Casa, Rio de Janeiro
Introdução II
Clique aqui para ler a parte I
Eis a segunda parte da introdução. Fernando e Anon, me digam se ainda fica a impressão que manifestaram. Note que estou agora focalizando o problema da topologia cósmica, mas só disse em linhas gerais quais serão os tópicos abordados na tese. Só na parte III (amanhã?) eu apresento as questões que vamos de fato investigar.
Atualmente, existem fortes razões para acreditar que o universo é, em grandes escalas, aproximadamente igual em todos os pontos, e em todas as direções, e bem descrito pela teoria da relatividade geral de Einstein. Neste contexto, a geometria das seções espaciais do espaço-tempo admite diversas topologias diferentes. É muito comum pressupor que esta topologia é sempre a mais simples possível (onde por exemplo toda curva fechada pode ser sempre contraída em um ponto). Mas não há nenhum imperativo observacional ou teórico para tal hipótese. Sabemos que a relatividade, apesar de todos os seus triunfos, também tem limitações. Em particular, como uma teoria geométrica local, ela não fixa como o espaço se conecta globalmente, o que é uma maneira coloquial de dizer que a relatividade determina localmente a geometria, mas não a topologia. Mais do que uma limitação, este fato indica que a topologia cósmica é, possivelmente, a janela para alguma teoria mais fundamental capaz de fixá-la. Em termos observacionais quantitativos, a presença de uma topologia não-trivial para o universo não seria particularmente importante. Mas a sua existência, e natureza exata, seriam as primeiras evidências diretas de uma física transelativística. A questão que se impõe é portanto: o que sabemos, ou podemos descobrir por observações, sobre a topologia cósmica? É uma questão que deve levar em consideração uma característica do estudo do universo como um todo.
A cosmologia é, assim como a história, uma area do conhecimento humano que tem a distinção de ter como objeto de estudos a evolução temporal um único elemento, por definição irreproduzível, dentro do qual os próprios investigadores estão inseridos. E, assim como a história, a cosmologia consiste em bem mais do que mera tabulação seqüencial de eventos importantes. Almejamos explicar por que o universo é exatamente como o observamos, e não de outra forma, usando um conjunto de leis universais aplicáveis em todos os lugares e em todas as épocas. Mas nossa capacidade de observação é limitada por nossa posição no espaço e no tempo. Nada garante que podemos, ou jamais poderemos, ver todo o universo. Assim, o conhecimento do cosmos, embora baseado em observações, deve ser sempre temperado pelo entendimento das limitações do que é possível conhecer.
Um questão fundamental ainda em aberto na cosmologia é saber se o universo é finito ou infinito. De forma mais geral, podemos nos perguntar: qual é a forma do universo? Como não existe, por definição, um observador externo a observá-lo, esta questão demanda uma certa sutileza para ser bem posta. Um bom começo é reformular ligeiramente a pergunta: de quantas maneiras diferentes dois pontos podem ser ligados? Em uma folha de papel extendida sobre uma mesa, dois pontos podem ser ligados por todo tipo de curvas complicadas; mas estas podem ser sempre deformadas suavemente no segmento de reta que representa a menor separação entre os pontos. Mas a mesma folha, quando enrolada sobre si mesma, forma um cilindro. Dois pontos em um cilindro podem ser ligados por curvas que dão zero, uma ou mais voltas em torno de seu perímetro; e para cada curva este número de voltas não pode ser alterado por qualquer deformação suave. Em linhas gerais, é este tipo de estrutura que determina o que chamamos de forma do universo. A topologia cósmica consiste exatamente do estudo de tais propriedades de conectividade globais do espaço. Mas note que, no exemplo acima, para diferenciar entre uma folha infinita de papel e um cilindro, é preciso ser capaz de observar pelo menos uma volta completa deste último. Da mesma maneira, em princípio existe uma diferença entre a forma do universo, e os seus elementos que somos capazes de deduzir a partir de observações, que chamamos de forma local. É importante portanto saber se, e sob quais condições, observações astrofísicas serão capazes de decidir esta questão.
7 comentários:
Bruno, ainda acho que sua introdução não condiz com o status de tese. Não me refiro à qualidade do texto mas sim ao seu ordenamento e objetividade. Na segunda parte da sua introdução é possível perceber que o tom que ontem qualifiquei como presunçoso não existe mais. Em compensação ao ler a segunda parte imediatamente após a releitura da primeira ficou a impressão de que os 6 parágrafos iniciais são desnecessários. A questão central desta primeira parte, que seria evidenciar que novas interpretações e paradigmas podem surgir de discrepância (mesmo ínfimas) entre modelo e observação extravasa os limites de uma introdução. Talvez no futuro quando você escrever um livro de divulgação poderá abordar esta discussão, mas não me parece adequado à introdução de um trabalho científico de fronteira.
