domingo, 15 de dezembro de 2013

Guimarães-Twenhöfel Manor, Edinburgh, UK
Catacumbas

Depois de uma semana produtiva em Londres, e antes de voltar para o Brasil, vim passar o fim de semana em Edimburgo. Vim ver meus amigos André e Antonia, que esperam aqui um bebê que pode nascer a qualquer momento. A previsão do tempo indicava temperaturas de 3-9 graus, chuva intermitente e lufadas de vento ('gale force winds'...), um clima considerado extremamente ameno para a estação por diversos dos meus interlocutores locais.

Entrando no clima, literal e figurativamente, desci do ônibus do aeroporto, montei a bicicleta e fui margeando as colinas de Holyrood até o meu hotel. O frio não incomodava tanto, mas o chuvisco era bem irritante, e os ventos irregulares eram até perigosos (lufadas mais fortes quase me jogaram da bicicleta mais de uma vez).

Cheguei são e salvo, porém, e após um chá e um banho, fui para a casa do André. Conversamos, fomos assistir o Hobbit (o consenso: um exagero auto-indulgente que esconde o germe de uma adaptação interessante) e comer a versão local de churrasco (muito bom).

Os desjejuns escoceses são notoriamente substanciais; o do Salisbury Green é considerado exagerado pelos locais. No dia seguinte (i.e., hoje), após haggis, bacon, torrada, tomate e cogumelo fritos, ovos poché, suco, frutas, croissant, queijos e café, fui (lentamente...) me encontrar com outros amigos na cidade. A parte histórica de Edimburgo tende a agregar naturalmente um certo ar de mistério a lugares a princípio perfeitamente mundanos. A arquitetura elegante mas severa, quase sem cores, sugere sempre algo antigo mas ainda presente; e a dimensão vertical (é uma cidade de colinas irregulares) e a profusão de vielas tortas, alamedas e catacumbas várias adiciona um inevitável ar de mistério. O fato é que esta é uma cidade perfeita para se perambular. Perambulamos.

Me despedi dos meus amigos após uma refeição vegetariana um tanto decepcionante (durante a qual agradeci aos céus e a William Wallace pelo café da manhã), e fui conhecer o museu nacional da Escócia.  Talvez o seu artefato mais bizarro seja uma grotesca máscara de couro, com barba e cabelo humano e dentes falsos (?), que era aparentemente usada por um pastor presbiteriano para pregar incógnito em uma época em que o seu secto protestante era, por alguma razão ou outra, ilegal. O que as suas efêmeras congregações achavam dos sermões proferidos por um aparente serial killer não ficou registrado, infelizmente.

Me atendo ao tema, encontrei-me novamente com o André e a Antônia, para visitarmos algumas catacumbas. São várias na cidade, então é preciso ser criterioso. A chamada Gilmerton Cove foi escavada em uma época não determinada no arenito sob uma casa ordinária em uma vila sem distinção. Foi oficialmente descoberta no século 18, quando o dono da dita casa foi preso por usar as catacumbas como pub e vender bebida no domingo. São diversas câmaras e nichos, com mesas de arenito esculpidas na rocha, tuneis misteriosos bloqueados por entulho e a aparência de um local criado para algum propósito bem definido, mas que nos é totalmente misterioso. As
Rola um D20
hipóteses para explicar tal propósito variam do esdrúxulo ao meramente improvável: Locais de missa secreta de dissidentes religiosos, refúgio de cavaleiros templários, antro de vício e covil de bruxos. Nada que me pareça muito convincente.

Acabamos de jantar em um pub fundado em 1380. Daqui a pouco pego o ônibus de volta ao aeroporto. Voo até Londres, passo a madrugada em Heathrow, faço escala em Paris bem cedo pela manhã, e chego no Rio a tarde, mais bagaço do que gente.
 

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terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Queen Mary, University of London, Londres
Achados e perdidos

Estou de volta em Londres, por somente uma semana. Vim para uma conferência e para juntar algumas pontas científicas soltas da vinda anterior. Por razões misteriosas, o vôo mais barato* passava por Roma, de onde me conectei por Embraer até o London City Airport, um aeroporto de somente uma pista situado convenientemente a menos de 10 km do college onde estou. Para Londres em dezembro, o clima estava surpreendentemente ameno (i.e., sem chuva), então vim pedalando, margeando o Tâmisa até chegar (ironicamente) ao East End vindo do leste. É uma região de aparência nova e um tanto holandesa, com um teleférico que liga ambas as margens do rio e grandes prédios multifacetados de vidro com propósito vago. Naquelas circunstâncias e clima, me pareceu bastante agradável.

Cheguei ao Queen Mary cedo demais para pegar as chaves do meu alojamento, então fui diretamente até o prédio da escola de ciências matemáticas, comprei meia dúzia de pacotinhos de um ristretto do juizo final, me fiz um duplo com a consistência de mingau e a potência de Red Bull concentrado, e subi até a sala dos visitantes. E eis que, em meio a diversos e silenciosos acadêmicos, vejo a minha antiga mesa, desocupada. Sobre ela, uma pequena caixa preta.

Logan, a mosca
É preciso fazer agora uma pequena digressão. Na minha última visita, durante o verão local, estava eu certo dia sentado nesta mesma mesa, quando uma enorme mosca começou a me orbitar. De forma quase instintiva, estabeleci logo um diálogo entre filos por meio de uma cacetada com um bloco de anotações enrolado. A mosca se estatelou no chão, e por lá ficou. Fim da história, pensei eu. 

Porém, alguns minutos depois, vejo que ela ainda se mexe debilmente. Em menos de uma hora ela já agitava as pernas de forma mais coordenada. Pouco depois, ela se pôs de pé, e começou a alisar as asas, e logo em seguida já me orbitava novamente.

A cacetada seguinte fez todos na sala, e na vizinha, pararem o trabalho e esticarem o pescoço para ver o que estava acontecendo. Sobrancelhas foram levantadas. O corpo da mosca já não se via mais, presumivelmente desintegrado.

Logan e sua vítima
No dia seguinte, ao chegar, a encontro bem viva sobre o bloco de anotações com o qual eu tentara matá-la. Se era um aviso ou sinal de perdão eu não sei, mas achei melhor não insistir. A mosca, agora apelidada de Logan devido ao seu fator de cura, me orbitou por mais algum tempo, e depois sumiu.

No dia seguinte, no batente externo da janela, vejo um pombo morto. Ao seu lado, Logan. Me lembrei de Mario Puzzo e Francis Ford Coppola, e resolvi definitivamente deixar a mosca em paz pelo resto da minha estada em Londres.

A caixa que encontrei ontem continha um par de óculos escuros. O *meu* par de óculos escuros, que eu havia concluído por exclusão terem sido perdidos no Museu Britânico. Não sei como foram parar na minha mesa, pois me lembro de os haver procurado, sem sucesso, no dia em que fui embora. Quero crer, porém, que o seu reaparecimento foi um gesto de reciprocidade.

Ainda não vi o meu amigo díptero desta vez. É dezembro, afinal, e faz frio. Porém, se existe um inseto capaz de sobreviver ao inverno londrino, é Logan, a mosca.




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* Alitalia, que supostamente era uma sigla para 'Arrived late in Turin, all luggage in Arezzo', mas que se mostrou bastante decente.

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