terça-feira, 21 de julho de 2009

TER Basse Normandie, entre Pontorson e Avranches
Quando a maré encher


A dois anos os Hill, um casal de ingleses, resolveram se instalar na Bretanha, e viver de alugar bicicletas. É só ligar para eles de qualquer lugar da região, e em 40 minutos John e/ou Verônica chegam com sua bicicleta, capacete, colete reflexivo e kit para pneu furado. A devolução é feita da mesma forma. Acho que esta viagem se tornou perfeita para mim quando alugar uma bicicleta se tornou tão simples quanto pedir uma Pizza. Em inglês.

Resolvido o meu problema com o banco (graças ao skype e a velhinha do café), sai da penúria, arrumei um quarto em um hotel 'simples', e liguei para o John. Quarenta e cinco minutos depois, exatamente no horario combinado vejo da janela do meu quarto uma van dobrando a esquina, com uma bicicleta no capô e um casal de meia idade no interior (eu já falei que eles são ingleses? São praticamente um esteriotipo nacional ambulante. Chegaram exatamente no horario marcado, e me confiaram uma bicicleta em troca de pouco mais do que um aperto de mão). Parti imediatamente para Mont Saint-Michel.

Choveu a maior parte do percurso, mas de capa de chuva e ouvindo Handel em meu ipod, mal notei a agua cair. A distância entre Pontorson (=Pont Orson, a ponte que um certo Orson construiu para o pai do Guilherme o Conquistador para facilitar suas incursões na Bretanha) e Mont Saint Michel é de meros 9 km. Fui por uma série de estradas rurais paralelas à rodovia principal, passando por simpáticas (mas em alguns casos, decrépitas) casas e vila centenárias, e por um moinho a vento, estilo Don Quixote, ainda em funcionamento. Do topo da colina do moinho, o Mont Saint-Michel apareceu pela primeira vez, fantasmagórico e coberto por brumas, quase como uma visão. Durante a idade média, era relativamente comum que crianças abandonassem suas famílias e partissem em peregrinação expontânea até lá. Depois desta episódio, acho que as entendo um pouco melhor.

O Mont Saint-Michel é uma pequena formação rochosa na costa da Bretanha, sujeita a uma das maiores variações entre maré cheia e vazante em todo o mundo (12 metros no máximo, na lua cheia perto do equinócio). Todos os dias, portanto, ele alterna entre ser uma ilha cercada pelo mar, ou uma montanha cercada por baixios de lodo. Como o gradiente do terreno é muito pequeno, a maré pode avançar ou recuar rapidamente, da ordem de metros por segundo. Esta entidade geológica de natureza dúbia é dominada por uma abadia espetacular construida em seu topo, dedicada a São Miguel Arcanjo. Ela existe desde pelo menos o seculo VIII (o local era
anteriormente habitado por eremitas), e foi reconstruida na forma atual pelos primeiros duques
da Normandia (ex-vikings, a quem o rei da França doou a região para ser deixado em paz, e que em troca se converteram ao cristianismo). Uma pequena cidade medieval cresceu em volta da abadia, e muralhas imponentes foram adicionadas ao longo dos séculos subsequentes (e bem empregadas na guerra dos 100 anos, entre outras).


O monte tem uma história pitoresca, e um certo talento para agregar mitos de plausibilidades variadas. Foi utilizado como prisão a partir da revolução francesa até o seculo XIX, quando foi redescoberto pelos romanticos a procura de 'autenticidade'. Foi reformado e em parte reconstruido, e se tornou uma meca turística desde então. Parte desta autenticidade é obviamente manufaturada em beneficio dos turistas; mas por outro lado os responsáveis pelo monte não fazem mais do que retomar a antiga tradição do local como foco de peregrinações, incluindo a venda de quinquilharias superfaturadas (ícones religiosos fabricados em massa antigamente, chaveiros e imãs de geladeira provavelmente made in China atualmente) e a profusão de histórias pitorescas. De qualquer forma, nenhuma reforma alterou substancialmente a natureza do Mont Saint-Michel, que continua tão espetacular quanto era na idade média. Ele só não deve ser encarado como uma reliquia da idade média miraculosamente preservado em seu estado original, mas sim como um palimpseto desta e de todas as épocas subsequentes.

Não faz sentido ficar descrevendo o que é melhor visto em fotos. O que é infotografável é a velocidade com que a maré baixou (cheguei na maré cheia); em alguns minutos o que era uma espelho d'água calmo começa a baixar; ilhas se formam em seu meio e barrancos na sua margem. As ilhas vão crescendo até se interligarem*, e a água flui rapidamente pelo um estuário fractal que vai se formando. E o Mont Saint-Michel volta a ser montanha.

Durante o verão, a abadia fica aberta até 11 da noite, uma raridade aqui na França. Músicos se apresentam ao longo do caminho até o topo, que percorre todo tipo de nincho e reentrância que a arquitetura medieval poderia criar. Finalmente, o visitante emerge no pátio atrás da capela
virado para o lado do continente, com uma vista espetacular das muralhas e da cidade lá embaixo, enquanto o Sol se põe no mar.

A volta foi durante a noite, chovendo um pouco. Programa de índio para 99% da humanidade, mas eu gostei de andar por estradas rurais francesas desertas, com o Mont Saint-Michel ao fundo e o moinho iluminando o caminho à frente.


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*Uma transição de fase de segunda ordem em percolação! O momento em que existe invariância por escala é uma experiência quase religiosa ;^)

4 comentários:

Nobody disse...

I remixed Flashdance RELOADED. You said Flashdance RELOADED was great, but the new one is even greater

:D :D

Anônimo disse...

Oi gostaria de uma dica!!!
Estou indo para Paris e gotaria de fazer uma viagem de 1 dia ao Mont Saint Michael....bom estou em familia e pagando p/ 3 e fiquei meia assustada com o preço do trem (TGV + Ter). Tem alguma outra sugestão de como fazer o trajeto?
Desde já muito obrigada.

|3run0 disse...

Oi Anonimo(a)! A maneira mais barata de ir até MSM é de trem mesmo até Pontorson, mas vc não precisa ir de TGV. A rota mais barata é a que passa por Caen (e não usa TGV). O TGV passa por Rennes, e é bem mais caro, embora mais rápido.

Na própria estação de trem em Pontorson é posssivel então pegar um onibus até MSM (que fica só a 10 km de dist6ancia, são vários por dia). É possível ainda fazer o trajeto a pé (só não saia da estrada a não ser que saiba os horarios da maré) ou de bicicleta (como eu fiz).

Passar a noite em MSM é muito caro; em Pontorson a hospedagem fica bem mais em conta. Se vc for e voltar no mesmo dia, fique atento(a) para os horarios de retorno do onibus.

Bom, eu espero que isto ajude. Se precisar de mais ajuda, é só perguntar. Boa viagem!

Anônimo disse...

Спасибо понравилось !