domingo, 19 de julho de 2009

Gare Saint-Lazaire, Paris
A Bastilha cai todo ano


Além do Chuck Norris gaulês, tive um dia da Bastilha interessante aqui em Paris. Me encontrei com o Catão, Mariana, Sandro e Stella para um piquenique nos jardins do Museu Rodin. Como de costume, compramos quantidades monstruosas de comida, em volume e variedade. Enquanto os demais grupos se contentavam com o conteudo de uma ou duas tupperwares e uma baguete, iamos nos resfastelando com o piquenique do juizo final, com diversos tipos de queijos, embutidos, patês, pães, frutas e bebidas. Metade da comida depois, e após uma digestão prolongada deitados na grama, fomos ver as esculturas espalhadas pelo jardim (incluindo O 'Pensador' e o 'Portão do Inferno'); gostei em particular de 'Os burgueses de Calais', quatro figuras expressando ao mesmo tempo tristeza, resignação, desespero e raiva, enquanto caminham em direção ao acampamento dos consquistadores ingleses para entregar-lhes as chaves da cidade.

Segui então para a Ille de la Cité, onde me encontrei com a Jacqueline e o Catão para assistir um concerto de música de câmara dentro da Sainte-Chapelle: Vivaldi, com um pouco de Pachebel e (acho) Paganini, tocados por um violinista francês renomado e competente orquestra. Eu não canso de falar aqui no blog sobre o quanto eu gosto da Sainte-Chapelle (embora suspeite que meus leitores se cansem de ouvir a respeito). Assistir um concerto deste calibre lá dentro enquanto o sol se põe é indescritível.

Findo o concerto, fomos andando calmamente ao longo do Sena, em direção à Torre Eiffel. Uma breve pausa para um café, e para reencontrar o resto do povo, e seguimos para o Champs de Mars, para assistir o show de fogos, em comemoração a queda da bastilha e ao aniversário da torre. Não foi o show mais grandioso que já vi, mas provavelmente foi o que melhor integrou os fogos, a iluminação (que fazia a torre dançar) e a trilha sonora. De forma um tanto bizarra, esta última incluiu a abertura de 1812. É verdade que a obra incorpora trechos da Marselleise, e que os franceses não têm exatamente uma enormidade de opções no quesito vitórias militares nos
últimos séculos dentre as quais escolher; mas mesmo assim acho estranho ouvir uma música que comemora uma derrota militar da França em uma comemoração de sua data nacional.

Terminamos a noite com um piquenique noturno com as sobras do anterior, sobre uma toalha que achamos abandonada no gramado, e algumas coca-colas compradas a preços só ligeiramente extorsivos. Ao contrário da maior parte das centenas de milhares dos meus co-celebrantes, evitei o metrô estilo últimos dias de Pompeia, e voltei de Velib para a casa da Mariana.

Os dias seguintes foram menos turísticos, já que eu passava a maior parte do tempo assistindo a palestras, ou pedalando de um lado ao outro da cidade em direção a um dos inúmeros institutos, escolas e auditórios onde ocorriam as sessões paralelas. Devo dizer que, mesmo descontando a dispersão geográfica, o MG12 foi meio decepcionante: sem foco, e com plenárias chocas e paralelas só ocasionalmente interessantes. Mesmo assim, cozinhei para a Mari, Sylvain e André*, e consegui ir em alguns museus, igrejas e no cemitério de Montparnasse. Fiquei ainda orgulhoso do meu francês tosco quando o sistema Velib não computou a devolução de uma das bicicletas, e tive que navegar o menu telefônico e explicar a situação para um atendente monoglota (cuja noção de explicar melhor uma frase não compreendida era repeti-la mais alto). Tenho certeza que o nosso diálogo vai algum dia ser encontrado no Youtube em alguma compilação das piores barbaridades já cometidas contra a lingua de Racine (a lá 'As Árvores somos nozes'), mas consegui desbloquear a minha conta e extornar a cobrança ndevida.

Ontem de noite fui com a Jacqueline em um restaurante Tibetano ao lado do Panteão. Provei chá com manteiga (de vaca, não iaque, infelizmente) e sal, a bebida nacional da terra do Dalai Lama. É bebivel, acho que com o hábito posso até gostar. Aprendi também que 'obrigado' é, ou soa como, 'Tû-tch-Tchê' em tibetano (e 'Mêsh-kér' em basco, como descobri alguns dias antes). Voltamos para casa a pé, em outra caminhada noturna.

Hoje fomos mais cedo a L'Orangeria (que tem este nome porque durante o 2o império era uxada para guardar laranjeiras durante o inverno). As ninféias do Monet são indescritíveis (e, francamente, infotografáveis, o que não impede a maior parte dos visitantes de tentar; se o propósito todo da visita é ver as pinturas ao vivo, para que tirar fotos?). Dois pintores que não conhecia, mas achei particularmente notáveis: Didier Paquinon, contemporâneo em exposição temporária, e Chaim Soutine.

Passamos em seguida pela igreja de Saint Madalleine, que tem um certo charme neoclássico apesar da forma um tanto pesada. Assistimos uma orquestra de jovens (ingleses, pelo sotaque), no que parecia mais uma aula do que um concerto. O maestro passava o som com as várias alas, enquanto reclamava e corrigia a postura, volume e sincronia de seus pupilos. Primeiro artes plásticas, depois música: Creio que a divina providência, por meio do sistema educacional britânico, quer elevar a minha cultura artística...

Estou agora na estação de Saint Lazare, último ponto do dia, onde vou pegar um trem para Caen. Pretendo visitar as praias do Dia-D e e Bayeoux de bicicleta, e ir amanhã depois do almoço para o Mont Saint-Michel. Volto para Paris na 3a, e de lá para o Brasil no mesmo dia.

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* Salada de pepino, tomate, fetá e azeitona com molho de iogurte; endívias recheadas de alho poró e cogumelos, e risoto de pera, presunto espanhol e cogumelo portobello.

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