Casa, Rio de Janeiro
Brainjuice
Eu conheci a Suzana, minha amiga neurocientista, no Candogueiro, uma roda de samba em Niteroi. Enquanto o Bernardo, a Carla, a Ceci e nossas hospedes francesas aproveitavam a cerveja e a música, eu e a Su berravamos animadamente um com o outro, eu explicando como o universo poderia ter uma topologia não trivial dobrando guardanapos em faixas de Möbius, ela me contando como fazia sucos de cérebro de várias especies de roedores para poder contar o número de neurônios e glia*
Com o tempo, ela foi ficando muito amiga nossa (sim, somos capazes de discutir outros assuntos). E quando a Ceci não estava por perto, ou as vezes quando estava, continuavamos a falar de sucos de cérebro.
Simplificando bastante (afinal o neurocientista não sou eu), o cerebro e suas várias estruturas são formados por dois tipos de células: os neurônios, que se interconectam para processar e transmitir informação, e as glia, que provêem os neuronios com suporte físico e serviços gerais de vários tipos. A Su inventou um método para fazer o tal suco de cérebro, e contar (por amostragem) quantos neurônios e quantas glias existem em cada pedaço dele. Ela descobriu que para os roedores adultos (que vão desde um musaranho do tamanho de um dedo até uma capivara), a massa de cada estrutura cerebral (cortex, cerebelo e a rapa) é proporcional ao numero de ambos os tipos de célula elevado a um expoente.
Leis de potencia são interessantes, entre outras razões, porque não tem um comprimento característico, são invariantes por escala. Obviamente cérebros não tem tamanho arbitrário, mas o que este resultado sugere é que todos os cérebros seguem uma mesma receita, que depende só do seu tamanho.
Conversa vai, conversa vem, e combinei de dar uma olhada nos dados dela. De uma olhada começei a fazer umas contas, das contas a tirar conclusões, e um dia me surprendi como colaborador no trabalho...
O meu problema era o seguinte: Sabiamos como o numero de celulas de cada tipo variava com o tamanho do cérebro, mas não havia maneira confiavel de saber o que acontecia com a massa média individual de tais células. Será que dava para calcular estes valores teoricamente, usando as leis de potência já conhecidas? No final das contas, descobri que sim, se assumisse (o que é bastante razoável) que as massas médias seguiam algum tipo de lei de potência também. É uma conta simples, mas as conclusões são interessantes. Em primeiro lugar, a massa média dos neurônios cresce muito quando o cérebro aumenta de tamanho, enquanto a massa média das glia permanece quase constante. Além disso, a razão entre as massas totais de células neuronais e não neuronais permanece fixa em cerebros (de roedores!) de qualquer tamanho. Isto indica que um neurônio em um cérebro grande faz muito mais coisas que seus provincianos colegas habitantes de cerebrinhos; para um glia por outro lado, pouco importa em que tipo de cérebro ela vive; elas parecem servir como uma especie de andaime, cada uma sendo responsável por uma quantidade quase fixa de massa neuronal.
No final, de colaborador virei co-autor da Su e do Roberto Lent, em um artigo na PNAS. Como toda pesquisa interessante, o trabalho deu origem a muito mais perguntas do que respondeu. A Su já começou a trabalhar com cérebros de primatas. Eu quero entender como varia o comprimento dos axônios, e qual a contrinuição deles para a massa neuronal, mas tenho que terminar minha tese (lembra dela?) antes. Tem muita coisa ainda para estudar; o objetivo da Suzana é descobrir a receita de bolo para construir um cérebro mamifero. A minha função é calcular exatamente quantas xícaras de farinha e quantos ovos serão precisos para isso.
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* Simplificando um pouco. Células não-neuronais, para ser mais preciso.
9 comentários:
acho legal mas e' preciso tambem saber o que e' considerado como celula: hora, veja bem, ha' neuronios que tem sua origem no cerebro e se nao me engano, possuem axonios largos e grandes que vao parar na coluna vertebral, certo? e esses axonios estao embalados em mielina. Quando voce diz que a celula "aumenta de tamanho" - significa expansao lateral (?) ou entao aumento da regiao proxima do nucleo? E a questao da mielina x tamanho? Os cerebros maiores sao mais mielinizados que os outros? Oh, Ceus, quantas duvidas!
A baia de mielina melhora a transmissao de sinais, e é mais grossa para axonios mais compridos; nos cérebros grandes as regiões ficam mais distantes, entao os axonios são mais grossos; mas tais cerebros tambem sao menos conexos, possivelmente porque o aumento de volume devido a toda a mielina ficaria proibitivo se a conectividade se mantivesse constante.
e a mielina nao serve de "isolante" eletrico?
Conheci a faixas de Möbius ano passado fiquei encantada, sempre faço ela para os meus primos pequenos eles acham o máximo...
abraços, THA.
Tema NERD???
Fala sério BRUNO, estas dicas são ótimassss...qndo tiver pode me passar.
abraços,
THA
"Leis de potencia são interessantes, entre outras razões, porque não tem um comprimento característico, são invariantes por escala"...
Deus do céu. E eu casei com vc.
As vezes me pergunto porque vc me acha interessante. As vezes acho que é melhor NAO saber.
=)
bjs
Feliz por ter patrocinado a ida ao Candongueiro e propiciado esse encontro feliz entre vocês e a Suzana, todos figuras especialíssimas, nas mais variadas acepções do termo. Triste por não vê-la mais com a freqüência com que nos encontrávamos no passado...
Rafa, se eu entendo o processo corretamente, a mielina isola o axonio e diminui a capacitancia entre os ions de dentro e de fora do axonio (como Q=CV, para o mesmo numero de ions a tensão é maior). Assim, a velocidade de propagação aumenta, mas o sinal perde intensidade rapidamente; os axonios tem umas 'estações repetidoras' que reforçam o sinal, uns tais nodos de sei-lá'-quem
Muito, muito divertido e interessante tema de trabalho. Dá pra ter acesso ao(s) paper(s) que vocês publicaram no assunto? Pdf? Fiquei muito afim de dar uma olhada.
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