Vastitas Borealis, Marte
O blues do planeta vermelho
A minha maior fonte de ansiedade no momento é a chegada iminente em Marte de uma sonda sobre rodas que tem o tamanho de um fusca. A Curiosity é a missão de ciência planetária mais ambiciosa das últimas décadas. De fato, nesses tempos de vacas magras, provavelmente todo o futuro do programa de exploração marciana será definido pelo sucesso ou fracasso desta missão.
Historicamente, Marte tem sido um planeta difícil de se explorar. Dificil, e azarado. Os Soviéticos/Russos, que já conseguiram pousar e enviar dados da superfície muito mais hostil de Venus, nunca conseguiram efetuar uma missão completamente bem sucedida por lá. Tiveram alguns sucessos parciais em órbita, e só fracassos na superfície. Os americanos, embora mais bem sucedidos em ambos os quesitos, também têm um histórico irregular. Em Marte a Lei de Murphy tem pelo menos tanto embasamento empírico quanto a segunda lei da termodinâmica. Quase literalmente tudo que poderia dar errado nas várias missões marcianas, deu. Foguetes explodiram ou colocaram as sondas nas órbitas erradas; erros de programação desorientaram painéis solares; vazamentos de combustível fizeram naves parafusearem fora de controle; baterias se descarregaram. Unidades métricas e imperiais foram confundidas umas com as outras e antenas de alto ganho engastalharam. Algumas sondas simplesmente deixaram de transmitir subitamente, sem explicações ou cartão de despedida.
A exploração marciana robótica começou em 1960, meros três anos após o início da corrida espacial. Com a mesma obstinação férrea e falta de caso com baixas eventuais que os levou à vitória em Estaligrado, os Sovieticos mandaram sonda após sonda para o planeta vermelho ao longo dos anos 60 e 70. E, assim como Dick Vigarista ou Willie E. Coyote, viram cada novo plano ir por água abaixo, pelas mais diferentes razões.
A primeira missão realmente bem sucedida, a Mariner 4 americana (sua gêmea, Mariner 3, se perdeu no lançamento) passou por Marte em 1965. Embora muito limitada tanto em tempo de observação quanto tecnologia, mostrou-se um balde de água fria para os entusiastas dos canais marcianos. Numerosas crateras de impacto, a ausencia de um dipolo magnético sério e cinturões de radiaçao, uma atmosfera com apenas 1% da pressão na superfície terrestre e temperaturas sub-glaciais indicavam um mundo morto, não o agitado Barzoon da ficção pulp ou mesmo o ambiente limitrofe coberto de vegetação sazonal postulado por muitos cientistas. A Mariner 9, em órbita a partir de 1971, mostrou um quadro um pouco mais ambíguo. Verificou-se que, se Marte está morto atualmente, pelo menos esteve vivo no passado. Geologicamente, vulcões extintos e o maior canyon do Sistema Solar (batizado Vales Marineris em homenagem à sonda) atestam uma geologia mais ativa no passado; e aparentes lagos e leitos de rios indicam que, sob uma atmosfera mais densa, agua líquida já existiu no passado (sólida, ela existe atualmente nos polos e sob o solo).
A primeira grande onda de robos exploradores terminou com as Vikings, duas sondas compostas cada uma de um orbitador e um módulo de aterrisagem. Grande parte da massa útil destes últimos era tomado por um conjunto de experimentos para procurar sinais de vida microscópica. Os resultados foram cruelmente irônicos, com três falsos positivos (depois atribuidos aos peróxidos presentes no solo) sendo afinal desenganados pelos instrumentos que atestaram a completa ausência de compostos orgânicos no solo.
A hibernação pós-apollo da Nasa implicou em um hiato de décadas até a próxima visita (neste interím, os soviéticos tiveram um sucesso parcial em uma missão até Phobos, a maior lua de Marte). Em 1997, finalmente, um pequeno e fotogênico robozinho chamado Pathfinder explorou titubiantemente as redondezas de seu ponto de aterrisagem, após quicar algumas vezes pela superfície, envolto em airbags. Desde então, Marte foi praticamente invadido por robos (nenhum dos quais achou Sarah Connor, porém), enviados em pequenas flotilhas a cada dois anos, o período sinódico de Marte em relação à Terra, que corresponde ao intervalo entre as janelas para lançamento em órbitas de energia mínima. Existem atualmente três satélites operacionais em órbita marciana, que serão usadas para monitorar e retransmitir dados da sonda.
