sexta-feira, 30 de julho de 2010

NACO, UFRJ, Rio de Janeiro
Tour du Fundão


Ser professor neste semestre aqui na UFRJ foi uma experiência bastante instrutiva. Em particular, a perspectiva do outro lado do quadro negro me faz ver algumas das minhas atitudes durante a graduação com outros (e mais críticos) olhos.

No final, eu acabei desenvolvendo uma relação boa com meus alunos (embora eles ocasionalmente fossem enrolados e chorões; e eu ocasionalmente fosse inflexível com prazos e viajasse na maionese com a matéria). O curso, incluindo exercícios virtuais e questionários, é todo disponibilizado online; como meu meio de comunicação favorito é email, acabei me correspondendo bastante com eles eletronicamente. No final, no meio da rede ad hoc emergente de email, gtalk, orkut, blogs, flickr, twitter e congêneres que estabelecemos, a festa final do semestre que eles organizaram e para a qual gentilmente me convidaram parecia uma relíquia (embora bastante agradável) do século passado.

Eram duas turmas, de duas matérias dadas sequencialmente (Introdução à Física A e B), com quatro horas de aula em sala de aula por semana, mais experimentos no laboratório (conduzidas pelos monitores); isto implica em, por aluno, duas provas finais, mais possivelmente duas provas de 2a chamada/substitutivas; dois relatório experimentais, e da ordem de 15 listas de exercícios e questionários. Eu passei boa parte das últimas duas semanas corrigindo, revisando e respondendo dúvidas e pedidos sobre as notas. Nos últimos dias, eu estava a ponto de me munir de um pincel atômico vermelho e sair marcando maniacamente certo ou errado em tudo que via pela frente. Mas sobrevivi; o alfarrábio multi-rêsmico se encontra em repouso em cima da minha mesa, e as notas finais foram enviadas. A partir de hoje, e até o começo do semestre que vem, estou de semi-férias.

Para comemorar, resolvi fazer um tour ciclístico pela ilha do fundão. A tal bicicleta dobrável que eu comprei em Washington agora fica aqui no laboratório, e é o meu meio de transporte entre a biologia e a física quando vou dar aula. Hoje, sem mais aulas para dar, levei ela para fazer turismo.

É interessante que seja possível fazer na UFRJ o mesmo que eu faço nas cidades que visito. A universidade foi projetada como uma espécie de Brasilia universitária, com prédios estilo pombal com predominio de concreto nú, cercados por espaços planos estéreis, e ligados por ruas que mais parecem rodovias. Tanto em escala quanto no acesso, é um espaço feito para o benefício dos carros mais do que dos seres humanos. Mas a ilha é ampla, e usando a incipiente rede de ciclovias local, acabei encontrando alguns lugares inesperados: uma prainha de aparência agradável, colonizada por um matilha de cachorros semi-selvagens. Uma vila residencial favelizada. Vistas interessantes da baia de Guanabara, e da ponte Rio-Niteroi. Uma zona militar quase florestal, em torno de uma igreja barroca de aparência anciã. Um heliporto e uma balsa de perfuração submarina (acho). E um tal de centro de computação virtual para a Amazônia, ou algo assim, em um prédio de aparência misteriosa com o formato de um poliedro irregular preto e cinza, e sem qualquer sinal de habitação humana; tenho certeza que este último é só uma fachada para um centro dissecção de alienígenas ou de adamantização de ossos de mutantes. Mas divago...

De qualquer, foi um passeio interessante. É uma pena que a maior parte da orla da baia de Guanabara não seja bibicletável.

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segunda-feira, 12 de julho de 2010

Casa, Rio de Janeiro
De volta


Estou de volta ao Rio. A viagem de volta passou por três continentes e cruzou dois oceanos. Entre o vôo vindo de Amsterdam e o indo para São Paulo, passei 12 horas mofando no aeroporto em Washington. Mas, entre livros, WiFi, a lojinha do Smithsonian e um Mexicano decente com refil de coca, até que foi uma espera agradável. Até consegui descansar um pouco.

