domingo, 5 de julho de 2009

Varanda da casa da Ana Júlia, Amsterdam
Conversas aleatórias II


Eu quase perdi o onibus para Amsterdam. Normal. Tive um viagem um tanto surreal também. Igualmente normal. Mas acho que exagerei um pouco, no dois casos.

Estavamos no churrasco na casa dos pais do Sylvain, a 40km de Paris. O menu consistia em macarrão de pepino com molho curry (bom!), tabule, bolinhos de Gruyere e churrasco de peito de pato (muito bom!!). Mas começava a ficar tarde, e o meu onibus sairia de Paris as 11 da noite. O Sylvain, para seu eterno crédito cármico, decidiu então me levar para a estação de onde sairia o ônibus. Chegamos na Porte de Bagnolet as 10:52, sem saber onde exatamente era a garagem. A passagem especificava um check-in com 30min de antecedencia, com passagem impressa em mãos. Eu estava na vizinhança genérica do ônibus com 8 minutos de antecedencia e a passagem em um .pdf aberto na tela do meu laptop. Depois de alguma perguntas freneticas em frenglish aos locais, consegui finalmente descobrir onde era a tal Eurolines (dentro da estação de metro Gallieni), e fui correndo até o guichê. Cheguei as 10:58, e o guichê de 'Amsterdam' estava vazio. Pedi ajuda ao atendente no guichê ao lado, mas ele, sem levantar os olhos, me disse simplesmente para esperar alguem aparecer. Finalmente, um bigodudo apareceu e tranquilamente verificou minha passagem (na tela) e passaporte, e me indicou a direção do onibus. Cheguei lá esbaforido, junto com uma igualmente esbaforida moça com um sotaque que se revelou sul-africano. A Fathima trabalha de au pair em Rotherdam, e está no momento tentando evitar que sua mãe lhe encontre um jovem de boa família e índole para casar ('Você conhece o Xulambis Beltramis? . Os Beltramis são uma família respeitável. O Xulambis é boa pinta. Advogado. Ganha bem. Ele vem almoçar aqui com a gente hoje a noite....'.

A viagem foi tranquila, e enquanto perocorriamos os velhos campos de batalha da 1a guerra mundial eu ia praticando o kabuki de me entalar em uma posição diferente a cada 15 minutos para conseguir 5 de sono. O ônibus não tinha o elan e o senso de aventura de uma viagem da Cometa em estradas brasileiras, mas consegui não morrer de tédio. Já dentro da Holanda, fomos parados pela policia para controle de passaporte. Entreguei o meu, e este me foi devolvido após breve verificação. Mas o meu vizinho de banco, um sueco, estava sem passaporte. E sem documentos. E quase sem dinheiro. Ele havia sido roubado em Barcelona - disse aos policiais - enquanto dormia na praia. Havia colocado documentos, dinheiro e computador no fundo de seu saco de dormir. Acordou sem eles, com o fundo do saco e os bolsos abertos a faca. Ele havia prestado queixa na policia? Não! Estava tentando voltar para a Suecia de ônibus, sem se preocupar com tais tecnicalidaes. Os policiais não acreditaram muito na história, e o levaram para fora do ônibus para averiguação. Milagrosamente, 20 minutos depois, ele voltou (onde metade dos acordados parecia considerá-lo um meliante perigoso, a julgar pelos olhares); havia convencido os policiais de que a sua história era pelo menos plausível, e que a maneira mais eficiente de resolver a situação seria deixa-lo voltar para seu pais.

Depois disso, começamos a conversar. Contei da vez em que quase fui preso em Bruxelas ao cuidar de uma mala (dentro da qual havia uma caixa de metal impermeavel à raio-x), pertecente à uma esquecida velhinha argentina que simplesmente saiu do aeroporto e foi para casa. O Sebastian (o nome do elemento suspeito sueco, foto ao lado) vive de hip-hop e de fazer mágicas de baralho (ele é bom!). Ficamos conversando com a Fathima (que já levou um tiro de raspão e foi esfaqueada, trabalhando no sistema de justiça sul-africano), até ela descer em Rotherdam e nos em Amsterdam. Sebastian e eu pegamos o metrô em direção à estação central. Metro este em que todos os passageiros, a excessão de nos dois, estavam vestidos de branco. Obviamente existe uma explicação racional para isto (uma festa, aparentemente), mas por um momento pairou aquele clima de Além da Imaginação que seria o cliffhanger ideal se minha vida fosse uma série de televisão.

Chegando na estação central, me despedi do Sebastain (a procura de um café onde esperar o seu ônibus para Copenhagen), e fui procurar alguma informação sobre o bonde para a casa da Ana Júlia. Mal andei dois passos, e comecei a ouvir uma animada conversa em português. Um dos participantes, o Vanderly, prontamente se ofereceu para me levar até o ponto. Ele é de Belo Horizonte também, fez eletrônica no Cefet e passou o pão que o diabo amassou em Portugal antes de se arrumar em Amsterdam, onde é DJ e mora com um grupo de maranhenses.

Já no ponto, estavamos determinando o meu itenerário e conversando quando uma velhinha holandesa, sentada no banco, se oferece em excelente inglês para me ajudar. Ela me indicou a estação, bonde e horario corretos, e (obviamente) começamos a conversar. A Anka conheceu o marido inglês em um festival de Jazz em Amsterdam, e viveu em Londres por vários anos, só recentemente (com a morte do dito cujo) retornando à Holanda. Ela pegou o mesmo bonde que eu, e fui fazendo uma city tour guiado por ela até eu chegar no meu destino.

Os Holandeses são muito simpáticos, e falam excelente inglês. Mas pelo menos onde a Ana Júlia mora, eles usam uma noção generalisada do conceito de rua um tanto confusa, que inclui ramos laterais quase fractais e numeração semi-sequencial (um pouco como o departamente do física da UFMG). Mas depois de andar um pouco, consegui percolar até aqui, para dormir um pouco porque toda esta interação com pessoas randômicas é exaustiva. Hoje vou conhecer o que puder de Amsterdam, antes de embarcar amanhã de manhã para Londres. Vamos ver quem eu vou encontrar desta vez.

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