sábado, 18 de julho de 2015

Casa do Reza, Londres
Na lama em Londres

Pausa para cachimbo
Cheguei em Londres ontem de tarde, depois de uma breve mas produtiva visita aos meus colegas na universidade de Reading. Hoje foi o meu último dia completo por aqui antes de voltar para o Rio amanhã. Obviamente, resolvi fazer algo memoravel e tipicamente Londrino. Chafurdar na lama do tio Tâmisa a procura do lixo produzido pela cidade ao longo das eras se encaixa perfeitamente nesta descrição,  então aceitei o convite do Alastair para uma manhã de mudlarking.

Londres foi fundada pelos romanos pouco antes da era cristã, e o Tâmisa foi sempre a sua principal artéria de transporte, fonte de enguias comestíveis e esgoto. Ao longo dos milênios,  romanos, celtas, saxões, normandos, e finalmente ingleses sob dinastias várias, viveram e morreram ao longo de suas margens. E, sempre que precisavam se livrar de algo, o rio estava convenientemente logo ao lado.

Todo ano, os resíduos destas eras passadas se desgarram de aterros ou são arrastados pela correnteza, e depositados nas margens do rio. Moedas, cerâmica,  balas de mosquete,  ossos de animais domésticos (e o ocasional humano), e os indefectíveis cachimbos de barro. E na maré baixa, um grupo de excêntricos de todos os naipes procura e cataloga avidamente tais relíquias,  o descarte inconsequente das eras passadas. Estas pessoas são conhecidas como 'mudlarks'. O meu amigo Alastair, arqueólogo e quinteseencialmente inglês, é um deles.

A partir do extremo sul da ponte de Londres, rapidamente encontramos uma escada lodosa decendo até a margem. A maré baixa havia exposto um aluvião de cascalho e lodo, irregular e coberto de forma exparsa por lixo mais moderno e de, digamos, menor interesse arqueológico  (e.g. rodas de bicicleta, garrafas de cerveja e uma barbie decapitada). Os objetos realmente antigos não são particularmente notáveis neste contexto, mas o Alastair demonstrou habilidade incomum ao se abaixar repetidamente para pegar algo que aparentava ser um cascalho ordinário, mas era na verdade um cachimbo do século XVII ou um caco de porcelana Tudor.
Mudlarking é um passatempo, mas isto não significa que não seja bem organizado. Existem licenças a serem obtidas, para níveis sucessivos de complexidade e experiência. Iniciantes podem simplesmente pagar algumas libras ao Museu de Londres e obter uma carteirinha e o direito de retirar objetos encontrados sobre a superfície. Cavucar, cavar e usar detectores de metal demandam níveis mais elevados de habilidade demonstrada, e carteirinhas específicas.

Continuamos a nossa procura, inicialmente pela margem sul, e em seguida pela margem norte (onde a cidade foi fundada, e onde formalmente ainda existe exclusivamente, a chamada City of London). O resultado é o que mostra a foto abaixo. Cacos de ceramica de épocas várias,  e diversos cachimbos (vendidos após 1600 já cheios de tabaco, e muitas vezes descartados após um único uso); uma bala de mosquete, dentes de cavalo, um prego e um pedaço de tijolo com um buraco para fixacao. Nada que seja particularmente excitante para um mudlark experiente; mas como foi a minha primeira busca, e algumas destas coisas são quase mais antigas do que o meu país, elas vão comigo para o Brasil.

Depois que maré subiu, nos encontramos com a Sarah, uma amiga portuguesa radicada em Londres, e fomos para um pub em Fleet Street chamado ye Olde Cheshire Cheese, quase tão antigo quanto os tais cachimbos, e aparentemente frequentado pelo Samuel Johnson em eras passadas. Após uma boa refeição, fomos de bicicleta (e metrô,  no caso do Alastair) até Greenwich,  admirar o Cutty Sark e o museu naval. Me despedi de meus amigos e voltei para o norte de Londres, onde estou hospedado. Fiz um stir fry vegetariano para meus anfitriões, e sob o sol poente fizemos um tour a pé da região, por matas ancestrais (algumas das mais antigas destas ilhas) e colinas esculpidas por geleiras paleolíticas. Termino o dia agora, um dia estimulante e talvez excessivamente cheio de atividades; e uma analogia perfeita para esta minha estada na Inglaterra que agora termina.

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