O encontro de Amsterdam (a FENS) foi cientificamente decepcionante, em alguns aspectos. Achei as plenárias e as paralelas bastante menos interessantes (e de interesse bem mais restrito) do que as suas equivalentes nos encontros da SfN (nos EUA). Por outro lado, as sessões de posteres foram animadas e instigantes; e a organização foi impecável.

"Você usa anticorpos?" - me perguntou a representante comercial
"Só os que o meu sistema imunológico produz" - respondi

As feirinhas das editoras e fabricantes de equipamentos em congressos dirigidos às ciências biológicas são sempre um evento a parte. Se por um lado a distribuição de brindes foi menos liberal do que em outros encontros, por outro as bocas-livres, petiscos e chocolates eram muito mais numerosas e de melhor qualidade do que em eventos nos EUA. Outro destaque ficou por conta das anticorpetes, um grupo de vendedoras de anticorpos embaladas a vacuo em uniformes estilo Formula-1; sinceramente, elas estavam meio incongruentes em meio aos microscópios cofocais e os implantes craniais para ratos; e dada a demografia destes encontros, imagino que elas fariam mais sucesso em um encontro de física...

Um último comentário: Em sempre gostei de Rembrandt, mas nunca tinha prestado muita atenção nas suas gravuras (i.e., impressões em papel a partir de uma placa de cobre riscada). No seu primeiro a FENS só começava de tarde, então dei uma volta por alguns museus, incluindo o museu judaico e a Gassam Diamonds. Na antiga casa do pintor (sobre cujo conteúdo na época sabemos bastante, graças ao detalhado inventário produzido quando Rembrandt foi a falência e teve que leiloar todas as suas posses), eu estava subindo as escadas quando ouvi que uma demonstração das técnicas de gravura comecaria dentro de instantes. E, em frente a uma prensa manual, uma artista de verdade foi nos conduzindo passo a passo pelo processo: Das três técnicas de riscar o cobre, a maneira de se aplicar e retirar a tinta, até a impressão propriamente dita. E foi só assim que eu começei realmente a apreciar e prestar atenção nas gravuras (e suas matrizes).

As tais gravuras são impressionantes, em particular no uso e representação da luz e sombra. É muito interessante, para quem gosta de quadrinhos, notar o quanto o tipode traço ou risco usado determina a ênfase, o movimento e a forma de uma figura. Além disso, como Rembrandt nunca fora à Itália, o seu contato com os mestres da renascença se deu através de gravura; o seu entendimento do chiaroscuro deve tanto ao buril quanto ao pincel; de fato, tive a impressão de que a gravura para ele era uma forma de arte muito mais ínitma e pessoal do que a pintura. Assim, as suas gravuras ajudam um pouco a entender o restante de sua obra.







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quarta-feira, 7 de julho de 2010

Aeroporto Schipol, Amsterdam
Você é o passageiro mais interessante que eu entrevistei hoje - ...

... foi o que me disse o policial após a entrevista de segurança pré embarque. De fato, a minha passagem pela segurança deste aeroporto foi um evento social: Conversei amigavelmente sobre o jogo contra a Holanda com o guarda que me revistou, e sobre ciclismo em Amsterdam com o operador do raio-X. Mas foi com o entrevistador que o papo rendeu mais.

Ele começou me perguntando o usual ('Você fez as próprias malas?'; 'Você recebeu algum pacote de estranhos?'), deu sequência com perguntas sobre meu itinerário ('porquê você vai fazer escala em Washington?'). Ao responder esta pergunta, eu obiviamente mencionei que estava viajando para participar de congressos científicos. De neurociência, esclareci. E ele engatou um papo bastante animado sobre as implicações éticas da possibilidade de alterar a personalidade por meio de terapia genética ou drogas. Ficamos uns 10 minutos conversando, enquanto a fila atrás aumentava, e a representante no local da United Airlines olhava o bate papo com crescente impaciencia.

