quinta-feira, 25 de novembro de 2010

US 0800, algum lugar sobre o Caribe
Texturas e sabores




Cada cidade tem uma textura particular de tradições locais, lendas urbanas e detalhes arquitetonicos, que só vai se tornando aparente para quem vive nela por algum tempo. Algumas pessoas que chegam de outro lugar conseguem se tornar parte desta textura, sem perder a capacidade de notar o inusitado, aquelas coisas que um nativo considera 'normais' sem pensar muito. Eu não tenho esta conexão com a cidade onde moro. Gosto do Rio e de meus amigos por aqui, mas sou, quero ser e vou sempre ser um mineiro expatriado. Mas a Pam tem. Ela nasceu em Detroit, mas se mudou para Chicago a alguns anos atrás, e é daquelas pessoas que parece conhecer uma infinidade de lugares interessantes mas insuspeitamente não-óbvios. Desta forma, assim como em Amsterdam, com o Graham, e em Paris, com a Jacqueline, passei boa parte do meu tempo em Chicago em visitas guiadas pela cidade. Vi o Sharkula, quase visitei uma exposição de bonecas decapitadas, comecei a enteder o significado do grafite local, comprei livros usados, passei em frente a uma boca de crack e almoçei sopa de tripa em um restaurante mexicano enquanto via uma novela idem (errr...). No meu último dia, visitei a inesquecível Shit Fountain, e a escada celestial da foto acima.

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domingo, 21 de novembro de 2010

Kelly's & Pam's, Chicago
Orientalismos

O museu do Oriental Institute não é a maior, ou a mais famosa, coleção arqueológica sobre o Oriente Médio. Mas é uma das mais bem cuidadas. São 6 ou 7 salas com temática regional ('Mesopotamia', 'Persia', 'Egito', etc.), além de uma sala extra para exposições temporárias (a história da escrita desta vez; eu perdi o tesouro real de Ur por uma questão de meses). E, seja devido ao foco, o pequeno tamanho, ou a frequente presença dos acadêmicos do instituto (que é um dos grandes centros mundiais de pesquisa na área), a experiência para um nerd de arqueologia como eu é muito mais envolvente.

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sábado, 20 de novembro de 2010

Kelly's & Pam's, Chicago
A oeste do lago Michigan e a leste de Suez



Na fila do raio-X, no aeroporto de San Diego:
'Tenha um bom dia, senhor!'
'Um bom dia para você também.'
'Isto é impossível... Eu trabalho para a TSA' [Transit Security Autority, a segurança aeroportuária americana]
Após esta conversa, e após um vôo sem incidentes, cheguei em Chicago ontem a noite, mas sinceramente a passagem do tempo está se tornando um processo um tanto nebuloso nos últimos dias desta minha viagem. Eu arrumo tanta coisa para fazer em tão pouco tempo que acabo deixando o cansaço para o vôo de volta (no qual geralmente durmo como um camatoso em hibernação).

Ontem, antes de sair de San Diego, tomei dois cafés da manhã, ao estilo Hobbit: O primeiro, com a Terry e seu filho Tony, que queria me conhecer. O segundo, com o meu amigo Hayder, um iraquiano que mora em Londres, e que está em San Diego para um conferência sobre o Oriente Médio.

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quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Terry's, San Diego
Pacific sunset


Hoje foi o último, e mais modorrento, dia do Neuroscience. Aproveitei para colecionar brindes e freebies dos expositores: Cérebrinho de borracha para aliviar a tensão, uma caneta com o meu nome gravado por um laser de 1 kw ('Preço mediante consulta. Solicite uma visita sem compromisso do nosso representante!'), pendrives, camisetas, balas, sacolas, etc.

Sai no horário de almoço; o meu plano original era fazer um passeio de veleiro em um barco que participou da America's cup. Infelizmente, quando cheguei lá, descobri que não havia quorum, e que portanto, apesar do dia lindo, não haveria passeio. O plano B consistiu pedalar através da escarpada peninsula que limita a baia de San Diego, em direção a seu ponto extremo, Point Loma. Foi nessa península, em 28 de setembro de 1542, que João Rodriguez Cabrilho, um português (como enfatiza uma placa comemorativa doada pela marinha portuguesa) a serviço da coroa espanhola, 'descobriu' a Califórnia. Os nativos permaneceram ignorantes do seu novo status de descoberto por quase dois séculos, até os espanhois decidirem (sem muito entusiasmo) se estabelecer por aqui.

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segunda-feira, 15 de novembro de 2010

San Diego convention center
Nerd de 3a idade



Estou em San Diego, hospedado na casa de uma nerd de 70 anos de idade. A Terry já trabalhou no instituto Scripps de oceanografia e programou em Fortran 4 (a Arca de Nóe rodava Fortran 7) para a industria aeroespacial. Atualmente ela é jogadora inveterada de NetHack! É complicado imaginar algo mais herméticamente nerd que NetHack...

É realmente difícil competir com couchsurfing no quesito encontrar pessoas interessantes. A Terry tem um lado avuncular de querer manter seus hospedes bem alimentados; a casa dela está literalmente abarrotada de comida. Mas como ela mesmo diz com frequência, ela tem mais 50 anos de idade. Assim, me arvorei de cozinheiro da casa: Toda noite eu ataco a geladeira, cozinho algo interessante; depois do jantar, ficamos conversando enquanto um cachorro e uma população flutuante de gatos anda pela casa.

