domingo, 9 de junho de 2013

Casa da Mari, Brasilia
Castamere não é no Planalto Central


É uma vergonha Casoyiana o tempo que fiquei sem postar aqui. Estou em Brasília, mas a ponto de embarcar de volta para o Rio. Vim para um casamento (não o meu; do Álvaro e da Ana), e para encontrar amigos(as) e suas respectivas proles que moram por aqui . Não foi, portanto, uma viagem muito turística. Começando do início: A cerimônia de matrimônio teve as três virtudes essenciais casamenteiras: foi bonita, sincera e sucinta. Adiciono ainda uma quarta: A ausência de 'Rains of Castamere' no repertório da orquestra, o que é sempre um bom sinal. A recepção subsequente foi também bastante agradável e bem nutrida, e incluiu algumas demonstrações de surpreendente desenvoltura na pista de dança.

Os dois dias seguintes consistiram principalmente daquele tipo de ocasião social informal que, embora muito agradável, não é de grande interessa para quem não lá estivesse, a não ser quando algo espetacularmente errado acontece (o que não foi o caso). Me limito, portanto, a algumas observações gerais sobre Brasília. 

Os habitantes locais conversam em um peculiar dialeto geográfico. Devido a numeração* dos vários blocos e superblocos do plano piloto, a localização de qualquer endereço (até o nível do apartamento em questão) é imediata e univocamente determinada, e a menção a algum lugar em um bloco x é sempre seguida de uma discussão impenetrável sobre a sua proximidade do bloco y e distância imensa do bloco z, o seu propósito funcional original, e por qual das inúmeras e indistinguíveis tesouras rodoviária o seu acesso se dá. Se o seu nome não é Dilma, andar como passageiro por aqui consiste em repetições e inversões sucessivas do seguinte procedimento: seguir por uma avenida de curvatura constante, passar por uma sucessão de tesouras idênticas, cruzar por uma ou duas ruas e balões indistinguíveis entre si, e ser apontado na direção de um dos isômeros de um prédio polimérico de arquitetura modernista genérica. 

Dito isso, a minha impressão da cidade desta vez foi muito mais positiva do que a que tive durante minha visita anterior. Para começar, as chuvas só pararam agora, então árvores e gramados ainda estão agradavelmente verdes, enquanto anteriormente eu havia encontrado uma cidade em aparente pleno processo de desertificação, com vegetação esturricada de aparência pós-apocaliptica e ar mais seco que sovaco de múmia. Além, passei a maior parte do meu tempo ou no Minhocão (o abominável prédio principal da UNB), ou vagando meio a esmo como turista. Desta vez estive acompanhado por vários locais e expatriados de longa data, então a experiência foi mais intimista. Andei pelas agradáveis alamedas internas de uma quadra com a Mari (com quem sou incapaz de parar de discutir física) e com a Lets e sua crescente família, e sai para tomar cerveja (ou, mais propriamente, para fazer companhia a quem o faz) com a quase totalidade do meu grupo de RPG de físicos, aqui transladado para o casamento.

Mas, por mais agradável que tenha sido esta última impressão, Brasília ainda me causa estranheza, e até um certo desconforto. O negócio de Brasília é o negócio do governo federal; e o artificialismo e a escala mais-que-humana de sua arquitetura** criam uma impressão quase religiosa de uma espécie de cidade sagrada da tecnocracia. É um sentimento um tanto opressivo, que lembra um pouco Chichen Itza, com seus monumentos imponentes alinhados cartesianamente em eixos monumentais, e onde, suponho, o El Castillo (a pirâmide principal) faz o papel do Congresso Nacional.***

Bem, volto agora para o Rio, cidade que ninguém pode acusar de ser planejada.

PS: Estou no avião, onde uma velhinha acaba de ser içada em uma inusitada cadeira porta-idoso. Após ser desatada e agradecer aos dois funcionários que a trouxeram, ele seguiu em processão triunfal pelo corredor, oferecendo bom-dias para os demais passageiros, que respondiam em coro. 

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* Que alias ficaria mais simples em hexadecimal
** E a concomitante ausência de pessoas nas ruas; paisagens aqui consistem de prédios e carros em frente a um horizonte perfeitamente plano.
*** Eu gostaria muito de ler o que arqueólogos do futuro irão escrever sobre o prédio do congresso nacional...

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