segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Hotel Villa Convento, New Orleans
Ciência e pé na jaca na Big Easy

Todos os fatores referentes à minha estada aqui em New Orleans até agora contribuíram para que eu poste com menos frequência neste blog. Eu apresentei dois trabalhos diferentes em dois encontros distintos, que têm sido tão interessantes quanto cansativos; esta é uma cidade fascinante, e o único lugar nos EUA onde eu consistentemente comi bem o tempo todo, e sai todas as noites com grupos vários e multinacionais. Entre a dicotomia de participar de congressos e enfiar o pé na jaca, tive pouco tempo e energia para postar no blog ou fazer qualquer outra coisa.

O charme da cidade não vem de alguma atração específica ou vista espetacular, mas da combinação dos charmes culinário, musical e arquitetônicos, sintetizados no (mas não circumscritos ao) French Quarter. Mesmo evitando a já um tanto batida Bourbon Street, aqui é possível ir percolando pela ruas locais, guiado somente pela arquitetura local, durante o dia, ou pela música emanando dos vários bares e congêneres, durante a noite. Como consequência, vamos então  experimentando uma variedade de ambientes, estilos musicais e bebidas alcólicas diferentes, e nos encontrando com pessoas randômicas, entre locais e turistas  (que, em geral, se mostram ser neurocientístas; como somos 30.000 em uma cidade de 300.000, tivemos um impacto demográfico localmente significativo).

Eu cheguei transnoitado no aeroporto, peguei um ônibus até o centro da cidade, e fui andando até a casa do meu anfitrião (couchsurfing!). Tomei um banho, troquei de roupa e tentei explicar para ele brevemente o que eu fazia, nesta ordem. Mas tive que deixar o meu mais novo (e bastante confuso) amigo para trás e ir direto, a pé por me faltar ainda uma bicicleta,  para o hotel onde ocorria a primeira das 3 conferências das quais vim participar*. Hotel alias famoso, o Orleans, onde os senhores das plantações locais iam a procura  de senhoritas mestiças (com exatamente 1/4 de descendência negra, não mais, não menos, e postadas nas extensas varandas rapunzelicamente) com quem formar o que era eufemisticamente conhecido como 'alianças'. A rua homônima termina nos fundos da catedral local (onde a sombra projetada pelos braços levantados de uma estátua de Jesus  deu origem ao apelido 'Touchdown Jesus')
 

A culinaria local é particularmente rica, com três grandes vertentes. A cozinha creole é tradicionalmente urbana, com grande influencia francesa, mas adaptando técnicas e ingrediantes. O mirepoix (cebola, aipo e cenoura refogados) se torna a  holy trinity (com pimentões substituindo as cenouras), os rouxes (farinha frita na manteiga, base de molhos vários) se tornam mais escuros (i.e., aquecidos por mais tempo, ficando mais saborosos mas menos espessos). Aparentada, a culinaria cajun é rural, mais rústica, e e com a fama de transformar em cozido ou churrasco qualquer vertebrado desafortunado o suficiente para se encontrar sob a mira de uma espingarda, preso a um anzol ou debaixo de uma roda de caminhonete. Finalmente, a soul food é a tradicional comida das comunidades negras locais (com influencias indígenas), usando  ingredientes locais e originados do oeste da África (e.g. o quiabo ou o feijão que chamamos fradinho), e que em alguns aspectos lembra bastante a culinária mineira/brasileira (feijão com arroz!). Como New Orleans é, de forma quase única nos EUA, um lugar onde elementos significativos da cultura africana foram preservados, é também um dos centros de difusão da Soul Food. Obviamente, as fronteiras entre os vários estilos são permeáveis. Todos fazem uso extenso dos frutos do mar e usam a baba do quiabo como espessante de molhos, por exemplo, e falam pelo menos a mesma linguagem gastronômica, embora em dialetos bastante distintos.

Este papo está me deixando com fome. Vou fazer um lanche na vizinhança, e depois preciso dormir. Posto mais nos dias seguintes.

_______________
* As duas primeiras ocorreram no mesmo local em dois dias seguidos e foram organizadas pelo JB Johnston Club; me apresentei oralmente na segunda. A terceira é a enorme reunião anual da Society for Neuroscience, onde apresento um poster

Um comentário:

Jorge Ramiro disse...

New Orleans é o berço do jazz. Bela cidade. Lamento muito o que aconteceu há alguns anos atrás. Eu viajo para lá porque eu trabalho em ums restaurantes em barueri, que também tem filiais nos Estados Unidos.