domingo, 24 de setembro de 2006

Casa, Rio de Janeiro
Líbano - Cenas do próximo capítulo

A briga de foice silenciosa continua no Líbano. O Hizbollah foi surpreendido pela veemencia das críticas à sua guerrinha com Israel, algumas vindas de direções inesperadas. A implementação das resoluções que exigem o desarmamanto das milícias voltou ao centro dos debates, e o Nasrallah agora faz força para tornar tais discussões tabú novamente.

A UNIFIL 2.0, por outro lado, também dá surprendentes sinais de vivacidade. Os franceses enviaram tanques e artilharia, ao invés das usuais bandeirinhas brancas e capacetes azuis; e a força naval liderada pelos alemães parece ter a intenção de fazer algo a respeito do contrabando de armas. Segundo o seu mandato, a tarefa da UNIFIL 2.0 é auxiliar o governo do Líbano a implementar a resolução 1701, em particular no que se refere a patrulhar as fronteiras, o que a torna essencialmente a milícia particular do Siniora (pelo menos enquanto este contar com a boa vontade da França).

O que aconteceu é que, ao contrário do que muitos esperavam (eu inclusive), o governo do Siniora saiu fortalecido da guerra. Assim, o conflito agora é entre um governo que quer começar a efetivamente governar o pais, e o HA que quer manter sua excepcionalidade como estado-dentro-do-estado. Ambos os lados ainda são tolhidos por uma série de tabus oriundos da guerra civil, em particular da nescessidade de evitar qualquer aparencia de sectarismo. Assim, temos o estranho espetáculo de um kabuki político onde a dança é regida por inúmeras regras não-escritas, e a hostilidade se esconde atrás de alusões, metáforas e elipses. Mas a temperatura retórica está esquentando. Em breve o kabuki não será mais capaz de conter as pressões que estão se formando. Anteriormente, o HA estava contente em aceitar o governo, desde que esse não tentasse se imiscuir nas áreas sob seu controle. Agora, com a UNIFIL dando muque e o dinheiro saudita e ocidental queimando em seu bolso, Siniora está aos poucos tentando reestabelecer sua credibilidade, e o HA precisa mudar o governo, e colocar em seu lugar aliados que possam neutralizar tais tendencias perigosas.

Na sexta o Hizbollah fez um comicio enorme (500-800 mil; embora muitos tenham sido transportados de ônibus desde a Síria e campos de regugiados palestinos, a popularidade do HA entre os xiitas é bem real) em Harit Harek para comemora a tal 'vitória divina'. As primeiras comemorações, logo após a guerra, pegaram meio mal, já que muitos mortos nem haviam sido enterrados ainda. Desta vez, o HA precisava de uma demostração de força, e a coisa foi bem planejada. No meio da verborragia usual, Nasrallah, em sua primeira aparição além-bunker desde o começo da guerra, exigiu a renuncia do governo. Os críticos do HA (Jumblat, Gagea, etc) já acusam abertamente o HA de ter iniciado uma guerra evitável*, e exigem seu desarmamento. Nesta luta, é difícil julgar a real correlação de forças. Mas muito pode depender do que fizer o Michael Aoun, um ex-general maronita que foi o lider de um levante contra os Sírios, foi exilado em 91, e voltou recentemente como aliado do HA (e por extensão, de Damasco; estas puladas de cerca não são incomuns no Líbano). Aparentemente ele está disposto a tudo para se tornar presidente, incluindo se aliar com seus antigos inimigos. Mas não foi ao comício, e parece estar tentando descolar sua imagem do HA, que está começando a assustar a comunidade maronita.

Um outro fator complicador é a publicação em breve do relatório da investigação sobre o assassinato do ex-premiê Hafik Hariri. Os relatórios anteriores incriminaram vários manda-chuva sírios e seus aliados libaneses. Pouca gente duvida que o governo estava por trás deste e de outros assassinatos (inclusive do recente atentado contra um dos agente de inteligêncua libanês envolvido na investigação); a questão é saber quão contundentes serão as provas recolhidas. Recentemente aliados da Síria tentaram bloquear a passagem de leis que permitem o estabelecimento de um tribunal internacional para julgar estes crimes (liderados pela Amal, um outro grupo xiita importante, os parlamentares paralizaram os trabalhos no congresso, sob a desculpa de protestar contra o bloqueio israelense). A Síria tem tanto a motivação quanto os meios de tornar as coisas ainda mais caóticas, tanto para impedir que as investigações avancem quanto para se reafirmar como a única força capaz de garantir a estabilidade no Líbano, e assim restabelecer sua hegemonia sobre o vizinho.

Concluindo, o estado anterior de mutua tolerância entre o governo nominal do Líbano e o governo de fato do HA nas suas areas de influencia não é mais viável. A longo prazo, as opções são a integração do HA na politica como um partido normal, e a exclusão definitiva da Síria da política interna Libanesa, ou o controle direto do governo pelo HA ou seus aliados, e o retorno da Síria como provedora de 'estabilidade'. Mas sendo o Líbano o que é, acho que o mais provável a médio prazo é algum tipo de compromisso-que-desafia-a-lógica (como os acordos de Taif!), em que o braço armado do HA se integre formalmente ao exército, e o governo estabeleça sua soberanina pelo pais todo, mas continue ele mesmo sendo um conjunto de feudos semi-coeso que inclua o HA. Esta solução de compromisso poderia ser uma maneira de evitar o retorno da guerra civil que uma ruptura brusca do status quo para um lado ou para o outro poderia causar. Assim como a divisão sectária dos cargos de governo, e a ambiguidade oficial em relação à resistência e as ocupações, seria mais um compromisso tipicamente libanês para congelar um conflito ao invés de resolve-lo.


* A versão do HA é que eles simplesmente se anteciparam à uma planejada invasão israelense; não faz muito sentido, e contradiz a entrevista do próprio Nasrallah, mas na visão de mundo islamista as ações de Israel não precisam nem de motivação racional nem propósito outro além de maldade pura e simples.

2 comentários:

D.E.S.A.S.S.I.S.T.I.D.A.S disse...

Oi Bruno,

Temos um blog chamado Desassistidas, e também escrevemos uma coluna sobre futebol bem humorada no site http://www.mcnish.com.br/

Gostaríamos de te pedir gentilmente a licença para extrairmos fragmentos do seu comentário feito ao texto sobre “O gol do Gandula”, publicado no blog do Carlos Cardoso, daremos os devidos créditos.

Abraços, THA.

|3run0 disse...

Claro! Vocês tem a minha licença.