Kelly's & Pam's, Chicago
Orientalismos
O museu do Oriental Institute não é a maior, ou a mais famosa, coleção arqueológica sobre o Oriente Médio. Mas é uma das mais bem cuidadas. São 6 ou 7 salas com temática regional ('Mesopotamia', 'Persia', 'Egito', etc.), além de uma sala extra para exposições temporárias (a história da escrita desta vez; eu perdi o tesouro real de Ur por uma questão de meses). E, seja devido ao foco, o pequeno tamanho, ou a frequente presença dos acadêmicos do instituto (que é um dos grandes centros mundiais de pesquisa na área), a experiência para um nerd de arqueologia como eu é muito mais envolvente.
Eu já havia dado uma volta completa no museu quando notei um senhor com aparência de acadêmico discorrendo animadamente sobre a reciclagem de cobre entre os sumérios para um casal (os sumérios inham pequenas jarras de cerâmica onde colocavam o refugo de cobre, para futura reforja).
Bom, eu obviamente me agreguei ao grupo, e acabei acompanhando uma retrospectiva dos melhores momentos do Oriente Médio, 3000AC-700AC. O guia em questão era muito bem informado, e traçava paralelos interessantes entre o conhecimento arqueológico atual e o conteúdo do velho testamento (que é uma narrativa um tanto enviesada, mas certamente histórica, da antiguidade pré-clássica no Levante). De fato, um dos artefatos mais preciosos da coleção é o chamado prisma hexagonal de Sesnacherib (um poderoso rei Assírio), um bloco de arenito coberto de inscrições detalhando os feitos e obras do dito cujo. De acordo com o nosso guia, uma das passagens do prisma relata, com a falta de modéstia usual dos monarcas da época, como Sesnacherib certa vez ele prendeu um certo 'Hezekiah o Judaita' em sua cidade sagrada. Mas cercos são em geral dispendiosos e demorados, e não eram um expediente a que se recorria quando o propósito era simplesmente assustar os oponentes e limitar temporariamente seus movimentos! De fato, o que o prisma *não* diz é que Sesnacherib conseguiu invadir e saquear a tal cidade. Pois bem; um cerco assírio da cidade de Jerusalem, no reinado de uma tal de Ezequiel, é relatado na Biblia. Segundo a mesma, Deus enviou uma praga contra o exército invasor, que foi assim forçado a levantar o cerco. Embora eu considere condições pouco sanitárias muito mais plausíveis como causa do que a intervenção divina, ainda assim é notável que podemos relacionar historicamente um evento narrado na Biblia. Ao que parece, a narrativa do tal prisma é uma tentativa cara de pau de criar um spin positivo para a história de uma derrota. Algo como a 'Mãe de todas as batalhas' de Saddam Hussein. Pode parecer ridículo, mas na ausência de meios de informação e/ou registros históricos alternativos, e dado a obvia relutância, por uma questão de pura auto-preservaçao, da parte de súditos de apontar a obvia picaratagem para o Sesnacherib (ou para o Saddam), creio que na época o truque pode até ter funcionado.
Falando em alterações do registro histórico, e mantendo o foco no simpático Sesnacherib, veja esta procissão esculpida que figurava na entrada do seu palácio:
A figura na extrema esquerda é o rei (que possivelmente era, na época da escultura, um principe no reinado de seu pai, Sargão II), com sua barba característica, uma joia no pulso que parece um relógio (eram os deuses astronautas!) e faixa na cabeça. Os demais são eunucos, formando algum tipo de guarda de honra. Mas note a segunda figura... Existe uma depressão na pedra, de formato retangular, logo abaixo do seu rosto. Ele claramente era uma figura hirsuta, que foi posteriormente cuidadosamente barbeado. Ele também tinha uma faixa na cabeça, assim como o rei. Além disso, o nome Sesnacherib quer dizer 'Aquele que foi abençoado com irmãos'. Tudo indica que o 'eunuco' era na verdade um jovem príncipe, que foi desaparecido pelo irmão logo antes ou depois de sua acenção ao trono! Algo como os expurgados por Stalin que igualmente desapareciam da fotografias no Pravda...
Hoje eu fiz um jantar para os meus amigos aqui, mas a história vai ter que esperar até o próximo post, que já está tarde. Hoje volto ao Brasil.
2 comentários:
Você não queria dizer agraciavam? Ou você está considerando que o cortejo do Rei fazia chacota do dito cujo na entrada de seu palácio?
Você pretende voltar a ser um expatriado no Rio ou agora vai assumir sua expatriação transcontinental permanentemente?
Embora eu tenha notado uma sutil olhar de chacota no semblante do penúltimo eunuco, talvez 'Figurava' soe melhor?
Eu devia postar mais daqui do Brasil... Bom, já que falei sobre andar de bicileta em Chicago, talvez escreva um post sobre andar de bicicleta em Belo Horizonte...
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