terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Queen Mary, University of London, Londres
Achados e perdidos

Estou de volta em Londres, por somente uma semana. Vim para uma conferência e para juntar algumas pontas científicas soltas da vinda anterior. Por razões misteriosas, o vôo mais barato* passava por Roma, de onde me conectei por Embraer até o London City Airport, um aeroporto de somente uma pista situado convenientemente a menos de 10 km do college onde estou. Para Londres em dezembro, o clima estava surpreendentemente ameno (i.e., sem chuva), então vim pedalando, margeando o Tâmisa até chegar (ironicamente) ao East End vindo do leste. É uma região de aparência nova e um tanto holandesa, com um teleférico que liga ambas as margens do rio e grandes prédios multifacetados de vidro com propósito vago. Naquelas circunstâncias e clima, me pareceu bastante agradável.

Cheguei ao Queen Mary cedo demais para pegar as chaves do meu alojamento, então fui diretamente até o prédio da escola de ciências matemáticas, comprei meia dúzia de pacotinhos de um ristretto do juizo final, me fiz um duplo com a consistência de mingau e a potência de Red Bull concentrado, e subi até a sala dos visitantes. E eis que, em meio a diversos e silenciosos acadêmicos, vejo a minha antiga mesa, desocupada. Sobre ela, uma pequena caixa preta.

Logan, a mosca
É preciso fazer agora uma pequena digressão. Na minha última visita, durante o verão local, estava eu certo dia sentado nesta mesma mesa, quando uma enorme mosca começou a me orbitar. De forma quase instintiva, estabeleci logo um diálogo entre filos por meio de uma cacetada com um bloco de anotações enrolado. A mosca se estatelou no chão, e por lá ficou. Fim da história, pensei eu. 

Porém, alguns minutos depois, vejo que ela ainda se mexe debilmente. Em menos de uma hora ela já agitava as pernas de forma mais coordenada. Pouco depois, ela se pôs de pé, e começou a alisar as asas, e logo em seguida já me orbitava novamente.

A cacetada seguinte fez todos na sala, e na vizinha, pararem o trabalho e esticarem o pescoço para ver o que estava acontecendo. Sobrancelhas foram levantadas. O corpo da mosca já não se via mais, presumivelmente desintegrado.

Logan e sua vítima
No dia seguinte, ao chegar, a encontro bem viva sobre o bloco de anotações com o qual eu tentara matá-la. Se era um aviso ou sinal de perdão eu não sei, mas achei melhor não insistir. A mosca, agora apelidada de Logan devido ao seu fator de cura, me orbitou por mais algum tempo, e depois sumiu.

No dia seguinte, no batente externo da janela, vejo um pombo morto. Ao seu lado, Logan. Me lembrei de Mario Puzzo e Francis Ford Coppola, e resolvi definitivamente deixar a mosca em paz pelo resto da minha estada em Londres.

A caixa que encontrei ontem continha um par de óculos escuros. O *meu* par de óculos escuros, que eu havia concluído por exclusão terem sido perdidos no Museu Britânico. Não sei como foram parar na minha mesa, pois me lembro de os haver procurado, sem sucesso, no dia em que fui embora. Quero crer, porém, que o seu reaparecimento foi um gesto de reciprocidade.

Ainda não vi o meu amigo díptero desta vez. É dezembro, afinal, e faz frio. Porém, se existe um inseto capaz de sobreviver ao inverno londrino, é Logan, a mosca.




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* Alitalia, que supostamente era uma sigla para 'Arrived late in Turin, all luggage in Arezzo', mas que se mostrou bastante decente.

Um comentário:

Fabiano G. Souza disse...

Só você mesmo, Bruno! Mas que mosca!