segunda-feira, 22 de janeiro de 2007

Casa, Rio de Janeiro
Józej Maria Hoene-Wroński, vida e obra


Eu já escrevi sobre a maravilhosa capacidade da internet de conectar pessoas que fisicamente estão nos mais diversos cantos do mundo, mas tem interesses em comum. Obviamente o fenômeno em sí não é novo, só a sua amplitude geográfica. Não é incomum, afinal de contas, ficar amigo dos frequentadores habituais de nossos sebos ou bares favoritos. Mas a internet também tem o equivalente ao esbarrão acidental que gera um pedido de desculpas que acaba virando um papo agradável.

O prenome do meu email é wronski. Não sou descendente de poloneses, ou obcecado por Anna Karenina. Simplesmente decidi criar uma conta de webmail grátis, vários anos atrás, e descobri que meu nome, sobrenomes e apelidos, em todas as permutações razoáveis, já tinham dono. Em desespero, e sem querer me tornar o bmota74, me lembrei das aulas de Calculo II (eu havia acabado de terminar o segundo periodo), e de um objeto matemático chamado Wronskiano*, descoberto no século XIX por Józej Maria Hoene-Wroński, um obscuro matemático polonês. No auge do meu solipicismo lusófono, pensei: 'brunos existem vários, mas wronski não deve ter nenhum'. E de fato não havia. Hoje, nove anos e dois provedores depois, continuo wronski (a alternativa, que considerei por um breve instante, era frobenius).

Um efeito colateral da minha alcunha peculiar é que ocasionalmente recebo emails em polonês por engano. Não é o mesmo que ter o numero de telefone a um digito de distância da telepizza, mas é quase. Já passaram pela minha inbox um orçamento de conserto de carro, mensagens natalinas, e o que parecia ser uma destas correntes irritantes ('envie para 10 dos seus amigos para que Deus/Buda/Cthulhu/Flying Spagetti Monster lhe dê saúde e dinheiro'). Estou supondo obviamente, baseado na formatação, já que o conteúdo é para mim indistinguível da lista de compras do Lech Wallesa.

Na semana passada recebi um destes emails, remetido por uma pessoa chamada 'Abi'. Como sempre faço, respondi com uma curta mensagem em inglês sugerindo que o destinatário não era eu. Recebi de volta um email efusivo, que pedia mil desculpas, e obviamente perguntava de onde diabos vinha o meu nome polonês. Eu então contei a historinha acima, e começamos a conversar. A Agnieszka fez mestrado em direito, mora em Varsóvia, e está programando uma viagem de esqui nos alpes italianos. E eu descobri que físicos são considerados criaturas exóticas até mesmo na Polônia, e que o Józej Maria Hoene também desenvolveu uma doutrina filosófica bastante popular no século XIX, e ainda hoje é razoavelmente famoso no pais natal. Wronski é um pseudônimo que ele assumiu após a morte da mãe, para tentar fugir da influencia do pai.

Não vou dizer que o papo mudou a minha vida, mas eu gostei de conhecer uma pessoa gente fina de forma tão randômica a partir de um mero esbarrão. Não há nada de excepcional nisto, exceto que os esbarrantes estão a 10.000 Km um do outro.

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Continuando no tema 'amizades improváveis mediadas por TCP/IP', o Doug, um capitão americano em Kabul com quem costumo discutir séries de animação japonesa, está pedindo votos para o seu blog ('Afghanistan Without a Clue') em um concurso pela internet. O cara é gente fina**, e o blog dele é interessante, então se alguém aqui gostar deste tipo de coisa, eu sugiro que vote nele.

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* Um determinante gerado a partir das soluções de uma equação diferencial ordinária e suas derivadas, usado para verificar a sua (in)dependência linear.
** Ele é da força aérea, mas o trabalho atual dele é ensinar as tropas de logística afegãs a descarregar a carga de aviões e transporta-la em comboios para o resto do país. E ele *gostou* de Ghost in the Shell.

sábado, 6 de janeiro de 2007

Casa, Rio de Janeiro
A nova guerra fria

A expressão 'crise no Oriente Médio' parece quase um pleonasmo, mas é na verdade inexata na maior parte das vezes em que é empregada. Uma região de grande importância estratégica e significado histórico, encruzilhada de religiões, civilizações e etnias, o Oriente Médio está em conflito semi-permanente desde (escolha a data) a) 1917; b) 1947 ou c) 3000 A.C. E alguns dos seus conflitos se incluem entre os mais badalados, renitentes e fascinantes da história recente.

Mas uma crise é um desvio agudo da normalidade, com o potencial de uma ruptura permanente. Sob certas circunstancias, a violência (efetiva ou como ameaça) pode se tornar o status quo, e não necessariamente implica em uma crise.

Com o preâmbulo acima em mente, eu digo agora que o Oriente Médio está em crise. Não porque bombas explodem e ameaças são feitas, mas porque está em curso um realinhamento estratégico que pode dividir a região em dois grupos mutuamente hostis de países, encabeçados pelo Irã de uma lado, e a Arábia Saudita de outro, e porque a própria coesão nacional da maior parte destes países está ameaçada.

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