Este alias vai ser outro daqueles posts cronológicamente invertidos. Hoje de manhã, com uma das minhas mochilas cada um, eu e o Graham pedalamos nossas bicicletas até aqui. É um passeio interessante (de uns 15-20 km no total, ao sul da cidade), com um cenário um tanto diferente da caminho que percorri para o norte em meu outro passeio de bicicleta pela região em volta de Amsterdam (e sobre o qual eu ainda não postei nada). No final, simplesmente dobrei a bicicleta, coloquei na sacola e fui viajar.

Ontem foi o jogo Holanda X Uruguai. Assisti, com a Su e a Gabi, em uma churrascaria argentina, onde um pequeno grupo de Uruguaios se refugiou. Como a churrascaria fica ao lado da praça Rembrant, onde jovens holandeses em diversos graus e tipos de intoxicação se congregam em dias normais, o barulho quando o time local tocava na bola era ensurdecedor. Acho que pessoas como eu (e a Su, e a Mari), que normalmente só acompanham futebol em jogos da seleção na copa, são muito mal acostumadas. Mesmo quando a seleção vai mal, os jogadores do Brasil tendem a ser bastante habilidosos. Então ficavamos curiosos com a demora de holandeses e uruguaios em decidir o que fazer com a bola quando esta chegava aos seus pés. Não posso dizer que fiquei impressionado com qualquer um dos dois times.

Ao final do jogo, os locais comemoraram, com vuvuzelas, bandeiras e baseados, como se tivessem ganhado a copa. A policia olhava, em peso e atenta, mas tolerante, enquanto os celebrantes jogavam uma quantidade prodigiosa de lixo na rua, transformavam carros de bombeiro em carros alegóricos improvisados, e em geral faziam barulho como se possuídos por cacodemônios. Mas era uma bagunça amistosa, bem holandesa.

No dia do jogo, pela manhã, apresentei o meu poster. Inicialmente, achei que estava na Sibéria científica local, em uma seção meio erma do salão, na manhã seguinte à festa ('Jump de FENS') que entrou madrugada a fora. Mas aos poucos, os interessados foram aparecendo, e um mini-engarrafamento foi se formando enquanto eu agitava os braços maniacamente (é o que acontece quando eu fico entusiasmado) e explicava como calcular as massas médias dos neurônios. Fiz alguns contatos interessantes; em particular, um professor polonês me convidou para passar um tempo em Varsóvia (ele tem uma coleçao respeitavel de insetívoros leste-europeus). Inspirado pelo 'Wronski' do meu email, ele me contou uma história interessante sobre o Banach, outro matemático polonês excentrico: Aparentemente, ele e seus colegas se reuniam em um café local para discutir matemática. Infelizmente, após a ressaca inevitável, eles esqueciam muitas das demonstrações brilhantes que havia obtido quando seus cérebros estavam bem lubrificados pela vodka. A solução foi convocar a esposa de um deles, que passou a manter um livro com o registro das soluções para problemas já resolvidos, e os prêmios propostos para os problemas em aberto. Recentemente, um alemão resolveu um destes últimos, e ganhou o ganso vivo estipulado do governo polonês em cerimônia solene.

Tenho que ir. Vou sentir saudades desta cidade, que combina bastante comigo.




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sábado, 3 de julho de 2010

RAI Convention Centre, Amsterdam
Laranjas azedas

Estou aqui em Amsterdam desde 5a. Já fiz um extenso tour a pé pela cidade (em particular, pela arquitetura moderna na região do porto), e um tour ainda mais extenso de bicicleta, através da região ao norte da cidade, e suas vilas piturescas. Fiz ambas as coisas com o Graham, o meu host muito gente fina no CouchSurfing.

Mas hoje eu vou postar sobre o jogo de ontem...

