domingo, 20 de abril de 2014

Pantanal Mato Grosso Hotel, Poconé
Pegando aviões

Cheguei no Pantanal com a família, mas por pouco. A combinação de um nevoeiro no começo da manhã com incompetencia monumental por parte da Gol fez com que os passageiros de dez vôos fossem despejados no saguão do Santos Dumont, algumas horas depois dos embarques previstos e praticamente sem informações por parte da compania, para serem remanejados no inicio de um feriado prolongado por dois atendentes no balcão e uma numero flutuante de funcionários de passagem. A ideia, suponho, era que as pessoas desistissem de viajar para pedir o reembolso, mais barato para a Gol que um eventual remanejamento.

Eu e a Cecilia nos dividimos. Ela ficou na fila do balcão, cujo passo glacial já exaltava animos, enquanto eu fui para o juizado especial do aeroporto. Do lado de lá, a informação era que o próximo vôo disponível seria somente em dois dias, e que voar por outra compania aérea era impossível. Do lado de cá, um grau de boa vontade e eficiencia que, em comparação, pareciam quase alienígenas.

O trabalho dos advogados no plantão do juizado não é necesariamente entrar com um processo frente a uma reclamação legítima. Eles (no caso, ela) fazem, primordialmente, uma mediação entre passageiros e companhia. Não que disponham de alguma informação secreta ou tenham dotes de negociação capazes de encerrar guerras no Oriente Médio. Mas a perspectiva de ação legal os torna mais, digamos, persuasivos. Era quase cômico ver os funcionários da Gol se desdobrando para fazer coisas que, perante meros passageiros momento antes, diziam ser impossíveis. Mas afinal, com a ajuda inestimável da Simone, que fez um levantamento dos vôos disponíveis, conseguimos embarcar em um vôo da Tam no mesmo dia.


A nossa nova conexão passava por São Paulo (a original era por Brasília). Passamos as várias horas entre um vôo e outro com o Fernando Mafra e a Natalie, um grande benefício inesperado do nosso transtorno aeronáutico.

Pousamos em Cuiabá por volta de meia noite, para ainda enfrentarmos 170 km da transpantaneira. O nosso motorista é um velhinho simpático que atende por ´Seu Zé´, que se mostrou um ás do volante ao passar por uma estrada de terra traiçoeira, evitando eventuais capivaras e jacarés relaxando pelo caminho. Chegamos na pousada, afinal, no meio da madrugada.

Não vou me alongar aqui descrevendo o Pantanal neste final de estação molhada; digo somente que a fauna local é bastante diversa e visível, incluindo enormes Tuiuius nas margens dos rios, altivos carcarás sobre as árvores, manadas de capivaras e seus filhotes, e uma família de jacarés que vive sem stress (para ambas as partes) no cais logo ao lado da pousada. E a parede sólida de mosquitos que vem chegando todo entardecer, zumbindo acordes wagnerianos.

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domingo, 6 de abril de 2014

Casa, Belo Horizonte
Nunca desista de seu sono

Estou para Belo Horizonte para o casamento de uma prima (eu escrevi inicialmente *um* casamento, mas sejamos otimistas). A família veio antes; eu vim em um ônibus noturno, que em vários aspectos é mais prático do que voar: Horários são mais flexíveis, há menos eventos discretos com que se preocupar, e as horas dedicadas 'a viagem, embora mais longas, não são picadas em uma improdutiva série de procedimentos (check-in, raio-x, embarque, pouso, desembarque, malas, etc).

Por outro lado, durmo muito mal em ônibus. Em geral, é um sono picado em que fecho os olhos por alguns minutos enquanto meu corpo vai escorrendo poltrona abaixo e se torce em um pretzel escheriano, após o que acordo babado sem sentir um ou mais membros. Por isso, na medida do possível, tento trabalhar ou ler.

Minha noite de ontem começou célere com a implementação de um modelo computacional (toy model, na verdade) de como o cortex se dobra. A medida que a fadiga aumentava, passei para a leitura de alguns papers relacionados. Algumas horas depois, sem mais ânimo para elocubrações anatômicas, transitei para a leitura recreativa ('A viagem da Argo', de Apolonio de Rodes, uma espécie de Liga da Justiça da Grécia mitológica). Quando os nomes dos argonautas começaram a se confundir, apelei para episódios do Black Adder em meu computador; e quando até o Baldrick começou a ficar profundo demais para meu cérebro cansado, resolvi tentar dormir um pouco. Mas então Belo Horizonte e a manhã já se aproximavam...

Em Belo Horizonte, tomei café semi-acordado com meus pais e fui arranjar um terno (porque não possuo nem quero possuir tal indumentária). Aluguei o dito cujo e adjacências, incluindo a acessoria do vendedor para me fazer parecer uma pessoa respeitável (a única coisa minha que usei no casamento, da cabeça ao pés, foi a cueca). Enquanto esperava os ajustes necessários, fui andar um pouco.

Parei na igreja da Boa Viagem, e me sentei junto aos fieis que rezavam. Em geral, preces curtas de quem tinha que estar em algum outro lugar dentro em breve, sugerindo que o carater da igreja não mudou tanto em pouco mais de um século. Enquanto fieis vinham e iam, eu alternava o meu tempo entre meu amigo Apolônio (bancos de igreja parecem ter sido projetados para impedir o sono; alias, bancos de ônibus também), e uma crítica um tanto sonambula da arquitetura local, recém-reformada.*

Peguei o terno, voltei para casa e dormi o sono dos justos. Acordei para o casamento, com um relogio biológico irremediavelmente confuso. Foi uma cerimônia bonita, em que o noivo surprendeu a todos na igreja com um número musical razoavelmente afinado.

Hoje devolvi o terno e cozinhei. Gnocchi de abóbora com ragu de cordeiro.
O resto do dia foi dedicado a atividades familiares. Amanhã de noite volto ao Rio.

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* Não gostei de alguns artificialismos tais como arcos de concreto pintado para parecer blocos discretos ligados por argamassa; mas gostei do conjunto da obra e das influencias de arte deco.

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