segunda-feira, 20 de julho de 2009

Hotel Rennes, Caen
A vingança do rei Haroldo

Passei o dia de ontem pedalando pela baixa Normandia. Hoje embarco para Pontorson, a 10km de Mont Saint Michel, e acabo de descobrir que, pelo menos aqui, e hoje, nenhum de meus cartões de crédito funciona, nem como crédito nem em caixas eletrônicos. Vamos ver o que eu faço...

A chegada a Caen foi absurdamente civilizada. Peguei um mapa local, indicações de hoteis e as tabelas com horarios de trens já no saguão da gare; organizei o meu itinerário e comprei as passagens até Paris com um funcionario extremamente simpático, e atravessei a rua até um café com WiFi, para um pouco de cafeina e para subir o post anterior, bater um papo com a Naira por skype, e criar uma conta para a versão local do Velib. Me dirigi ao meu hotel, no mesmo quarteirão, onde consegui um quarto com o dono (monoglota, mas gente fina), tomei um banho, deixei a mochila, e sai, atravessande novamente a rua e retirando a minha bicicleta alugada para meu passeio até as praias do Dia D.

Caen é conhecida por essencialmente duas razões: A invasão normanda da Inglaterra em 1066 , e a invasão da Normandia a partir da Inglaterra em 6 de Junho de 1944. No primeiro caso, porque era a sede do ducado da Normandia; Guilherme o Conquistador está enterrado aqui e Bayeux com sua famosa tapeçaria estão a alguns quilometros de distância. No segundo, porque era um dos objetivos principais dos aliados, por ser um nodo de estradas de rodagem e de ferro e a chave para a marcha até Paris. Minha visita se concentrou nesta última, mas é impossível passar por esta região sem notar as inúmeras igrejas, abadias e fortificações remanecentes do período mais remoto.

Esta foi a primeira vez que fiz uso prático das minhas leituras de história militar. O meu mapa não era detalhado, mas eu sempre tinha uma ideia razoavelmente clara de onde estava através dos inúmeros memoriais às unidades e eventos do Dia D. A primeira parte do meu trajeto seguiu ao longo de um canal que liga Caen até o mar. Este canal (e o rio Orne, paralelo) protegia o flanco esquerdo dos aliados durante a invasão. A cerca de 10 km de Caen, uma ponte ligava as duas margens. Se os alemães controlassem a ponte, elementos de uma divisão blindada nazista (a 12a Panzer) poderiam cair sobre o flanco da invasão e desbaratá-la antes que uma cabeça de ponte fosse estabelecida. Era crucial que a ponte (rebatizada de ponte Pegasus em homenagem ao nome da operação) fosse tomada, e mantida até que chegassem os reforços.

Nas primeiras horas da madrugada do dia 6, uma unidade britânica em 6 planadores aterrisou (eufemisticamente falando; uma queda controlada seria um termo mais preciso) ao lado da ponte. Três dos planadores aterrisaram a poucos metros da ponte; a surpresa dos alemães foi total, e apesar das defesas preparadas a ponte foi tomada em menos de dois minutos. Ao longo de toda a noite, cerca de 100 homens liderados pelo major Howard repeliram contra-ataques alemães cada vez mais intensos. Com a manhã já avançando, exaustos, ouviram finalmente o inconfundível som de um gaita de foles: Os commandos do extremamente escocês coronel Lovat haviam chegado, marchando diretamente das praias, seguindo solenemente o gaiteiro pessoal do coronel.

Esta foi uma das 3 ocasiões onde a invasão correu o risco sério de ser derrotada. A tomada dos acessos à praia de Omaha foi outra (é onde começa o 'Resgate do soldado Ryan; a batalha final do filme foi inspirada pela ponte Pegasus, com a nacionalidade dos defensores transferida para o outrolado do Atlântico), e chego logo na terceira.

Uma cópia da ponte Pegasus ainda existe no local, com um pequeno memorial e museu ao lado.




