Vista de dentro, a sala de parto era um lugar bastante mundano. Os médicos discutiam banalidades enquanto casualmente abriam as seis camadas entre a pele e o útero da Ceci. Acho que de fora qualquer procedimento cirurgico adquire uma aura meio mística, com sacerdotes aparamentados de mascaras e luvas fazendo macumbas várias ao lidar com vidas humanas. Mas lá dentro a coisa é muito mais casual. De perto, cirurgia (assim como culinária, ou pintura) parece quase fácil. Você abre, faz o que tem que fazer, e fecha. O que tem de complicado nisso?
Demorou um pouco, enquanto eu assistia fascinado pensando tudo isto, para entender que a insistente pergunta que me faziam; "Você está se sentindo bem?" não era mera curiosidade profissional, mas sim medo de que eu desmaiasse. Parece que tontura é uma reação mais comum do que curiosidade entre os que assistem sua primeira cirurgia.
Abertas as seis camadas, e drenado o fluido amniotico, dois dos médicos praticamente se jogaram sobre a barriga da Ceci (que, notem, estava acordada, com anestesia local), enquanto o obstetra colocava as mãos dentro do útero e puxava com força.
A cabeça espirrou para fora, seguida do tronco e membros. O Gabriel chegou em silencio, tossiu, e começou a chorar. Chorar alto. Não vou nem tentar descrever o que passou pela minha cabeça naquela hora. Ninguem está preparado emocionalmente para ver um micro-ser humano que é metade você sair de uma barriga. É um momento em que você sente toda a sua vida mudando de rumo em um instante. O meu filho era cinza, coberto de muco, cabeludo e com unhas do Zé do Caixão. E era lindo! Tudo na vida é, ou potencialmente pode ser, provisório. Casamento, trabalho, amigos, tudo pode acabar ou mudar. Mas o Gabriel vai ser o meu filho para sempre, para cuidar e fazer crescer. Ele é uma promessa em forma de gente.
A enfermeira levou o Gabriel para ser limpo, pesado (4,85 kg!) e medido (50,5 cm). Sem ser chamado, eu fui atras. É nesses momentos você decide que tipo de pai quer ser. Enquanto ela me oferecia o pacotinho com meu filho enrolado no meio, eu poderia ser sensato e, como nunca antes tinha carregado um bebê, muito menos um recém nascido, deixar a enfermeira leva-lo para a mãe. Ignorei o conselho do meu cérebro, e fiz o que me diziam meus genes pleistocênicos. Peguei o Gabriel da maneira que meu instinto mandou e fui com ele até a Ceci.
Ficamos três dias no hospital. A Ceci não podia sair da cama devido à cesariana, então eu me tornei o mordomo dela (pega agua/telefone/ajusta minha cama/, etc). Para ser sincero, não fui tão atencioso quanto deveria. Mas não era dela que eu queria estar cuidando naquela hora. Troquei minha primeira fralda (enquanto o Gabriel fazia xixi descontroladamente), coloquei ele para arrotar e para dormir. Nunca imaginei que ia gostar tanto de fazer esse tipo de tarefa.
Estamos agora na casa dos pais da Ceci. Temos uma babá, que torna as coisas muito mais fáceis, mas mesmo com este desconto o Gabriel é um bebê muito tranquilo. Ele dorme tranquilo, é fácil de acalmar e (apesar de alguns problemas iniciais) mama direito. Eu fico com ele o máximo que consigo (sofrendo a concorrencia desleal da mãe e dos avós), e descobri que sou até um pouco jeitoso (fato surpreendente, dada a minha estabanação usual). Por algum motivo ele prefere meu dedo à chupeta, o que é uma excelente desculpa para ficar com ele mais tempo.
Bom é isso. O episodio piloto acabou, vamos ver o resto da série.
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