Se você começasse seu texto no último parágrafo da primeira parte teria muito a ganhar. Primeiramente gostaria de ressaltar que a introdução é a sua grande chance de evidenciar tanto para o público qualificado quanto para o leigo aquilo que foi feito no seu trabalho. A maneira como a primeira parte está escrita leva a crer que você vai realizar definitivamente alguma quebra de paradigma no seu trabalho – algo grandioso – já que o texto mesmo com a complementação ainda soa presunçoso. O hipotético leitor leigo ainda sofreria o revés de chegar ao meio da sua introdução sem saber ao certo qual problema você abordará na tese. Some-se a isso o bloqueio natural que você estará impondo ao passar de um cenario científico relativamente conhecido para o tema central da sua tese com o qual ele não tem familiaridade. O esforço aqui deve estar concentrado em explicar da maneira mais simples e direta possível o seu trabalho e as conquistas do mesmo, deixando-as claras e frescas na cabeça do leitor (não importa quem seja).
Supondo, por exemplo, que o texto comece no último parágrafo da primeira parte constatei (portanto uma opinião pessoal) que na segunda parte você oscilou novamente entre ir direto ao ponto e/ou manter o nivel “Ciência Hoje”. O segundo parágrafo representa bem este desvio de rota (1º e 3º estao OK). Não tenho nada contra o estilo didático da sua narrativa, que certamente tem todos os ingredientes de um belo texto de divulgação científica. Sinto, entretanto, que o texto se resume a um comentário aprofundado (e um pouco filosófico) de alguém que está apenas descrevendo uma visão pessoal dos aspectos gerais da sua área de conhecimento (2º paragrafo da 2ª parte). Como disse anteriormente não tenho conhecimento do estilo das teses do CBPF (pode ser que o convencional seja escrever assim). Confio que a terceira parte será bem mais objetiva porque afinal ao referir-se aos capítulos da tese você não terá mais como fugir do assunto. Me manterei anônimo para que você possa julgar o que digo independentemente de quem eu sou.
Anon (estou curioso!), estou quase colocando o seu comentário nas minha referencias ;-). O meu orientador está viajando, mas há um professor no CBPF (bom de revisão) que está me ajudando com os finalmentes dos finalmentes. Passei para ele a tese, e seu comentário.
Eu entendo o que vc está dizendo a respeito da 1a parte parecer presunçosa. Sei que este tipo de digressão não é muito usual em teses, mas eu sempre quis ter alguma coisa na tese que a tornasse relevante para mais do que a meia duzia de estudiosos da topologia cósmica. Em particular,
0) Eu gostaria que a reação de não-cientistas como o Bernardo, o Fernando e a Ceci (vc me soa como um cientista ;-)) fosse mais do que 'E daí?'. O estilo semi-ciência hoje é intencional neste sentido. Muitas teses que leio me parecem trabalhos de grande erudição a respeito de correções em segunda ordem da dinamica de anjos dançando em uma cabeça de alfinete. Tenho certeza que para os autores e mais meia duzia de pessoas tais teses são extremamente interessantes e relevantes; mas mesmo para físicos de áreas correlatas elas podem parecer desinteressantes por pura falta aparente de relevancia. Tentei portanto criar dois contextos concentricos: A cosmologia moderna no contexto das revoluções científicas passadas, e a topologia cosmica como uma janela para uma provável revolução científica no futuro*. A minha contribuição para isso é diminuta, mas faz parte de um processo muito interessante.
1) No CBPF as vezes eu tenho a impressão que algumas pessoas se esqueceram de porque estão fazendo ciencia. A coisa vira um um exercicio meio burocratico e auto-referente de produzir papers fazendo modificações infinitesimais em resultados antigos. Eu gostaria de lembra-los que ciencia é instigante, e que a cosmologia em particular vive um momento historico unico.
2) Um dos maiores problemas que tive em escrever a #*%$ foi juntar em um todo coeso os trabalhos que fizemos (foram 9 publicados e 2 no forno). Eu consegui construindo o programa da busca pela topolgia cosmica como uma narrativa, e inserindo nossas contribuições em cada passo (acho que vou postar uma parte 3 com ela). O contexto histórico das revoluçòes cientificas ajuda esta narrativa a fazer sentido
___________
*A detecção da TC seria nosso primeiro e inescapável contato direto com uma fisica trans-relativistica.
Bruno,
Entendo todos os pontos que você enumerou. Nunca questionei a qualidade do seu texto, apenas apontei para o fato de que não estava soando como tese pra mim. Sei que você está tentando escapar do trivial-borucrático e considero o esforço não apenas válido como essencial. Pela maneira como a informação se propaga atualmente via internet serão muitas as pessoas que no futuro irão se deparar com sua tese e apreciá-la (cada um à sua maneira). Então minha sugestão seria (continua apenas como sugestão) explicar da melhor maneira possível qual a influência da topologia cósmica na descrição atual do universo. Para isso considero que o esforço maior deveria estar voltado para descrever sucintamente alguns termos ainda mais obscuros ao grande público como “cosmologia de precisão”. Ou questões do tipo “por que razões o universo seria considerado finito ou infinito?”. Estas questões podem ser claras pra você mas não são para os outros. Cecilia, Fernando, Bernardo e até o Gabriel ficarão satisfeitos com isso. A parte do texto em que você introduz topologia mostra o caminho a ser seguido.
