Não existe um trecho plano nas highlands. Pelo menos não que eu tenha visto. O caminho ontem não tinha grandes morros, mas consistia de pequenos morrinhos concatenados. O macete é tomar um gás na decida em marcha alta (ao invés de simplesmente deixar a gravidade fazer o seu trabalho), e baixar a marcha uma a uma na subida a medida que a velocidade vai diminuindo, tentando manter o esforço aproximadamente constante ao longo de todo o ciclo. Assim ainda é mais cansativo que um terreno plano, mas pelo menos não é extenuante. Saindo de Fort William (onde cheguei de ônibus, vindo de Glasgow), fui subindo o Great Glen margeando o canal caledônio, até o primeiro dos grandes e compridos Lochs (Loch Lochy) do vale. O tal canal foi uma das maravilhas da engenharia vitoriana, e liga os vários lochs do Great Glen entre si e ao Atlântico e Mar do Norte por meio de uma série de eclusas (incluindo oito em rápida sucessão logo no inicio, apelidadas de
escada de Netuno), de modo que, no futuro, posso refazer o meu trajeto de caiaque.
A estrada na metade inicial desta etapa era quase uma metáfora do meu trajeto como um todo, ficando progressivamente mais alta, mas rústica e mas setentrional. Comecei margeando uma auto-estrada, virei em uma estrada secundária, peguei uma vicinal de uma faixa com asfalto mambembe e, passando uma porteira, segui por uma estrada de terra, transformada pela chuva em um semi-lamaçal.
Sempre com um Loch a minha direita e um morro a esquerda, fui pedalando sob a chuva fina. Os escoceses, para manter a própria sanidade, aprenderam a não se importar com um pouco de chuva, o 'pouco' sendo definido de forma um tanto elástica. Além disso, mesmo em dias teoricamente secos, sol e chuva podem se alternar de forma um tanto espasmódica. Assim, em situações que no Brasil são ocasião para sessões de filmes sob as cobertas e intermináveis jogos de buraco são aqui oportunidades para praticar atividades ao ar livre, que podem incluir caminhadas ecológicas sob guarda chuva ou futebol de galochas. Para uma fração mais hardcore dos locais, porém, nem galochas nem guarda-chuvas são necessários, e estes andam/correm/fazem compras a descoberto, considerando ficar molhado um estado tão ou mais natural do que permanecer seco. Inspirado por estes últimos, e incomodado mais pelo calor gerado pelo esforço físico (a lama suga os pneus como um tapete de ventosas) do que pela chuva fina, fui removendo um a um os vários apetrechos anti-dilúvio que fui intimado a trazer por amigos britânicos (sulistas) e abritizados a quem mencionei meus planos. Capa de chuva, casaco hidrofóbico, coberturas para pés, todos voltaram para o pannier para virar lastro. Deixei Loch Lochy e a estrada de terra para trás, e passei por Loch Oich já no asfalto, até finalmente avistar Loch Ness adiante. Cheguei em Fort Augustus molhado, mas não totalmente encharcado.
Fort Augustus é uma pequena e agradável vila na estremidade sudoeste de Loch Ness. Após check in e banho em um agradável Bed and Breakfast que ocupa uma agência bancária convertida, fiz um city tour completo em 10 minutos, e notei um restaurante um pouco mais aprumado chamado 'The Lovat'. Lord Lovat,
me lembro bem, era um comandante dos comandos durante a 2a guerra mundial, e foi marchando, acompanhado de seu gaiteiro de foles, da praia de desembarque até a ponte Pegasus, estratégica*. Não precisei de mais referências. A comida era de fato excelente e, bem alimentado e seco, fui dormir pensando na subida de 400 metros que enfrentaria no dia seguinte.
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* O surpresos defensores desta última, sob pesado contra-ataque alemão, provavelmente se sentiram como extras em 'Braveheart 2 - a Missão' quando ouviram, e depois viram gaitero, Lord Lovat e concomitantes comandos se aproximando.
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