Pois bem. Em menos de uma hora, a Curiosity vai chegar em Marte diretamente para umareentrada atmosférica, sem nem mesmo a cortesia de uma órbita ou duas para aclimatação. Ela é uma criatura diferente do Pathfinder, que é do tamanho de um carrinho de controle remoto, ou de seus sucessores, Opportunity e Spirit, do tamanho de cortadores de grama. Sem contar o escudo térmico ablativo e todo o aparato de trânsito e aterrisagem (amartisagem?), o Curiosity tem o peso e dimensões aproximados de um fusca? Como, afinal, se coloca um fusca na superfície de outro planeta? Devagar e com jeitinho, segundo a Nasa.
O procedimento de aterrisagem é barroco. Após perder a maior parte dos seus 6 km/s de velocidade por fricção com a atmosfera (protegida por um escudo térmico ablativo), um para-quedas irá se abrir, e dissipará um pouco mais de velocidade. O fundo da capsula então ira se abrir, deixando cair a sonda, presa na parte de baixo de uma plataforma dotada de retrofoguetes. Estes irão frear ainda mais a decida enquanto, próximo ao solo, a sonda é guinchada para baixo até ficar pendurada por três cordas a alguns metros abaixo da plataforma. Esta configuração inusitada irá, se tudo der certo, depositar suas 6 rodas diretamente no solo marciano, após o qual a plataforma pirotecnica cortará os cabos e dará um último salto para se espatifar alhures.
Espero muito que tudo ocorra como descrevi acima. Não só pela ciência (em quantidade e qualidade, a intrumentação no tal fusca marciano é sem precendentes, em alguns casos por ordens de magnitude), mas também pela satisfação de ver dar certo um plano que poderia ser plausivelmente atribuido ao MacGyver, ao Esquadrao Classe A ou ao Visconde de Sabugosa.
Para quem for sonâmbulo ou penitente, é possível acompanhar a modalidade mais nerd das olimpíadas (aterrisagem de sonda em equipe) no SpaceFlightNow, na NASA mesmo, ou no Twitter (hashtag: #MSL). A própria sonda twita regularmente, o que pode ser considerado inovador ou perturbador, dependendo da perspectiva de cada um e de quantas vezes assistimos 2001 e o Exterminador do Futuro.
Agora é só esperar. De uma forma ou de outra, teremos notícias em breve.
PS: Ainda vou postar mais sobre a Espanha. Onde de fato estive, ao contrário de Marte.
Historicamente, Marte tem sido um planeta difícil de se explorar. Dificil, e azarado. Os Soviéticos/Russos, que já conseguiram pousar e enviar dados da superfície muito mais hostil de Venus, nunca conseguiram efetuar uma missão completamente bem sucedida por lá. Tiveram alguns sucessos parciais em órbita, e só fracassos na superfície. Os americanos, embora mais bem sucedidos em ambos os quesitos, também têm um histórico irregular. Em Marte a Lei de Murphy tem pelo menos tanto embasamento empírico quanto a segunda lei da termodinâmica. Quase literalmente tudo que poderia dar errado nas várias missões marcianas, deu. Foguetes explodiram ou colocaram as sondas nas órbitas erradas; erros de programação desorientaram painéis solares; vazamentos de combustível fizeram naves parafusearem fora de controle; baterias se descarregaram. Unidades métricas e imperiais foram confundidas umas com as outras e antenas de alto ganho engastalharam. Algumas sondas simplesmente deixaram de transmitir subitamente, sem explicações ou cartão de despedida.
A exploração marciana robótica começou em 1960, meros três anos após o início da corrida espacial. Com a mesma obstinação férrea e falta de caso com baixas eventuais que os levou à vitória em Estaligrado, os Sovieticos mandaram sonda após sonda para o planeta vermelho ao longo dos anos 60 e 70. E, assim como Dick Vigarista ou Willie E. Coyote, viram cada novo plano ir por água abaixo, pelas mais diferentes razões.
