sexta-feira, 10 de julho de 2009

France House - QMUL, Londres
Holandando

Paris é monumental, construida para impressionar com suas grandes panorâmicas, mas transparecendo um certo artificialismo. Tudo é muito grande, muito espetacular. É preciso resistir a tentação de correr em estado de frenesí fotográfico de um monumento até o outro, ou de uma ala de seus cavernosos museus para outra, em uma tentativa fútil de 'ver tudo'. Mesmo sendo mais auto-referente e menos aberta que Londres ou Nova York, Paris é mais capáz de inspirar nos visitantes a sensação de reverência ressentida que o provincial estereotipicamente sente em relação à metrópole. O efeito provavelmente é intencional; Londres, Nova York se tornaram com o tempo cidades imperiais; a Paris atual foi projetada como tal.

Amsterdam é uma cidade em escala humana, construida compacta e sensatamente em volta de três canais. Não tem obras monumentais, mas impressiona pelo conjunto. Amsterdam é conhecível em um dia. Foi o que eu fiz com a Ana Júlia. Uma passeio agradável e sem pressa com paradas não programadas quando necessário para comida, bebida, cafeina ou descanso. Passeio este que fomos esticando gradualmente, de uma voltinha durante a tarde até uma caminhada pela madrugada.

A nossa primeira parada exemplifica bem o que eu quero dizer. O museu dedicado ao Van Gogh é pequeno, agradável e direto ao ponto. Seguimos a evolução de seu estilo desde seus primóridios através de pinturas colocadas em ordem cronológica, bem contextualizadas na vida artística e familiar do pintor, e acompanhadas de alguns objetos de interesse e salpicadas de obras de contemporâneos e colegas. Não há um destaque em particular para as obras mais famosas, que chegam meio sorrateiras e são muito mais marcantes por isto (talvez devido a seu uso da textura, Van Gogh no final da vida é muito impressionante ao vivo). Uma ou duas horas depois de entrar, já estavamos na rua, satisfeitos, a procura de um lugar para um almoço tardio (indiano, no caso).

O mais interessante da cidade são os detalhes, arquitetonicos e de outros tipos. Não há muito espaço livre, e cada pedaço foi usado e reutilizado diversas vezes: Das casas estreitas tombadas em angulos insólitos até o baluarte das muralhas da cidade que já foi casa de lastro, prisão, centro de dissecção e hoje é um café. Os canais são parte fundamental da rede de transporte local, e também são moradia para um número considerável de habitantes de barcos.

O lendário distrito da luz vermelha, por outro lado, é uma decepção. Em qualquer outro lugar do mundo, passear na zona depois de meia noite assume ares de uma atividade um tanto sórdida, e possivelmente arriscada. Em Amsterdam, isto significa desviar de musicos de rua jamaicanos e evitar as massas compactas de velhinhos em excursão. Qualquer ilusão de interagir com o lado B da cidade de alguma forma significativa, ou de trocar palavras amigaveis com alguma prostituta em pausa para cafezinho é destroçada pela Disneylandia sexual com que nos deparamos, organizada com a habitual eficiência tranquila dos holandeses. As prostitutas ficam segregadas em suas vitrines profissionalmente iluminadas falando ao telefone e demonstrando a mesma combinação de atenção profissional e desinteresse pessoal em relação a seus clientes em potencial que uma caixa de supermecado tem em relação a suas compras

Devido à geografia de seu pais, os Holandeses se tornaram um povo comercial (assim como, por exemplo, os fenícios), voltado para fora; prático, apto a adotar costumes estrangeiros, e (dentro do razoável), bastante tolerante. Não se incomodam em absoluto em falar inglês (e falam muito bem, condutores de bonde inclusos). Não encontrei nenhuma manifestação daquele narcisismo das pequenas diferenças que parece caracterizar seus vizinhos maiores; porém também senti falta de alguma idiosicrasia nacional que os caracterizasse como holandeses, e não como cidadãos do mundo que residem na holanda. Tenho certeza que tais coisas existem, e se tornariam obvias para um viajante que passasse mais do que um dia na cidade. Mas eu não tinha tempo.

Fisicamente, tanto Amsterdam em particular quanto a Holanda como um todo são lugares inventados. A cidade começou com uma barragem no rio Amstel (Amstel-dam!), onde hoje é a praça Dam e o centro mais velho da cidade; o pais foi em grande parte reconquistado do mar através de extensas obras de bombeamento e drenagem. De fato, há muito pouca natureza 'selvagem' em evidência por onde andei. Os agradáveis parques, por exemplo, ficam em polderes nas redondezas da cidade. Os Holandeses vivem onde e como escolheram viver, e não simplesmente onde o destino os colocou. Talvez por isto se ressintam tanto de imposições externas que os obriguem a alterar este modo de vida. Seja a invasão nazista em 1940, ou o prospecto da mudança climática, ou o radicalismo islâmico.

Eu sei porém que moraria em Amsterdam sem problemas. É uma cidade acolhedora, pequena mas não provinciana. Onde todos andam de bicicleta. Ou barco. Eu certamente gostaria de voltar lá, para um passeio mais extenso. Não ví o museu dos grandes mestres, nem interagi com holandeses de forma significativa. Por outro lado, posso dizer que andei por toda a cidade. Antes de pegar o bonde de volta para casa, nos alojamos em puffs macios em um parque da cidade para descansar um pouco e rever as fotografias que eu tirei (impulsos homicidas tomam conta de mim quando escrevo estas palavras; imagino carregadores de bagagem holandeses sendo torturados boschianamente). Dentro do curto tempo que tinha, conheci bem a cidade fisicamente. Mas nem cheguei perto de assimilar a textura histórica associada aos pequenos detalhes, dos quais gostei muito mas entendi muito pouco.

São Miguel Arcanjo (?)...

E um dragão/demonio...

e um elefante?

Eu definitivamente preciso voltar em Amsterdam para entender esta cidade direito.

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