sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Hotel Hardman, João Pessoa
Vida de Hobbit


Estou a três dias aqui em João Pessoa, onde ocorre o 3o IWARA, em um hotel com o improvável nome de 'Hardman'. Em todos os aspectos, esta está sendo um congresso melhor que o Partículas e Campos. Academicamente, um encontro menor permite uma maior interação com os demais participantes, a comida é melhor e mais diferente, e, finalmente, ao contrário da pasmaceira de Aguas de Lindoia, estou aqui a poucos passos da praia, e a alguns quarteirões de barraquinhas de camarão e outros petiscos. Finalmente, apesar de comer muito (em volume e frequência), não tive até agora nenhum problema, afora o ocasional campo escalar gastrointestinal. A pizza em AdL é por enquanto somente uma triste e distante memória.

Os seminários foram em geral muito bons, com alguns excelentes. Porém, assim como no IWARA anterior, certos tópicos são apresentados de forma excessivamente remota ou insular, e alguns seminaristas são preguiçosos demais para valerem a pena. Nesta última categoria, incluo alguns com um inglês macarrônico demais ('nau ui uíu prêsenti aur rêsultis uitchi xôu the iuniverse iz noti ax-selerátim in the Ruble diagram'), ou cuja apresentação só pode ser entendida por quem lê mentes ('No problema do confinamento de quarks/energia escura/relatório do mensalão usamos o formalismo TKGU para derivar a equação de Tchulambisky segundo o método de Crapoviski & Chuchubilinski. Introduzindo uma parametrização HFM, ajustamos os 15 parâmetros livres aos 4 pontos experimentais, para mostrar que a equação de estado/curva de luz/careca do Marcos Valério é crescente/decrescente/continua a mesma').

Fora a parte científica, estamos vivendo uma vida de Hobbit. No dia em que chegamos (dia livre!), após a praia, fomos andar um pouco. João Pessoa é uma cidade pequena, mas bem cuidada. O primeiro jantar da noite consistiu de camarão frito, carangueijo (aberto a marteladas), e uma sopa de ovas de peixe com leite de coco. O segundo jantar foi no hotel, e um tanto decepcionante. Saimos novamente para andar, e terminamos a noite com um leve terceiro jantar de feijões verdes e carne seca. Na noite seguinte, fomos na versão local do Xapuri, um self service com dezenas de pratos de comida local. No caso, incluindo diversas permutações de feijão verde, carne de sol/seca/charque, bode, macaxeira, queijo coalho e manteiga, abóbora, etc.

Passamos assim (eu, a Mariana e o Sandro, e as vezes o Marcelo) um bom tempo com o Glenn Starkman, que se revelou não só ótima companhia como também um rematado pé de valsa. Além dele, também conheci várias outras pessoas divertidas e interessantes; acho que o ambiente aqui favorece a interação, em grande parte devido à praia. Não há nada comparável a sair de um seminário direto para a o mar, ou ler um paper (ou livro, ou jornal, ou embalagem de oleo vegetal) deitado em uma canga embaixo de um coqueiro.

Hoje é o meu último dia, e pego um vôo na madrugada de volta para o Rio. Fizemos um passeio pela parte histórica da cidade (a praia é aparentemente ahistórica ou anti-histórica). O mosteiro de São Francisco é surpreendente, com uma arquitetura barroca que talvez não apresente grandes novidades para quem já foi várias vezes à Ouro Preto, mas também com uma vista espetacular do rio, e uma coleção de arte popular genuinamente interessante. O meu único arrependimento é não ter visitado a praia fluvial de Jacaré (da foto (puramente ilustrativa), que não é minha), onde o rio e o mar se encontram. Dizem que um saxofonista toca o bolero de Ravel todo dia ao por do sol...

Agora estou esperando o povo ligar para irmos comer o primeiro jantar (no hotel), em preparação para o segundo (em uma barraca de frutos do mar a beira idem). Vida dura...

_____________________

"Bayeux é cidade de corno. Dizem que se você jogar umas argolas para cima lá, não cai uma no chão"

João Carlos, autor da frase acima e motorista do taxi que nos levou para o passeio no centro da cidade, também me trouxe no aeroporto, que fica na pequena cidade de Bayeux (homônima de uma cidadezinha na Normandia, palco do Dia D, e onde foi tecida a famosa tapeçaria de Bayeux). Ele mora a 30 anos em JP, e conhece bem a cidade e sua história. Em particular, ele adora falar sobre a morte de João Pessoa, presidente da Parayba (equivalente a governador hoje), assassinado por razões politico-amorosas por seu rival, João Dantas. A inevitável 'mulher no meio' era (segundo ele) amante de JP, mas se debandou para o lado de JD, cortando o cabelo como homem para passar desapercebida (e dando origem aos versos 'paraiba masculina mulher macho sim senhor'). Em retaliação, JP fez publicar na imprensa alguns podres de JD. Este último, ofendidíssimo, jurou matar JP na primeira oportunidade. Tempos depois, em Recife, JP saia pela porta dos fundos de um café (possivelmente para evitar assassinos entocaiados), quando coincidentalmente JD entrava, também pelos fundos (dando origem a algumas dissertações de mestrado historico-freudianas, suponho). Este sacou mais rápido, e aquele caiu morto. Pelo menos é o que o motorista de taxi me disse. Não sei o quanto disso é verdade, mas é uma historia interessante.

PS: Publiquei também um post que havia escrito em Águas de Lindoia, na rodoviária onde não havia internet, e fiz um update no post escrito na rodoviária de São Paulo. Estou me sentindo a versão rodoviária do Paul Theroux
______________________

No caminho para o restaurante de peixe ('Olho de Lula'), parei para comer um acarajé, e acabei conversando com um simpático senhor que fazia o mesmo. Ele tem um site devotado ao estudo e discussão sobre o estado da Paraiba, que pode ser encontrado aqui.

2 comentários:

Viuvas do Rafael Cury disse...

Eu nao gosto muito da Bayeux daqui. A comida parece interessante. Tenho receitas novas: frango cozido na cidra (tem que ser cidra de boa qualidade senao fica horrivel. Nade de cidra cereser) com arroz tipo bomba.
E' otimo. O arroz tipo bomba e' surpreendente: graos pequenos ao cozinhar mas que crescem e tem uma consistencia/aroma bem interessante.

|3run0 disse...

Acho que Bayeux 1.0 não tem nenhum grande atrativo histórico, fora a catedral e a tal tapecaria. Não que Bayeux 2.0 seja lá grandes coisas.

O Starkman (que é canadense) me passou uma receita interessante também. Vc deixa um pato marinando em rum e maple syrup por um dia inteiro; depois assa recheado de arroz selvagem e ameixas.

Eu nunca vi arroz-bomba; parece uma modalidade de terrorismo matrimonial ;-). Mas de fato, o seu frango parece muito bom; eu só não sei onde achar cidra que presta por aqui.