Eu sai de casa sem saber muito bem onde assistiria o jogo. Eu queria a compania de outros brasileiros, e não somente por temer por minha integridade física se o Brasil ganhasse. Passei por inúmeros bares e resturantes decorados de laranja do chão até o teto; mas não vi nenhum verde e amerelo. Exceto por estes últimos, Amsterdam tinha aquela aparência de cidade fantasma a que estamos acostumados no Brasil em dia de jogo da seleção. Os holandeses levam o futebol a sério.

Alguns museus depois, eu estava no museu local de ciência ('Nemo'), e jogo começaria em 45 minutos. Comentei casualmente com a atendente da bilheteria que os funcionarios do Nemo deviam ser os únicos holandeses vestidos de amarelo (é o uniforme do museu). "Sim! Eu queria estar vestindo LARANJA hoje!!' - ela respondeu, enfática. Eu tive que mencionar a minha nacionalidade nesta hora, ao que ela respondeu com um 'boa sorte!' um tanto envergonhado, mas aparentemente sincero.

O museu é dirigido principalmente para crianças e adolecentes; mas a coleção é muito bem bolada. A parte dedicada à educação sexual é (como poderiamos esperar na Holanda) particularmente direta. Uma série de bonequinhos de madeira demonstra posições sexuais descritas no Kama Sutra; uma caixa com duas marionetes cônicas vermelhas permite aos atendentes simular um beijo de língua gigante; e um desenho animado estilo XKCD mostra de forma cronológica as mudanças nos corpos feminino e masculino entre a infância e a idade adulta. Para as crianças, havia uma apresentação sobre o princípio de causa e efeito. Enquanto uma apresentadora hiperativa (de avental branco, obviamente; mas usando um faixa laranja na cabeça) explicava o que estava acontecendo, uma complicada série de mecanismos iam se ativando em cadeia: Uma série de dominós solta uma bola que empurra uma alanca que libera um bondinho que furava um balão que deixava cair um peso em uma balança, que... No final, um foguete era lançado, fixando nas impressionáveis mentes infantis presentes a ideia de que o desenho do Papa-Léguas é um documentário.

Saindo do museu a poucos minutos do inicio do jogo, ainda sem ideia de onde ir, a atendente patriótica com quem havia conversado anteriormente me chamou de volta. Após uma breve conferência com a colega do lado, ela simpaticamente me informou que um bar a algumas quadras do museu estava decorado com bandeiras brasileiras (e holandesas), e que um turbulento grupo de brasileiros era esperado por lá. Após profusos agradecimentos, me dirigi ao local indicado. Eu ouvi os brasileiros muito antes de os ver.

Cerca de 100 dos meu compatriotas gritavam, tocavam vuvuzelas, ou produziam ruido de formas mais criativas. Eram acompanhados de duas emplumadas e sacolejantes morenas, uma barraquinha vendendo churrasquinho, e um grupo de percussionistas. Me senti o próprio estereótipo nacional. Um grupo consideravel (mas minoritário) de holandeses alaranjados completava o grupo. Apesar dos cliches e da proximidade com o 'inimigo', o clima era relaxado e bastante agradável. Gritos de 'Brasil!' e 'Holland' e jingles improvisados ('A laranja! foi chupada! A Holanda vai para casa!') se alternavam; mas a disparidade em números e hábitos culturais, e a presença dos tambores tornavam esta disputa uma que os holandeses não tinham a menor chance de vencer. Pelo menos até o final do segundo tempo...

Não tenho muito a dizer a respeito do jogo. Comentários pós-jogos, em mesas redondas e similares, são famosas por serem (até mais do que blogs) exercícios fúteis de teleologia. Mas, para o crédito dos brasileiros, a batucada continuou quase sem interrupção após o jogo, enquanto algumas holandesas mais aventurosas dançavam releituras (digamos) criativas do samba.

O resto do dia (museu Van Gogh, uma soneca no parque vizinho, torta de maça na praça) trasnscorreu agradavelmente. A única coisa difíl de aguentar eram os bandos de celebrantes, alaranjados e com níveis variados de alcool no sangue, assoviando em coro 'Aquarela do Brasil'.


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