Ap. do Gary, Philladelphia
Passando frio em Valley Forge
Philladelphia (Philly para os íntimos) fica a meio caminho entre Washington e Nova York. É uma cidade histórica (para os padrões deste hemisfério) bastante simpática, que decidi visitar no meu caminho de volta. Fico aqui somente um dia, couchsurfing na casa de um abnegado neurocientista local.
A uns 35km de distância, em 1777-78 no chamado Valley Forge, George Washington acampou com seu exército durante um inverno particularmente rigoroso. Um décimo de seus soldados morreu, de doenças várias, gangrena e fatiga. Atualmente, existe uma trilha de bicicleta que vai de Philly até Valley Forge, margeando um rio de nome impronunciável (o Schuylkill). Em julho, bicicletei de Paris até Versailles; resolvi repetir o programa por aqui. Mal sabia eu que minha experiência em Valley Forge seria muito mais historicamente fidedigna que eu esperava.
Saí de Philly sem grandes problemas. Como eu disse, é uma cidade bastante agradável.
A trilha é variada, e é interrompida em alguns lugares. Obviamente, se tratando de um dos meus passeios, fiquei perdido; epicamente perdido às vezes. Logo no começo, saí por uma tangente da ciclovia, e comecei a subir uma colina. Lugar peculiar para uma trilha que margeia um rio, pensei. Comecei a passar por algumas casas conjugadas bastante dilapidadas, em um bairro habitado principalmente por negros, que parece ter sido particularmente atingido pela crise econômica (várias casas estavam a venda ou abandonadas). Com medo de acabar em Delaware, e certo de que havia perdido a trilha, fui perguntando pela 'bike trail' e por 'Valley Forge' para os um tanto incrédulos locais. Seguindo indicações (os incrédulos locais se transformavam rapidamente em simpáticos locais), passei pelo cemitério histórico em Laurel Hill, até achar o rio novamente. Existem várias outras trilhas pela região, que gostaria de explorar um dia.
Finalmente, cheguei na famosa cidade de Maynayunk, onde a trilha efetivamente começa (coincidentemente, mais tarde fui jantar com o Alexandre e a Flávia, e eles me levaram para um restaurante literalmente ao lado da entrada para a trilha).
A partir deste ponto, a trilha segue primeiro ao longo de um antigo towpath (usados para puxar balsas canal acima), e em seguida entre o Schuylkill e a ferrovia que tornou o tal towpath obsoleto. Ela é ladeada por árvores, agora totalmente desfolhadas: Um efeito que acho ao mesmo tempo muito bonito e um tanto sinistro.
Falando em sinistro, passei ao lado de algumas casas em ruínas perdidas dentro do mato. Esta é uma das regiões mais antigas dos EUA, mas a área específica onde eu estava nunca foi densamente ocupada, então é possível encontrar, se procurarmos com cuidado, aquele sutil palimpseto de evidência quase esquecida de ocupação humana (?) ao longo dos séculos. < .Lovecraftian prose> Que horrores antedeluvianos se escondem por sob as ruínas esquecidas da Pensylvannia? O que tramam as insanidades rastejantes que se banqueteiam dos putrescentes restos de seus antigos habitantes? < \ Lovecraftian prose >
Casas abandonadas não eram a única atração, porém. Uma região habitada a tanto tempo geralmente tem vários e pitorescos cemitérios.
Após umas 5 milhas, as redondezas da trilha começam a ficar mais habitadas. Entrei no que provavelmente seria chamado de Middle America, com casas de madeira de dois andares, bandeiras americanas penduradas, e decoração de thanksgiving. Mas, exceto por alguns fanáticos fazendo cooper, não havia ninguém nas ruas. Mais a frente, parei na peculiarmente nomeada cidade de Conshohocken, onde comi uma pizza bastante decente (em bar/restaurante chamado Pepperoncini, cuja simpática garçonete Lauren mantém um site sobre bambolês nas horas vagas; talvez devido aos imigrantes italianos, a pizza em Philly costuma ser de massa fina).
Entrei em seguida no maravilhoso mundo do subúrbio, a lá Desperate Housewives. Ao longe, via grandes casas, SUVs, jardins gramados e alamedas; mas a trilha passava ao lado daquelas enormes lojas (supermercados, coisas para a casa, livros), acessíveis somente de carro (não era estritamente no meu caminho, mas eu fiquei perdido novamente). Voltei para o rio, e as lojas deram lugar a garagens de caminhões e industria leve, e muito mato.
Um pouco além, já estava em uma zona quase rural. Agora nevava bastante; eu estava atrasado, e ameaçava escurecer; mas ia chegar em Valley Forge ou morrer tentando (a cova estava até pronta, aparentemente). As últimas 5 milhas foram pura agonia, com vento, neve, as pernas doendo, um frio de rachar e a neve lentamente derretendo e molhando minha roupa. Cheguei em Valley Forge com o Sol se pondo. O parque realmente é bonito, mas não há nada de particularmente notável no museu. Mas sinceramente, este é um daqueles casos onde a viagem vale a pena pelo caminho muito mais que pelo destino.
Passei rapidaemente pelo museu, comprei uma camiseta (que não diz, mas devia dizer 'I rode to Valley Forge in nut-freezing weather and all I got was this lousy T-shirt'). Já estava escuro quando saí de lá (eles estavam fechando, de qualquer maneira). Felizmente um dos atendentes do museu também estava de bicicleta, e tive companhia para voltar até uma área razoavelmente iluminada.
Não precisei fazer o caminho todo de volta; a cerca de 4 milhas de VF há uma estação de trem; voltei para Philly e pedalei até a casa do Gary (não sem antes confundir sua rua com a paralela, e tentar por alugns minutos abrir a porta de uma casa quase idêntica com o mesmo número; felizmente ninguém chamou a polícia). Mais tarde, com as pernas bambas, fui jantar com o Alexandre e a (extremamente grávida) Flávia. Uma maneira muito bacana de terminar a noite. Amanhã volto para o Brasil, se conseguir pegar o ônibus para NY, passar no Ap do Alex para pegar o PS3 do meu irmão, e chegar no JFK a tempo. Isso sim é viver perigosamente.
2 comentários:
legal o tag Lovecratian prose.
Pois é, é do HTML versão R'ylth :)
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