Sei que você está orgulhoso da 1a parte mas ela está um tanto longa e não contribui tanto para o entendimento do público leigo quanto alguns bons parágrafos explicando quais são as questões básicas de cosmologia (lembro aqui que você diz que a 3a parte já é dedicada à descrever o conteúdo dos seus capítulos). Veja então que o texto se concentra mais em discussões filosóficas do que em uma boa introdução àquilo que você faz. Então me desculpe se não me fiz entender logo de início. A mensagem é simples: fale mais sobre o que não entendemos e isso tornará sua introdução mais rica. Enfatize as explicações e reduza um pouco a componente histórica. O conselho vem justamente pelo fato de eu considerar sua tese tão interessante!
Concordo com você que a vida científica tem se resumido para muito dos nossos colegas a contar número de papers publicados (você mesmo caiu na vala no comentário do item 2). Acredite, vejo isso de uma maneira muito mais neurótica que você... Então tendo em vista o esforço de juntar seus trabalhos em uma tese faça o processo se tornar ainda mais brilhante e brinde-nos com boas explicações sobre temas da cosmologia moderna. Todos só tem a ganhar...
eu acho que voce corre o risco de "ofender" algumas pessoas que nao encaram da mesma maneira alternativa o trabalho cientifico. Bruno, hoje a vida de "qualquer" cientista e' de administrar a ciencia dos outros. Salvo uma revolucao no meio cientifico atual - e olha que eu falo com conhecimento de causa pois trabalhei quase quatro anos no unico pais do mundo que mantem (malemal) a profissao de pesquisador - E quando eu falo de pesquisador, e' justamente essa ideia do sujeito que nao da' aula, que e' chercheur... Em mais nenhum outro lugar do mundo isso existe. E aqui tambem esta' acabando. Hoje, voce pode ficar ai fazendo textos utopizando a tua profissao, mas o fato e' que pesquisador hoje e', infelizmente, um gerente de pesquisa dos outros (orientados, bolsistas e coisas afins) que ele acaba organizando e adminsitrando e publicando. E para falar a verdade, foi assim tambem no epoca dita "classica" em que havia um real interesse em pesquisa.
Voce pode criticar (acho que e' louvavel) mas acho que nao vale a pena enterrar a cabeca na areia. A maneira de fazer pesquisa no mundo mudou.
Quanto a tese, eu acho que o teu problema para conseguir algo coeso foi a total falta de plano de tese. Isso no meu caso foi essencial. Eu sei que voce da' piti cada vez que alguem vai tentar organizar algo que saia do seu pensamento completamente caotico (que no final, da' certo e e' super legal) mas o minimo de organizacao faz parte da redacao do trabalho cientifico.
Terceiro e ultimo, em relacao ao que disse ao anonimo: sim, soa presuncoso. Ao mesmo tempo, eu nao entendo lhufas daquilo que esta' na tua tese, ou seja, se voce estiver certo que esta' diante de algo genial (9 trabalhos publicados ao longo de uma tese e' definitivamente um numero NAO NEGLIGENCIAVEL), voce pode se dar o direito de dar uns beliscoes na maquina da pesquisa brasileira.
E' isso que penso.
Abracos
Rafael
oi Bruno passando para retribui a visita, e já assinei o feed do seu blog, que eu não conhecia... abs
Acho que esta é a thread de mais alto nivel que já tive neste blog ;-). Vou tentar escrever um post hoje a noite dizendo em que pé as coisas estão.
Eu já tinha comentado nesse post mas deu pau, então lá vai de novo.
Gostei muito da comparação/definição de história e cosmologia. Ajuda nós leigos a contextualizar o assunto e entender que o processo tem suas particularidades e limitações.
E acho extremamente louvável o esforço de tornar ao menos a introdução ao trabalho algo acessível. Mesmo que não entenda patavinas do que vem depois, sei ao menos qual o objetivo do trabalho.
E fazer ciência apenas para cientistas meio que derrota o propósito. Mesmo algo de alta complexidade ou uma pesquisa puramente teórica tem seu valor para o público em geral - ao menos eu acredito nisso. Afinal, qual é o mal em DIVULGAR conhecimento? As teses não são publicadas justamente pra isso?
Fora que como um contribuinte eu tenho o direito de saber para onde está indo o dinheiro empregado em bolsas. Eu jamais investiria em algo que não entendo.
Isso é muito do meu espírito web 2.0 falando...
Postar um comentário