A primeira missão realmente bem sucedida, a Mariner 4 americana (sua gêmea, Mariner 3, se perdeu no lançamento) passou por Marte em 1965. Embora muito limitada tanto em tempo de observação quanto tecnologia, mostrou-se um balde de água fria para os entusiastas dos canais marcianos. Numerosas crateras de impacto, a ausencia de um dipolo magnético sério e cinturões de radiaçao, uma atmosfera com apenas 1% da pressão na superfície terrestre e temperaturas sub-glaciais indicavam um mundo morto, não o agitado Barzoon da ficção pulp ou mesmo o ambiente limitrofe coberto de vegetação sazonal postulado por muitos cientistas. A Mariner 9, em órbita a partir de 1971, mostrou um quadro um pouco mais ambíguo. Verificou-se que, se Marte está morto atualmente, pelo menos esteve vivo no passado. Geologicamente, vulcões extintos e o maior canyon do Sistema Solar (batizado Vales Marineris em homenagem à sonda) atestam uma geologia mais ativa no passado; e aparentes lagos e leitos de rios indicam que, sob uma atmosfera mais densa, agua líquida já existiu no passado (sólida, ela existe atualmente nos polos e sob o solo).
A primeira grande onda de robos exploradores terminou com as Vikings, duas sondas compostas cada uma de um orbitador e um módulo de aterrisagem. Grande parte da massa útil destes últimos era tomado por um conjunto de experimentos para procurar sinais de vida microscópica. Os resultados foram cruelmente irônicos, com três falsos positivos (depois atribuidos aos peróxidos presentes no solo) sendo afinal desenganados pelos instrumentos que atestaram a completa ausência de compostos orgânicos no solo.
A hibernação pós-apollo da Nasa implicou em um hiato de décadas até a próxima visita (neste interím, os soviéticos tiveram um sucesso parcial em uma missão até Phobos, a maior lua de Marte). Em 1997, finalmente, um pequeno e fotogênico robozinho chamado Pathfinder explorou titubiantemente as redondezas de seu ponto de aterrisagem, após quicar algumas vezes pela superfície, envolto em airbags. Desde então, Marte foi praticamente invadido por robos (nenhum dos quais achou Sarah Connor, porém), enviados em pequenas flotilhas a cada dois anos, o período sinódico de Marte em relação à Terra, que corresponde ao intervalo entre as janelas para lançamento em órbitas de energia mínima. Existem atualmente três satélites operacionais em órbita marciana, que serão usadas para monitorar e retransmitir dados da sonda.
Pois bem. Em menos de uma hora, a Curiosity vai chegar em Marte diretamente para uma
O procedimento de aterrisagem é barroco. Após perder a maior parte dos seus 6 km/s de velocidade por fricção com a atmosfera (protegida por um escudo térmico ablativo), um para-quedas irá se abrir, e dissipará um pouco mais de velocidade. O fundo da capsula então ira se abrir, deixando cair a sonda, presa na parte de baixo de uma plataforma dotada de retrofoguetes. Estes irão frear ainda mais a decida enquanto, próximo ao solo, a sonda é guinchada para baixo até ficar pendurada por três cordas a alguns metros abaixo da plataforma. Esta configuração inusitada irá, se tudo der certo, depositar suas 6 rodas diretamente no solo marciano, após o qual a plataforma pirotecnica cortará os cabos e dará um último salto para se espatifar alhures.
Espero muito que tudo ocorra como descrevi acima. Não só pela ciência (em quantidade e qualidade, a intrumentação no tal fusca marciano é sem precendentes, em alguns casos por ordens de magnitude), mas também pela satisfação de ver dar certo um plano que poderia ser plausivelmente atribuido ao MacGyver, ao Esquadrao Classe A ou ao Visconde de Sabugosa.
Para quem for sonâmbulo ou penitente, é possível acompanhar a modalidade mais nerd das olimpíadas (aterrisagem de sonda em equipe) no SpaceFlightNow, na NASA mesmo, ou no Twitter (hashtag: #MSL). A própria sonda twita regularmente, o que pode ser considerado inovador ou perturbador, dependendo da perspectiva de cada um e de quantas vezes assistimos 2001 e o Exterminador do Futuro.
Agora é só esperar. De uma forma ou de outra, teremos notícias em breve.
PS: Ainda vou postar mais sobre a Espanha. Onde de fato estive, ao contrário de Marte.
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