quarta-feira, 19 de março de 2008

LNAC, Rio de Janeiro
The truth, as always, will be far stranger

O brave new world,

That has such people in't!

Quando eu era pequeno, com uns 10 ou 11 anos, só existiam (na minha presunçosa mente infantil) dois autores que valiam a pena serem lidos: Isaac Asimov e Arthur C. Clarke (Tolkien viria alguns anos depois). De fato, eu era tão conhecido na minha escola por passar meu tempo livre com a cara enfiada em livros de um ou de outro, que quando o Asimov morreu, vários dos meus colegas me ligaram para me dar os pêsames.

Ninguem me ligou até agora para prestar condolências pela morte, ontem, de Arthur C. Clarke. Mas a sensação esquisita, de perder um velho amigo com quem nunca perdi realmente o contato, é a mesma.

Clarke, assim como Asimov, não era um autor dado a criar personagens psicologicamente densos, e sua prosa era direta e funcional. O que o tornava único era sua capacidade de recriar de forma extremamente plausível lugares e situações alienígenas (na acepção mais geral do termo), ao mesmo tempo em que sugeria que tudo aquilo seria apenas uma pequena amostra dos novos e maravilhosos mundos a serem explorados, situados logo além do horizonte. Não sabemos realmente o que são e para que servem Rama, ou os monolitos negros de 2001. Mas acreditamos piamente que eles foram criados para algum propósito, sobre o qual podemos conjecturar, mas não somos ainda capazes de determinar.

Neste sentido, talvez o seu livro mais característico, embora não o mais famoso ou necessariamente o melhor, seja 'Encontro com Rama'. A premissa é simples e direta: Sem explicações, uma estrutura cilíndrica entra no Sistema Solar, em trajetória hiperbólica. A tripulação de uma nave enviada para investiga-la descobre que a estrutura, batizada de Rama, é oca, e passam a explorar o seu peculiar interior.

É um livro em que todos os fundamentos tradicionalmente considerados essenciais para um romance respeitável estão ausentes. Os personagens são bidimensionais, não muito dados à introspecção, com relações interpessoais esquemáticas, e não sofrem qualquer tipo de evolução psicológica notável ao longo do livro. O seu propósito na trama se resume a servir como os olhos e ouvidos dos leitores enquanto exploram Rama, e como sua caixa de ressonância emocional quando se deparam com seus mistérios. A trama de fato nada mais é que uma série de situações nas quais os personagens (e, por extensão, os leitores) se defrontam com o inusitado, e tentam (e falham) em entende-lo. No final, Rama e a humanidade seguem seus caminhos divergentes, e nenhum dos dois parece ter sido muito afetado pelo encontro. Muito é sugerido, mas nada é explicado.

É brilhante!

Imagine-se um leitor por volta de 1800, lendo um livro sobre um naturalista que viaja pelo mundo em um navio a vela, e um dia aporta em um peculiar arquipélago onde vivem várias especies únicas e fascinantes de animais. Após diversas aventuras, nosso herói começa a entender que existe um padrão para a diversidade dos animais, e que estes parecem particularmente adaptados ao seu meio, mas ao mesmo tempo evidenciam traços de uma descendência em comum. Mas, antes que possa formular um teoria completa, o naturalista embarca novamente, e parte de volta para casa.

Clarke é bastante evocativo na sua descrição de Rama, que nos parece um lugar tão real e tão misterioso, quanto as Ilhas Galápagos. E como Darwin observando tartarugas (ou Pasteur debruçado sobre um microscópio, ou ainda Hubble revelando chapas fotográficas no Monte Palomar), os céleres exploradores humanos em 'Encontro com Rama' parecem sempre no limiar de entender o que diabos está acontecendo.

Mas Clarke é esperto demais para atravessar o limiar*. Habilmente, ele nos leva até lá, e sugere que logo adiante, se dermos mais um passo, se juntarmos todas as peças do quebra-cabeça, existe algo novo, fascinante como só a verdadeira descoberta consegue ser, um entendimento mais profundo com o qual tudo passará a fazer sentido. David Bowman deu o passo seguinte, mas nós, por enquanto, não podemos segui-lo.

Em seus outros livros este processo de descoberta nem sempre é tão central, ou é apresentado de forma tão clara. Mas a essência da literatura de Arthur C. Clarke é, creio, como descrevi acima. Em última instância, o seu tema fundamental é a transcendência. Não através da fé cega ou de um epifania espiritual; mas a sim pela exploração do mundo natural, levando à descoberta do novo. Seguindo um pouco no tema de meu post anterior, quem quiser entender porque ciência é mais viciante do que qualquer droga, faria bem em começar, como eu comecei, com os escritos do velhinho acima na cadeira de rodas.

Para terminar, os livros que na minha opinião melhor resumem Arthur C. Clarke



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* Na verdade, muitos anos depois, ele tentou fazer exatamente isto em duas continuações pavorosas de 'Rama', e falhou miseravelmente

5 comentários:

Marcelo Pará disse...

Meus pesames Bruno ;-)

Eu achei que ao tentar levar a historia de 2001 adiante ele tambem deixou a desejar. 2061 e 3001 sao fracos na minha opiniao.
Mas concordo inteiramente sobre sua opiniao a respeito da maneira que ACC escrevia.

Catão disse...

Definitivamente uma perda desanimadora. Mas pelo menos Arthur C. Clarke viveu bastante e passou mais de 9 décadas compartilhando este planeta com a gente. Quer dizer, compartilhando com outros que também tenham mais de 90 anos. De qualquer maneira, um escritor que ficará na memória.

|3run0 disse...

Obrigado Pará ;-). De fato, 2061 é mediocre e 3001 é pavoroso. Em parte, porque o ACC abandona o tipo de ficção científica que descrevi acima. É o mesmo problema das sequencias de 'Encontro com Rama'.

Pois é Catão. Rola um Embalming...

Anônimo disse...
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Anônimo disse...

Espero q vc supere logo.

Qdo Fernando Sabino morreu, foi minha mãe quem me deu a notícia, por telefone. Ela e meu pai foram sensíveis o suficiente para perceber q era como se uma pessoa mto próxima a mim tivesse falecido, e me contaram o fato com toda a delicadeza possível...