Hotel Tivoli Oriente, Lisboa
Tauromaquia televisiva
Estou agora assistindo uma tourada portuguesa na televisão. Por mais carnivoro que eu seja, eu não gosto da ideia de torturar um animal até a morte como forma de entretenimento. Mas a tourada portuguesa parece ser um pouco diferente da espanhola. As roupas são menos espalhafatosas, e, evitando o crochê colante em cores berrantes dos espanhois, o toureiro luso se veste como um figurante manuelino em uma versão de ´O Conde de Monte-Cristo´. Ao entrar na arena, a cavalo e anunciado por um corneteiro, ele inicialmente declama algumas amabilidades para um rapariga vestida a carater cuja função exata me escapa, mas que parece ser mais que meramente decorativa. Ele então começa a picar o touro, ainda a cavalo, com bandeirolas coloridas dotadas de um espeto de metal na ponta. E, tenho que dizer, cavalo e cavaleiro são excepcionais. O cavalo anda de frente, de lado, de costas. Trota até o touro e sapateia em sua volta, até que este último, completamente confuso e com um número crecente de bandeirolas fincadas nas costas, parte em fútil perseguição. O toureiro controla as redeas com uma das mãos (a outra segura a bandeirola), enquanto vai produzindo ruidos um tanto guturais na garganta; não sei se para irritar o touro ou orientar o cavalo.
Depois que o touro foi suficientemente espetado, entrou na arena um grupo de homens com uniformes marrom-ocre. Inicialmente não entendi bem o que pretendiam. Eles se aproximavam do touro cuidadosamente, desarmados, mas rapidamente saltavam o alambrado se este demonstrava um pouco mais de entusiasmo. Aos poucos, manobraram o bovino até um extremo da arena, enquanto formavam uma fila indiana no lado diametralmente oposto. O primeiro homem da fila (e mais próximo do touro) sacou e vestiu então um gorro verde que deve ter ganhado em algum estágio na oficina do papai noel, e começou a gritar TOIROTOIRTOTOIROTOIRO. O toiro, vendo finalmente humanos sem instrumentos pontiagudos, capas ou meios de fuga equinos, resolve sem muita dificuldade brincar de boliche humano, e arremete na direção do grupo. O homem do gorro verde então salta *para cima do animal* e agarra os chifres , enquanto seus colegas se empilham a sua volta e um deles segura o rabo. O objetivo, parece, é imobilizar o touro usando somente a força humana e doses maciças de insensatez. Ao contrário dos toureiros, que são profissionais, estes grupos de agarra-bois são amadores. O primeiro que assisti precisou de quatro tentativas para imobilizar o bicho. A cada tentativa, o homem do gorro era jogado ao solo, e ia ficando mais estropiado e com a roupa mais amassada. Eventualmente, já sangrando profusmente, conseguiu de alguma forma se manter estatelado sobre a testa do touro por tempo suficiente para que seus colegas o imobilizassem. Por mais maluco que seja este passatempo, pelo menos o únicos que podem se machucar são aqueles que escolheram correr o risco, e não o pobre touro que não tem a menor ideia do que está acontecendo.
No final das contas, os touros foram picados, agarrados e imobilizados, mas não mortos (pelo menos não em frente às cameras; se viraram churrasco depois eu não posso dizer). Não sei se esta é uma peculiaridade de todas as touradas portuguesas, mas isto certamente tornou esta tourada que acabou mais facil de assistir que as açouguices dos espanhois.
PS: O último toureiro espetou duas bandeirolas simultneamente no touro, um com cada mão, enquanto controlava o cavalo com o joelhos. Impressionante.