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sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Taxi a caminho do Galeão, Rio de Janeiro
Like, California baby, yeah!

Eu não sei porque ainda me surpreendo com o equibrio tênue entre o épico e o tragicômico que caracteriza os dias em que vou pegar um vôo para fora do Brasil. Estou indo para San Diego, para participar do encontro anual da Society for Neuroscience. O plano era relativamente simples, como eles sempre são: Preparar o poster no começo da semana, deixar tudo pronto até o dia da viagem; colocar a bicicleta dobrável na mala (pois a ideia é sair pedalando do aeroporto), e chegar no aeroporto com suficiente antecedência tal que perder a paciência fosse muito mais provável que perder o vôo.

Para combinar dois lugares-comuns: Nenhum plano resiste ao primeiro contato com o inimigo, e o inimigo era eu...

Eu passei a semana inteira quebrando a cabeça com o modelo*; tentando entender como o tal 'gás de axônios' deveria ser descrito (estritamente falando, este tópico extrapola o tema do poster, mas fazer quê?). Finalmente, ontem de madrugada, resolvi tomar vergonha na cara e fechar o poster com o que eu já sabia, ao invés de tentar fazer pesquisa original na véspera da viagem. O resultado é que terminei o poster hoje na hora do almoço, e fiquei resolvendo as demais pendências enquanto ele era impresso na gráfica. Ficou pronto as 5. O meu vôo era (ainda é) as 2250. Tempo de sobra para pegar um taxi...

Exceto que a linha vermelha (e a amarela, e a marginal) estava parada (sabemos que o transito está parado, ao invés de simplesmente lento, quando vendedores de biscoito Globo surgem expontaneamente do asfalto**). Um rio de carros imóveis se extendia por dentro do fundão: Por trás do Hospital, em volta do CCS e chegando até a Petrobrás. Não tive dúvida. Passei pedalando pelos carros, atravessei a passarela, e sai perseguindo o primeiro taxi semi estacionário vazio que vi.

O taxista se mostrou uma compania excelente! Ele se chama Marco Sensei, toca em uma banda de Reggae e dá aulas de judo. Demorei duas horas para chegar em casa, onde decobri que a mala que uso para levar a bicicleta havia desaperecido. Resolve o problema usando um saco de colchão e 3 m^2 de papel bolha que consegui comprar na papelaria da esquina para fazer da minha bicicleta dobrada uma especie de crisálida. Peguei o taxi e estou indo para o aeroporto. Pelo menos o trânsito está decente.


UPDATE. Mas deu tudo certo. Estou na sala de embarque e estão chamando o meu vôo. Mas fui enganado na entrada da sala de embarque: Ao contrário do que me foi dito, não há nenhum ligar que venda livros aqui dentro! Nove horas sem nada para ler além da revista de bordo. Tentarei com todas as forças manter a minha sanidade.


_________________________
* Descrevendo como o cortex se dobra de dentro para fora devido a tensões internas ao longo dos axônios geradas por uma força entrópica usando combinações muito simples de leis de potência

** É sintomático da minha vida dupla entre a física e a biologia que eu hesito entre usar como metáfora a geração expontânea de vida ou flutuações do vácuo (asfáltico).

domingo, 7 de novembro de 2010

Museu do Índio, Rio de Janeiro
As fibras-linas da vagina da avó canibal

No dia seguinte, os gêmeos cresceram. A onça preta os entregou para a mãe-ïnmöxä. Cesceram rapidinho porque eram encantados, filhos de yämïxop. Já sabiam fazer armadilha e pegaram anta e falaram assim: "Tia, nossa armadilha pegou anta!" Primeiro, eles pediram à tia deles. Entre as pernas dela, havia um monte de embira. Aquilo estava como que fincado em seu corpo. "Vó, me dá cipó para fazer armadilha". Foi com estas fibras que fizeram armadilha. Ela disse - "Meus netos pegaram a fibra da vagina da avó para fazer mais armadilha. Atravessaram um rio grande onde haviam descoberto. Fizeram armadilha para lá onde havia muitos bichos. Flecharam o jacu que gritou e disse: - "Você me flechou, mas não fui eu que matei sua mãe. Foram os ïnmöxa que a mataram". Tiraram a flecha do jacu. Ele ficou bom e foi embora. Os gêmeos ficaram sabendo que foi "seu povo" quem matou a mãe e fizeram mais armadilhas. Chegaram e disseram: "Vovó, nossa armadilha pegou duas antas". Os dois já estavam preparados. Puseram um pau para atravessaro o rio, planejando jogar todos os demais lá detnreo. Todos vieram e eles viraram o pau. Cáiram e morreram todos.


PS: 'ïnmöxa (com ~, não ", mas o me teclado não permite til em i) é uma espécie de zumbi ou corpo insepulto que as vezes vira onça (não me peçam para explicar). Yamïxop são espiritos. A unica fonte online imediatemente disponível está aqui.
PS2: Acho que dá para fazer uma campanha de Chulhu baseado nesta história.

Que apropriado...