domingo, 15 de julho de 2018

Gusthoff Wilsickow, Pasewalk
Salvando o planeta


Hoje a trilha foi mais longa, 86km. Com mais colinas que a anterior, mas nada muito sério.

Água (ou mais propriamente a sua falta) pode ser um problema em viagens longas em um dia quente como foi hoje. São vários litros ao longo do dia, mesmo descontando as Coca/Fritz-Colas dos dois almoços que fiz pelo caminho (pedalar abre o apetite...). Felizmente, não preciso levar um galão comigo em lugares como o norte da Alemanha; me basta uma garrafa de água mineral comprada em Berlim, e a capacidade de dizer extemporaneamente 'Wasser, bitte' para os locais. Não é Goethe e soa como os delírios de um explorador em apuros no Kalahari, mas funciona.

Faltando uns 20 km para chegar, e com a garrafa vazia, parei em um supermercado para comprar dentifrício. Levei a garrafa, para ser enchida em uma torneira ou bebedouro. No caixa, a atendente apontou para a garrafa e me disse "". Ao perceber que eu não entendia, muito solicitamente pegou a garrafa, atravessou a loja, e a introduziu em uma enorme máquina amarela. "Bebedouro peculiar" - pensei, momentos antes de ouvir os  sons de uma garrafa plástica sendo esmigalhada cruelmente. Para a reciclagem.

A atendente voltou triunfante, e eu não tive coragem de tentar dizer (ou insinuar, comprando uma segunda garrafa) que o que eu queria era água para beber, e não ajudar a salvar o planeta.

Ganhei 25 centavos de desconto no dentifrício, porém.

Pedalei os últimos quilômetros sob um sol Piauístico (exagero. Um pouco.), e com uma dor de cabeça crescente. A 3km do destino, o GPS me instruiu a virar em um caminho estreito coberto de cascalho grosso, que fazia a bicicleta chocoalhar como uma pipoqueira. A tal via é, suponho, usada para a manutenção do parque eólico que atravessei, mas é uma verdadeira autopista comparada com a cratera linear coberta de mato, aparentemente usada por tratores e colheitadeiras a caminho dos campos de cereal adjacentes, em que me enfiei em seguida.

Cheguei finalmente na mansão dos Holtzendorff; uma agradável propriedade rural que foi da família epônima de 1742 até ser expropriada pelo Alemanha Oriental em 1945. Foi readquirida por uma Holtzendorff ('Ilsa-Maria Von Holtenzdorff') após a unificação, e hoje é um pensão* surpreendentemente em conta. Fico aqui mais um dia, e depois pedalo até o Báltico e volto de trem para Berlim; de lá pego avião para Londres, de onde parto de bicicleta para Oxford.


_______________________
* O lema da família pode ser lido ao lado do seu brasão, na parte externa da mansão. É uma frase de Ovídio, e é difícil pensar em algo menos Game of Thrones:



RURA QUOQUE OBLECTANT ANIMOS STUDIES COLENDIQUELIBET HUIC CURAE CEDERE CURA POTEST



Que pode ser traduzida como "A vida no campo e o desejo da agricultura também deliciam a mente; aquele que a isto se dedica tem paz antes dos demais". Por que o Ned Stark não pensou nisto?
















Nenhum comentário: