Aeroporto de Narita, Toquio
Contratempos boreais
A
minha correria para embarcar para o exterior no Galeão já é
praticamente um clichê. Antes acreditava que isto sempre acontece porque meu relógio interno não
funciona muito bem. Agora acredito que ele funciona
com precisão helvética, para organizar todo um dia de atividades
pré-viagem, culminando em uma arrumação de mala a jato e uma corrida de
Uber que me deposita em frente ao balcão de check-in a poucos minutos do
fechamento do vôo.
Desta
vez o destino é a setentrional Sapporo, no Japão, onde fui convidado
para dar algumas palestras e iniciar uma colaboração acadêmica com a
Universidade de Hokkaido. Chego lá por Houston, e Tóquio. Mas não
hoje...
Pousei em Tóquio já semi-macerado, 30 horas após sair do Rio. Os
trâmites de entrada japoneses são relativamente rápidos, mas envolvem
uma profusão de formulários e pedaços de papel que era quase dolorosa
para o estado mental em que eu me encontrava. Tudo penosamente
preenchido e entregue, fui até a sala de embarque esperar a minha
conexão para Sapporo. Do lado de fora nevava de forma intermitente. Na
televisão, uma sucessão de repórteres reiterava o óbvio sob uma nevasca
('cai muita neve neste momento', eu os imaginei dizendo), com a cara de
quem devia ter ouvido os pais e se formado em odontologia.
O terminal, durante a noite. Funcionários da All Nippon Airways tentam remanejar os passageiros |
Taxiamos de volta.
O terminal, pela manhã |
Dentro
do terminal, uma cena de barbárie Hobbesiana digna de The Waking Dead
nos esperava - se os zumbis fossem escrupulosamente limpos e marchassem
em formação, enquanto pediam desculpas por mastigar o cérebro alheio.
Longas mas silenciosas filas se organizaram espontaneamente. Remarquei
minha passagem para o dia seguinte (saindo de Haneda, o outro aeroporto
do outro lado da cidade), e recebi da companhia aérea (ANA) um saco de
dormir, agua e biscoitos. Na falta de ônibus (por falta de estradas
desimpedidas), trens (pelo horário, acho) e vagas de hotel (por excesso
de demanda), eu eu alguns milhares dos meus amigos mais chegados
acampamos por aqui mesmo.
Encontrei um canto relativamente vazio e escuro, em um terraço sobre os balcões de check-in e ao lado da sala de fumantes. Acordei
com o som de pássaros (tocando do sistema de som). O céu amanheceu azul, e uma tropa de caminhonetes dotadas de pás limpava
diligentemente a neve da pista. Por razões que ainda permanecem
obscuras, o terminal não havia ainda sido tomado por gangues rivais
lutando pelo controle das lojas de conveniência e aterrorizando a região
com seus carrinhos de bagagem envenenados. Aproveitei a colher de chá
para tomar um café da manhã respeitável. Em breve passarei algumas horas
atravessando Tóquio até Haneda, em um trem com mais de 30 paradas
programadas. Acho que quando chegar em Sapporo, jet lag será o menor dos
meus problemas...