Casa, Belo Horizonte
Nunca compre uma rifa de um Aiatolá II
A internet está em polvorosa a respeito da (possivelmente roubada) eleição presidencial Iraniana. O Pedro Dória deve estar se entupindo de benzedrine para ficar fazendo livebloggin sem parar. O debate a respeito da suposta fraude se dá em torno dos resultados desta eleição e das passadas, mas de modo geral os poucos números que aparecem são pescados de um artigo aqui e um blog acolá, sem muita sistematização. O que eu fiz então foi compilar os números das 4 últimas eleições presidenciais: 1997, 2001, 2005 (1o e 2o turnos) e 2009. Os dados foram obtidos no excelente Ifes Election Guide, exceto para 1997, que obtive da Wikipedia*.
A versão curta da história política recente iraniana é a seguinte. A revolução Islâmica em 1979 foi seguida dos anos de chumbo da guerra Irã-Iraque e do radicalismo Khomeinista. A partir de 1989, com a eleição do Akbar Hashemi Rafsanjani, um mullah pragmático (ou cleptocrático, uma especie de José Sarney persa, como bem definiu o Anônimo da Persia), as coisas se abriram um pouco. Em 1997, o mullah reformista Mohammad Khatami foi eleito (e reeleito em 2001) por larga margem e com enorme comparecimento, nas costas do entusiasmo pelas reformas liberalizantes que ele prometia. Este entusiasmo foi se exaurindo na medida em que os cléricos não eleitos do conselho dos guardiões e o lider supremo (Ali Khamenei, sucessor do Khomeini) impediram por meios legais e extra-legais que qualquer reforma significativa fosse efetuada. A eleição de 2005 foi caracterizada pela apatia entre os reformistas e um comparecimento relativamente baixo. O ex-prefeito de Teerã Mahmud Ahmadinejad (com uma plataforma reacionária e anti-corrupção) venceu o nosso velho amigo Rafsanjani (atacando de reformista moderado) no 2° turno, e passou os quatro anos seguintes espalhando sua simpatia singular pelo mundo afora. Finalmente, ontem, Ahmadinejad supostamente conseguiu uma reeleição acachapante sobre o reformista Mir-Hossein Mousavi, apesar do renovado entusiasmo pré-eleitoral dos partidários deste último, e do comparecimento récorde (85%!). Fraude, gritaram, e gritam, os reformistas.
Esta eleição pode ser encarada de duas formas: Como o mais recente embate entre conservadores e reformistas, podendo então ser contrastada com as eleições de 1997, 2001 e 2005, e como um referendo a respeito do governo Ahmadinejad (2005 seria então a único pleito comparável). Tanto em um caso quanto no outro, como procuro mostrar abaixo, o apoio ao Ahmadinejad nesta última eleição se situa bastante fora do padrão estabelecido anteriormente.
A métrica disponível mais adequada para quantificar apoio político ao longo do tempo, me parece, é a fração do total dos eleitores (e não a fração dos votantes, ou o número total dos votantes) que a cada eleição vota em um dado candidato ou tendencia.