Seguindo mais alguns quilometros ao longo do canal, cheguei finalmente ao mar, no extremo esquerdo da praia Sword. No dia D, esta praia foi invadida pelos britânicos. Assim como nas duas praias seguintes, Juno (canadenses) e Gold (britânicos novamente), as casas são construidas rentes à praia. Os alemães as usaram como pontos-forte, e muitas delas foram danificadas ou destruidas pela artilharia aliada. Atualmente, embora os balneáries locais estejam um tanto decadentes devido às passagens baratas da Easyjet, as casas (reconstruidas) em estilo normando permanecem extremamente charmosas, o que impede a região de se parecer com Brighton ou Guaraparí.

Devido aos ataques aéreos aliados, e ao engodo estratégico que convenceu os alemães que o esforço principal aliado seria em direção à Calais, só houve um contra-ataque significativo alemão. A 21a Panzer atacou em direção ao mar, e conseguiu separar os britânicos em Sword dos canadenses em Juno. Esta foi a terceira e última grande ameaça ao sucesso da invasã. Mas os desembarques aliados seguiam em ambos os flancos da 21a, e planadores traziam reforços para os paraquedistas britânicos em sua retaguarda. Sem apoio aéreo e sem a ajuda da 12a (graças ao Major Howard e cia.), os veteranos di Afrika Korps se retiraram. Foi a última vez que viram o canal da mancha.

Pedalando ao longo da praia, e passando pelos memoriais as diversas unidades que desembarcaram por lá 65 anos atrás, acho que adquiri pela primeira vez uma noção real da escala do Dia D. Entre sair e voltar a Caen, se passaram 5 horas, das quais devo ter pedalado por umas 3 horas (uns 45km no total). E mesmo assim, só cheguei até o extremo esquerdo da 2a praia (as bandeiras canadenses indicavam que eu havia chegado em Juno). Foram 5 praias no total, fora as areas de aterragem de paraquedistas e as falésias em Point du Hoe. Números por si só (10.000 aviões, 200.000 homens, 3000 navios, etc.) não conseguem transmitir a enormidade do empreendimento.

A partir do molhe em Langrunne sur Mer, virei para o continente, para seguir de volta à Caen. Foi ao longo desta estrada que os Canadenses avançaram, lutando por cada metro, para finalmente tomar a cidade em Outubro. O plano original era tomá-la no 1o dia; mas sabendo do perigo que sua queda representaria à sua posição em Paris, os alemães se aproveitaram da hesitação inicial aliada (em parte provocada pelo ataque da 21a), e reforçaram sua defesa com todas as unidades disponíveis. Foi só quando os americanos na flanco direito (enfrentando menos oposição) cortaram a peninsula de Cotentin e arremeteram para leste a partir de Avranches, ameaçãndo cercar um corpo inteiro do exército alemão, que estes últimos foram forçados a se retirar. Após sua vitória na batalha da Normandia, os aliados avançaram rapidamente, até Paris e além. Mas no final do ano, com dias mais curtos para apoio aéreo, e linhas de suprimento mais longas, o avanço perdeu fôlego, e os alemães se recuperaram. A perspectiva de uma derrota nazista ainda em 1944 se mostrou ilusória, e britânicos, canadenses e americanos (e russos, e poloneses, e franceses, e brasileiros, e mais meio mundo em armas) enfrentariam um inverno duro antes da vitória final em agosto de 1945.

Eu cheguei em Caen pouco antes da meia noite. Passei pelo castelo e algumas igejas e abadias iluminadas (é uma cidade pequena), e voltei para o hotel. Tenho ainda muito o que andar antes de voltar para o Brasil.

3 comentários:

fmafra disse...

Caramba, você está fazendo parte do meu roteiro pretendido. Marquem Caen/praias da Normandia e Mont Saint-Michel no meu euromapa já. Bom saber que rola velib lá tb, achei que erá só em Prais.

|3run0 disse...

Aqui ele se chama Veol, e custa 1 Euro por *1 semana* !

Sara disse...

Para lugares bonitos para visitar, eu espero que em algum momento têm também a possibilidade de ir primeiro que eu visitar minha família na Argentina, por isso estou procurando um apartamentos mobiliados buenos aires