BH vista do Morro do Cachimbo
Quando ainda morava em Belo Horizonte, antes de me mudar para o Rio, eu não era ciclista. Mesmo após começar a andar por todo o lado de bicicleta, no Rio e mundo afora, eu achava que BH tinha morros demais para uma vida em duas rodas. Eu pedalava ocasionalmente até o Belvedere, mas era o que eu considerava no limite do agradável em termos de rugosidade.
Alguns meses de pandemia, a ida ao Belvedere já havia se convertido em passeio semi-diário na minha bike dobrável de viagem. Seis meses de vírus, e estávamos a família toda com mountain bikes novas, participando de grupos de ciclismo e tratando automóveis como um recurso a ser utilizado in extremis em condições de clima inclemente. Um ano, e eu arrastava a bike por picadas aleatórias a procura de trechos pedaláveis.
Não era que os morros não me incomodavam. Eu mal os notava mais.
E é por isso que é tão frustrante que, quase dois anos convivendo com o COVID; indo pegar a BR para subir até o Retiro das Pedras; pronto para pegar uma trilha de chão farofento e um trecho de caminhada sobre pedras escorregadias; e a procura de ruínas portuguesas e cachoeiras ermas... Eu fui ser atropelado pela primeira vez na vida na Bandeirantes, a mais tranquila e bike-friendly avenida da cidade, e a pouco mais que um grito de distância da minha casa.
Fui abalroado por uma moto por trás, no curto trecho entre o final da ciclovia e a praça Alasca. A bike empinou, e voei por cima dela até um encontro com o asfalto mediado pelo meu antebraço esquerdo (quebrado), ombro direito (deslocado) e pé esquerdo (aparentemente torcido; mas mais sobre isso mais tarde).
Eu não notei a extensão do dano imediatamente. Um mero toco, pensei; é só uma questão de montar de novo e sair pedalando, até a dor passar. Fui demovido pelo ângulo pouco natural do meu braço, e pela impossibilidade de sair da posição de Gaulês Moribundo em que me encontrava.
Me saí melhor que o supracitado gaulês, porém. Vivi o meu sonho infantil de passear de ambulância, fui drogado e operado no braço, e voltei para casa, e uma temporada na cadeira de rodas. Um mês depois, descobri* que o meu pé esquerdo não estava meramente torcido; o seu osso calcâneo estava em pedaços (pouco dolorosos, porém, para surpresa para os médicos e alívio para mim).
Fui novamente drogado, operado e enviado de volta à casa. Com recomendações estritas de só voltar a andar em Janeiro de 2022.
A minha vida continua em duas rodas, porém. Me tornei hábil com a cadeira de rodas e imito de forma passável o Saci Pererê; faço fisioterapia e assisto The Witcher pedalando a ergométrica. Estou aprendendo arco e flecha, e vou desenvolvendo habilidades de tiro Parta. Cozinho, com ajuda do Gabriel, e fico dando voltas no pilotís ouvindo podcasts.
A vida continua, e ano que vêm estou de volta pedalando minha bicicleta.
______________________________________ * Graças à ressonância magnética, refutando quem acredita que física e representações irredutíveis de SU(2) nunca foram úteis para ninguém
|
---|