Sala dos Profs. 1BR2 e Pará, UFSJ/CAP, Ouro Branco
Neurônios, círculos no céu e zumbinos
Como já afirmei anteriormente, passar tempo com meus colegas físicos é como voltar para casa, em vários aspectos. Pessoalmente, é muito bom cozinhar, brincar com os filhos e explorar a natureza local com meus amigos. Cientificamente, por mais confortável que eu me sinta entre os biólogos, sou culturalmente, por inclinação e por formação, um físico, e é com eles que me comunico na minha lingua científica materna.
De fato, somos uma profissão um tanto hermética, e isto leva a um certo tribalismo exarcebado. Suponho que a minha sensação quase instantânea de conforto quando estou de volta ao convívio com minha tribo esteja em proporção direta com o desconforto, ou pelo menos estranheza, sentidos por quem com ela convive sem fazer dela parte. Não me refiro somente a barreiras culturais obvias, com as inúmeras piadas de Heisenberg ou as reminicências sobre antigos professores; penso também na nossa capacidade emendar todo tipo de assunto em uma conversa usando os ganchos mais estapafúrdios como tecido conjuntivo retórico, ou o nosso talento para improvisar modelos qualtitativos, em conversas de botequim ou assemelhadas, sobre qualquer que seja o objeto do nosso interesse no momento: da formação de costelas em estradas de terra à dinâmica auto-emergente dos garçons. Nos pensamos de forma diferente da maior parte das pessoas, e temos orgulho disso.
De qualquer forma, pretendo voltar. Ainda temos muito o que discutir a respeito dos zumbis, e também quero subir a serra de Ouro Branco de bicicleta.
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* O modelo em questão é clássico, mas caminhamos na direção de uma quantização...
PS: Abaixo, os resumos dos seminários
Como construir um cérebro: Alometria, leis de escala e universalidade em cérebros de mamíferos
Bruno Coelho César Mota
Laboratório de Neuroanatomia Comparada – ICB/UFRJ
Cérebros, humanos ou não, são provavelmente as estruturas mais complexas conhecidas. Mesmo se nos restringirmos somente aos mamíferos, encontramos cérebros cuja massa varia entre alguns décimos de gramas até vários quilogramas, regendo o comportamento de uma enorme variedade de animais com histórias evolutivas, habitats e dietas radicalmente divergentes. Mas todos estes cérebros compartilham a mesma bioquímica, e são compostos pelos mesmos tipos de células organizadas em estruturas fisiológicas substancialmente análogas. Desta forma, cabe a pergunta: Existem regras universais quantitativas que descrevem a estrutura cerebral entre as várias espécies? Qual é a abrangência destas regras, e qual é a sua forma matemática? Afinal, de quantos graus de liberdade a seleção natural dispõe para moldar cérebro de cada espécie às suas circunstâncias únicas? O cérebro humano é único de alguma forma, ou é o que esperariamos encontrar na cabeça de um primata com a nossa massa corporal e dieta?
Eu sou um físico por formação, e trabalho atualmente no Laboratório de Neuroanatomia Comparada do ICB/UFRJ. Eu e meus colegas biólogos procuramos verificar a existência de tais regras baseados nos dados experimentais obtidos no próprio laboratório. Queremos usar técnicas e métodos desenvolvidos originalmente para as ciências exatas para entender a origem destas regras de escala biológicas, e usa-las para tentar explicar um pouco sobre o funcionalmento, desenvolvimento e evolução do cérebro.
Neste seminário, pretendo mostrar que as relações matemáticas observadas quando comparamos as várias quantidades mensuráveis nos cérebros de diferentes mamíferos (número de neurônios, massa, áreas superficial), válidas separadamente para cada ordem (e.g. primatas e roedores) e estrutura analisada, tomam uma forma matemática bem específica, chamada lei de potência, por razões que podemos obter de forma simples a partir de primeiros princípios. Tais relações entre quantidades conhecidas podem ser usadas, lançando mão de algumas hipóteses simples e biologicamente plausíveis, para derivar as relações equivalentes entre quantidades que não somos capazes de medir diretamente (e.g. o comprimento e calibre médios dos axônios, as fibras neuronais que enviam sinais para outros neurônios). Tomadas em conjunto, todas estas regras de escala explicam grande parte da variabilidade observada entre os diferentes cérebros, e sugerem uma explicação para as variações no grau de convolução das superfícies de córtices cerebrais. Finalmente, veremos que, a partir das regras de escala a princípio diferentes aplicáveis a diferentes ordens e estruturas, podemos deduzir a existência de uma quase invariância no tamanho celular médio e fração de massa correspondentes às células não neuronais, que parece ser universal na construção de cérebros mamíferos. Usamos esta universalidade para calcular, pela primeira vez até onde sabemos a massa média dos neurônios para os cortices e demais estruturas de todas as espécies que estudamos.
A forma (local) do Universo: Detecção e detectabilidade da topologia cósmica e a procura pelos círculos no céu.
Bruno Coelho César Mota
NACO - ICB/UFRJ
Nas últimas décadas, a cosmologia baseada na hipótese de um Big Bang quente com sua dinâmica dada pela teoria da relatividade geral tem sido extremamente bem-sucedida em explicar precisamente uma grande quantidade de observações. O surgimento da chamada cosmologia de precisão, em particular a observação das anisotropias da radiação cósmica de fundo, só fez confirmar os fundamentos deste modelo, com uma acuidade sem precedentes. Mas isto não é suficiente para determinar completamente a forma do Universo. A relatividade geral é um teoria local, que especifica localmente a geometria do espaço-tempo, e não determina (embora restrinja) a topologia do espaço. Supondo homogeniedade e isotropia espaciais (locais), a geometria das sessões espaciais do Universo (i.e., folheamentos para tempo comóvel constante) em grandes escalas é totalmente caracterizada por uma curvatura gaussiana constante, cujo valor e sinal depende da densidade média de matéria-energia. Mas, seja para curvatura positiva, negativa ou nula, existe uma infinidade de 3-variedades com diferentes topologias permissíveis, só uma das quais em cada caso é simplesmente conexa. Como não existe atualmente uma teoria bem aceita que determine qual a topologia do espaço, esta portanto só pode ser determinada experimentalmente. Pretendo mostrar inicialmente que, embora haja um grande variedade de topologias possíveis, no casos de um Universo pós-inflacionário, mais fovorecido atualmente por razões teóricas e observacionais, a forma local do Universo, i.e. os elementos da topologia que podem efetivamente ser detectados, são em quase todos os casos surpreendentemente mais restritos.
A consequencia mais direta de uma topologia não trivial para as sessões espacias do Universo é a existência de classes de geodésicas fechadas do tipo espaço; essencialmente há mais de uma maneira de se voltar ao mesmo lugar. Isto implica na existencia de imagens múltiplas de objetos cósmicos, a luz advinda dos quais pode ser então detectada de vinda de direções diferentes. Como a caracterização destas classes (o grupo de holonomia) é suficiente, para as 3-variedades de curvatura constante em questão, para caracterizar totalmente sua topologia, então a busca pela topologia cósmica é equivalente a procura por imagens múltiplas de objetos cósmicos. Vou apresentar o método atualmente mais promissor para efetuar esta busca de forma sistemática, os chamados círculos no céu, que procura por pares de círculos de anisotropias correlacionadas na radiação cósmica de fundo. Mostrarei como os resultados referentes a forma local do Universo e a caracterização dos grupos de holonomias das variedades planas podem ser usados para efetuar tal busca de forma mais eficiente, e como interpretar os seus resultados.