, a maneira de se aplicar e retirar a tinta, até a impressão propriamente dita. E foi só assim que eu começei realmente a apreciar e prestar atenção nas gravuras (e suas matrizes).

As tais gravuras são impressionantes, em particular no uso e representação da luz e sombra. É muito interessante, para quem gosta de quadrinhos, notar o quanto o tipode traço ou risco usado determina a ênfase, o movimento e a forma de uma figura. Além disso, como Rembrandt nunca fora à Itália, o seu contato com os mestres da renascença se deu através de gravura; o seu entendimento do chiaroscuro deve tanto ao buril quanto ao pincel; de fato, tive a impressão de que a gravura para ele era uma forma de arte muito mais ínitma e pessoal do que a pintura. Assim, as suas gravuras ajudam um pouco a entender o restante de sua obra.







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quarta-feira, 7 de julho de 2010

Aeroporto Schipol, Amsterdam
Você é o passageiro mais interessante que eu entrevistei hoje - ...

... foi o que me disse o policial após a entrevista de segurança pré embarque. De fato, a minha passagem pela segurança deste aeroporto foi um evento social: Conversei amigavelmente sobre o jogo contra a Holanda com o guarda que me revistou, e sobre ciclismo em Amsterdam com o operador do raio-X. Mas foi com o entrevistador que o papo rendeu mais.

Ele começou me perguntando o usual ('Você fez as próprias malas?'; 'Você recebeu algum pacote de estranhos?'), deu sequência com perguntas sobre meu itinerário ('porquê você vai fazer escala em Washington?'). Ao responder esta pergunta, eu obiviamente mencionei que estava viajando para participar de congressos científicos. De neurociência, esclareci. E ele engatou um papo bastante animado sobre as implicações éticas da possibilidade de alterar a personalidade por meio de terapia genética ou drogas. Ficamos uns 10 minutos conversando, enquanto a fila atrás aumentava, e a representante no local da United Airlines olhava o bate papo com crescente impaciencia.

Este alias vai ser outro daqueles posts cronológicamente invertidos. Hoje de manhã, com uma das minhas mochilas cada um, eu e o Graham pedalamos nossas bicicletas até aqui. É um passeio interessante (de uns 15-20 km no total, ao sul da cidade), com um cenário um tanto diferente da caminho que percorri para o norte em meu outro passeio de bicicleta pela região em volta de Amsterdam (e sobre o qual eu ainda não postei nada). No final, simplesmente dobrei a bicicleta, coloquei na sacola e fui viajar.

Ontem foi o jogo Holanda X Uruguai. Assisti, com a Su e a Gabi, em uma churrascaria argentina, onde um pequeno grupo de Uruguaios se refugiou. Como a churrascaria fica ao lado da praça Rembrant, onde jovens holandeses em diversos graus e tipos de intoxicação se congregam em dias normais, o barulho quando o time local tocava na bola era ensurdecedor. Acho que pessoas como eu (e a Su, e a Mari), que normalmente só acompanham futebol em jogos da seleção na copa, são muito mal acostumadas. Mesmo quando a seleção vai mal, os jogadores do Brasil tendem a ser bastante habilidosos. Então ficavamos curiosos com a demora de holandeses e uruguaios em decidir o que fazer com a bola quando esta chegava aos seus pés. Não posso dizer que fiquei impressionado com qualquer um dos dois times.

Ao final do jogo, os locais comemoraram, com vuvuzelas, bandeiras e baseados, como se tivessem ganhado a copa. A policia olhava, em peso e atenta, mas tolerante, enquanto os celebrantes jogavam uma quantidade prodigiosa de lixo na rua, transformavam carros de bombeiro em carros alegóricos improvisados, e em geral faziam barulho como se possuídos por cacodemônios. Mas era uma bagunça amistosa, bem holandesa.

No dia do jogo, pela manhã, apresentei o meu poster. Inicialmente, achei que estava na Sibéria científica local, em uma seção meio erma do salão, na manhã seguinte à festa ('Jump de FENS') que entrou madrugada a fora. Mas aos poucos, os interessados foram aparecendo, e um mini-engarrafamento foi se formando enquanto eu agitava os braços maniacamente (é o que acontece quando eu fico entusiasmado) e explicava como calcular as massas médias dos neurônios. Fiz alguns contatos interessantes; em particular, um professor polonês me convidou para passar um tempo em Varsóvia (ele tem uma coleçao respeitavel de insetívoros leste-europeus). Inspirado pelo 'Wronski' do meu email, ele me contou uma história interessante sobre o Banach, outro matemático polonês excentrico: Aparentemente, ele e seus colegas se reuniam em um café local para discutir matemática. Infelizmente, após a ressaca inevitável, eles esqueciam muitas das demonstrações brilhantes que havia obtido quando seus cérebros estavam bem lubrificados pela vodka. A solução foi convocar a esposa de um deles, que passou a manter um livro com o registro das soluções para problemas já resolvidos, e os prêmios propostos para os problemas em aberto. Recentemente, um alemão resolveu um destes últimos, e ganhou o ganso vivo estipulado do governo polonês em cerimônia solene.

Tenho que ir. Vou sentir saudades desta cidade, que combina bastante comigo.




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