Para cada uma das eleição, agrupei os votos em dois campos aproximados, conservadores em reformistas. Em 97 e 2001, considerei todos os votos contra o Khatami como 'conservadores' (o que no máximo sobrestima ligeiramente o seu número). Em 2005, no primeiro turno, somei as votações dos 3 candidatos considerados conservadores (o próprio Ahmadinejad, Mohammad Ghalibaf e Ali Larijani). Incluo o Rafsanjani entre os reformistas porque foi assim que ele se promoveu (desta vez ele apoiou o Mousavi). A tabela segue
Sob a primeira perspectiva, a eleição como um embate entre conservadores e reformistas, creio que o correto é comparar os resultados dos primeiros-turnos (o segundo turno em 2001 foi também em grande parte um referendo sobre corrupção e o ex-presidente Rafsanjani). A fração dos eleitores que se deram ao trabalho de sair de casa para votar nos conservadores permaneceu relativamente estável entre 1997 e 2005 (24%, 16% e 24%), mas mas dobrou (supostamente) em 2009, para 53%. Não me parece haver evidência do recente renacimento do conservadorimo iraniano que estes números indicam. Se por um lado a fração de eleitores que votou nos reformistas caiu bastante desde a presidência Khatami (56%, 56%, 38%), isto parece ser mais uma função da desilusão com a perspectiva de reformas do que uma mudança de opinião a respeito da nescessidade de reformas. Há um consenso entre os comentaristas de que na reta final da campanha os reformistas haviam recuperado o seu entusiasmo. Mas apesar disso, no final uma fração ainda menor deles (28.7%) se dignou a votar. Este número é um pouco maior do que a fração (21.4%) de eleitores que apoiou Rafsanjani no 2° turno de 2005; mas este último, assim como seu análogo maranhense, não pode ser plausivelmente considerado um ícone reformista ou um agente de mudanças profundas.Ano 1997 2001 2005(1°) 2005(2°) 2009 Eleitores
(milhões)36.4 38.7 46.9 46.9 46.2 Votantes
(milhões)29.1 27.7 29.4 28.0 39.2 Comparecimento
(% dos eleitores)80,0% 71.5% 62.7% 59.6% 84.7% Reformistas
(milhões de votos)20.1 21.7 18.2 10.0 13.2 Reformistas
(% dos votos)70.0% 78.3% 61.1% 35.9% 33.8% Reformistas
(% dos eleitores)56.0% 56.0% 38.0% 21.4% 28.7% Conservadores
(milhões de votos)9.0 6.0 11.2 17.3 24.5 Conservadores
(% dos votos)30.0% 21.7% 38.9% 61.7% 62.6% Conservadores
(% dos eleitores)24.0% 15.5% 24.4% 36.8% 53.2%
Vendo a eleição como um referendo sobre Ahmadinejad, o correto é comparar o seu desempenho no 2° turno de 2005 com o de ontem (no 1° turno de 2005 ele obteve meros 19.5% dos votos, mas era relativamente desconhecido e competia com outros candidatos conservadores). Neste caso, precisamos acreditar que um presidente em exercício em meio a uma crise econômica severa (em parte, aparentemente, piorada por sua atuação), viu o seu apoio crescer de 36.8% para 53.2% dos eleitores, um aumento de 49%!
Note ainda que em termos absolutos, o número de votantes aumentou muito desde 1997, devido ao baby-boom pós revolucionário. Isto significa que, para ter obtido 63% dos votos, Amahdinejad terá que ter atraido muitos votos dentre os jovens nascidos depois da revolução. Mas tudo indica que esta é exatamente a fração menos tradicionalista e liberalizante da população.
Em suma, devemos acreditar que, apesar do seu entusiasmo aparente, os reformistas decidaram ficar em casa ou mudaram de lado, enquanto os conservadores recrutaram com sucesso a juventude do pais e compareceram em massa pela primeira vez desde 1997. Ou devemos supor que os iranianos consideram o governo Ahmadinejad um sucesso estrondoso, e não sentem um necessidade preemente de reformas liberalizantes.
Novamente, nada disso prova a fraude. Na falta de dados para uma análise estatística apurada, estamos limitados a conjecturar a respeito da plausibilidade dos cenários acima. Mas pelo pouco que sei sobre o Irã, acho ambas bastante difíceis de aceitar.
EDIT: A % de eleitores dos conservadores em 2001 estava errada (como apontou o Paulinho) e foi corrigida.
EDIT2: Os números do comparecimento em 2009 são agora oficiais. O número de eleitores registrados de fato diminuiu de 2005 para 2009. Aparentemente o conselho dos guardiões (agindo como orgão de supervisão eleitoral) eliminou das listas de votação quase 5 milhões de nomes. Quantos destes eram fantasmas e quantos são eleitores de verdade (supostamente na sua maioria apoiadores da oposição) eu não sei.
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* A partir de Abrahamian, Ervand, History of Modern Iran, Columbia University Press, 2008, p.186)
2 comentários:
Bruno, confira a tabela com os percentuais das votações, porque no caso dos conservadores em 2001 está dando uma diferença de mais de 1,5% (era pra ser 15,5% e você escreveu 17%).
Putz, obrigado Paulinho! Eu nunca pensei que alguem fosse efetivamente checar os meus números...
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