Gusthoff Wilsickow, Pasewalk
Salvando o planeta
Hoje a
trilha foi mais longa, 86km. Com mais colinas que a anterior, mas nada muito
sério.
Água (ou
mais propriamente a sua falta) pode ser um problema em viagens longas em um dia
quente como foi hoje. São vários litros ao longo do dia, mesmo descontando as
Coca/Fritz-Colas dos dois almoços que fiz pelo caminho (pedalar abre o
apetite...). Felizmente, não preciso levar um galão comigo em lugares como o
norte da Alemanha; me basta uma garrafa de água mineral comprada em Berlim, e a
capacidade de dizer extemporaneamente 'Wasser, bitte' para os locais. Não é
Goethe e soa como os delírios de um explorador em apuros no Kalahari, mas
funciona.
Faltando
uns 20 km para chegar, e com a garrafa vazia, parei em um supermercado para
comprar dentifrício. Levei a garrafa, para ser enchida em uma torneira ou
bebedouro. No caixa, a atendente apontou para a garrafa e me disse
"". Ao perceber que eu não entendia,
muito solicitamente pegou a garrafa, atravessou a loja, e a introduziu em uma
enorme máquina amarela. "Bebedouro peculiar" - pensei, momentos antes
de ouvir os sons de uma garrafa plástica
sendo esmigalhada cruelmente. Para a reciclagem.
A
atendente voltou triunfante, e eu não tive coragem de tentar dizer (ou
insinuar, comprando uma segunda garrafa) que o que eu queria era água para
beber, e não ajudar a salvar o planeta.
Ganhei 25
centavos de desconto no dentifrício, porém.
Pedalei
os últimos quilômetros sob um sol Piauístico (exagero. Um pouco.), e com uma
dor de cabeça crescente. A 3km do destino, o GPS me instruiu a virar em um
caminho estreito coberto de cascalho grosso, que fazia a bicicleta chocoalhar
como uma pipoqueira. A tal via é, suponho, usada para a manutenção do parque
eólico que atravessei, mas é uma verdadeira autopista comparada com a cratera
linear coberta de mato, aparentemente usada por tratores e colheitadeiras a
caminho dos campos de cereal adjacentes, em que me enfiei em seguida.
Cheguei
finalmente na mansão dos Holtzendorff; uma agradável
propriedade rural que foi da família epônima de 1742 até ser expropriada pelo
Alemanha Oriental em 1945. Foi readquirida por uma Holtzendorff ('Ilsa-Maria
Von Holtenzdorff') após a unificação, e hoje é um pensão* surpreendentemente em
conta. Fico aqui mais um dia, e depois pedalo até o Báltico e volto de trem
para Berlim; de lá pego avião para Londres, de onde parto de bicicleta para
Oxford.
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* O lema da família
pode ser lido ao lado do seu brasão, na parte externa da mansão. É uma frase de
Ovídio, e é difícil pensar em algo menos Game of Thrones:
RURA
QUOQUE OBLECTANT ANIMOS STUDIES COLENDIQUELIBET HUIC CURAE CEDERE CURA POTEST
Que pode ser
traduzida como "A vida no campo e o desejo da agricultura também deliciam
a mente; aquele que a isto se dedica tem paz antes dos demais". Por que o
Ned Stark não pensou nisto?
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